Um roteiro detalhado para entender o que está em jogo com a terceirização

O assessor jurídico da Liderança do PT no Senado, Thales Chagas Machado Coelho, faz uma análise detalhada, do ponto de vista jurídico, sobre o processo de terceirização (Projeto de Lei da Câmara nº 30, de 2015 (Projeto de Lei nº 4.330, de 2004), contra o qual os senadores petistas, em unanimidade, são contra.

Nesse artigo, ele esmiúça cada um dos pontos do projeto – evidenciando o quanto ele é nocivo para o trabalhador e colabora com a precarização das relações de trabalho.

PROJETO DE LEI DA CÂMARA Nº 30, DE 2015 (PROJETO DE LEI Nº 4.330, DE 2004)

Análise da proposição que “dispõe sobre os contratos de terceirização e das relações de trabalho deles decorrentes”

Thales Chagas Machado Coelho

Assessor da Bancada do PT no Senado Federal

Notas Introdutórias

Em apertada síntese, relatamos a tramitação da matéria na Câmara dos Deputados que, conforme consta da ementa, “dispõe sobre os contratos de terceirização e das relações de trabalho deles decorrentes”. Trata-se de projeto de lei que foi apresentado pelo Deputado Sandro Mabel, em 26 de outubro de 2004. Duas semanas após, já se apresentava requerimento, com base no art. 155 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, a fim de que a proposição tramitasse em regime de urgência “urgentíssima”, isto é, com discussão e votação imediata, por versar sobre “matéria de relevante e inadiável interesse nacional”. Não se logrou êxito nessa empreitada. A matéria seguiu seu curso normal e foi aprovada pela primeira comissão a que foi despachada, dentre as três a que foi distribuída, em 31 de maio de 2006. Foi, contudo, arquivada ao final da legislatura por não ter sido objeto de deliberação dos demais colegiados competentes. A proposição foi desarquivada na legislatura seguinte, a pedido de seu autor, e remetida para a Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP), tendo sido novamente arquivada em 31 de janeiro de 2011. Uma vez mais o Deputado Sandro Mabel requereu o desarquivamento do PL nº 4.330, de 2004. Sobre ele deliberou a CTASP em 1º de junho de 2006; a matéria, foi, então, encaminhada à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), que, até o encerramento da legislatura, não conseguiu concluir o seu exame. Novamente arquivado, em 31 de janeiro de 2015, o referido projeto foi, finalmente, objeto de parecer da CCJC e submetido ao Plenário, sob regime de urgência, onde foi aprovado na forma como veio a ser remetido ao Senado Federal.

A matéria se insere no âmbito das competências legislativas exclusivas da União (direito do trabalho, conforme art. 22, inciso I, in fine, da Constituição Federal). É veiculada por instrumento normativo adequado, nos termos dos arts. 48, caput, 59, inciso III, do Texto Constitucional. Não se insere no âmbito das matérias reservadas à iniciativa do Presidente da República (art. 61, § 1º, CF) e nem se submete à restrição do art. 67 do Estatuto Político Fundamental.    

Contudo, arguimos, de plano, a proposição em apreço de inconstitucionalidade material. Entre nós tem prevalecido a compreensão de ser a democracia econômica e social, também chamada de “princípio da justiça social”,  uma consequência do princípio democrático que fundamenta a Constituição. Significa dizer que a ordem constitucional vigente não se conforma com o paradigma liberal (lei constitucional como simples limitação do poder), segundo o qual a tarefa de promoção social estaria destinada, tão somente, à implementação do que se entenda como tal (promoção social) em um programa de governo que se consagra vitorioso nas urnas, em conformidade com as regras da democracia política.

A natureza jurídico-constitucional da dimensão social do princípio democrático melhor se pode divisar quando se indaga: quantos dentre os súditos de uma ordem constitucional podem ser havidos como tendo ultrapassado os umbrais da necessidade, e, assim, em condições de se comportarem como cidadãos livres e conscientes de direitos e deveres? Quanto maior o fosso entre o estado de necessidade e o estado de liberdade, mais distante está, no horizonte, a consecução do objetivo fundamental republicano de se construir uma sociedade “livre, justa e solidária” (art. 3º, I, CF).

A busca permanente da justiça social, no contexto de uma sociedade politicamente aberta, em que se respeitam a soberania popular, o pluralismo de expressão, a liberdade de organização, parte da percepção de depender a liberdade plena da ampla satisfação das necessidades humanas. Isso se desdobra por meio da imposição ao poder público de tarefas de conformação, transformação e planejamento das estruturas socioeconômicas de maneira a fortalecer nos cidadãos a convicção de que são sujeitos políticos e senhores de seus próprios destinos. Em outras palavras, não podemos falar em igual liberdade entre cidadãos, membros de uma comunidade política, se, entre eles, claudica a igualdade real.

Haveria, assim, na essência do princípio da justiça social, um mandato constitucional juridicamente vinculativo (Canotilho). Certamente, há dúvidas quanto a ser a imposição obrigatória dirigida aos órgãos de direção política para normatizar e regular a atividade econômica em função desse objetivo compatível com a liberdade (discricionariedade) de conformação do legislador. Essas dúvidas, entretanto, se dissipam, quando se trata se examinar uma ação normativa que, claramente, vai de encontro ao princípio do não retrocesso social, essência do princípio da “justiça social”. Se os direitos sociais prometidos na Carta Constitucional são atacados pela atividade legiferante ordinária do Congresso Nacional, de forma reacionária, o enunciado normativo disso resultante deve ser reconhecido como inconstitucional. É, precipuamente, o caso dessa proposição que “dispõe sobre os contratos de terceirização e das relações de trabalho deles decorrentes”.

       

 Como falar em “dignidade humana”, como apregoa o art. 1º, III, da Lei Maior, se oitenta por cento das mortes em acidentes do trabalho no Brasil ocorrem no universo de trabalhadores terceirizados? Como falar em “valorização do trabalho humano eda busca do pleno emprego” (art. 1º, III c/c 170, caput, e VIII, CF), se a terceirização acelera a rotatividade da mão de obra e remete às calendas a regulamentação da proteção contra a dispensa imotivada, prevista há mais de vinte e cinco anos no art. 7º, I, da Constituição Federal? Como falar em“assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social” (art. 170, caput, CF), se, em média, o trabalhador terceirizado ganha quinhentos reais a menos, por mês, em comparação com seu equivalente contratado diretamente? Como falar em função social da propriedade (art. 5º, XXIII, art. 170, III, CF), se a jornada de trabalho dos prestadores de serviços “terceirizados” para os proprietários dos meios de produção é sempre maior do que a daqueles trabalhadores fichados na tomadora de serviços? Como falar em construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, CF), se pela terceirização monta-se um ardil para sonegar a trabalhadores o “reconhecimento das convenções coletivas e acordos coletivos de trabalho” (art. 7º, XXVI, CF) aplicáveis aos empregados do ramo de atividade preponderante na empresa?

Como, nessas circunstâncias, falar em erradicação da pobreza e marginalização e redução das desigualdades sociais (art. 3º, III, CF)?; falar em busca da promoção do bem de todos, sem preconceitos e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV, CF)?; e falar em “Ordem Social” assentada no primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais (art. 193, CF)?

Examinando-se o projeto propriamente, vê-se, desde logo, que o seu propósito caminha na contramão de todas as aspirações de justiça social inseridas na Constituição de 1988. Passemos, pois, à análise da proposição.

Primeiro Artigo

“Art. 1º Esta Lei regula os contratos de terceirização e as relações de trabalho deles decorrentes.

§ 1º O disposto nesta Lei aplica-se às empresas privadas.

§ 2º As disposições desta Lei não se aplicam aos contratos de terceirização no âmbito da Administração Pública direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 3º Aplica-se, subsidiariamente, no que couber, ao contrato de terceirização entre a contratante e a contratada o disposto na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 —Código Civil.”

A título de regular as “novas formas de contratação” decorrentes de “profundas reformulações na organização do trabalho”, o PL nº 4.330, de 2004 marcha de volta ao passado: quer caracterizar como contrato de locação de serviços a assim chamada “terceirização”, ao mencionar, explicitamente, no parágrafo único do art. 1º da proposição, na redação original, a aplicação subsidiária dos arts. 593 a 609 do Código Civil, que cuidam dessa modalidade de contrato.

 Para além disso, ainda no art. 1º, já é feita referência à possibilidade de uma empresa de prestação de serviços subcontratar outra empresa para tanto. Estaríamos, assim, diante da “quarteirização” da prestação de serviços laborais. É certo que a redação final do art. 1º, tal como votado na Câmara dos Deputados, não faz referência à aplicação supletiva dos dispositivos específicos da legislação civil sobre locação de serviços, mas reafirma a aplicação subsidiária lato sensu do próprio Código Civil. Observa-se, de qualquer forma, a busca de deslocamento da relação de trabalho do âmbito do Direito do Trabalho para o âmbito do Direito Civil, de forma a evitar a consignação de um aspecto clássico e fulcral do direito trabalhista, a dependência (subordinação) — art. 3º/CLT — como elemento constitutivo da contratação entre tomador e prestador de serviços.

Por que deslocar a prestação de serviços do Direito do Trabalho para o Direito Civil? Para o autor do projeto, algo natural, que decorreria da “verdadeira revolução da organização da produção a que o mundo assistiu nos últimos vinte anos”.

 A estipulação legal de pagamento de preço sem efetiva contraprestatividade de trabalho (férias, dias de repouso, intervalos remunerados, tempo à disposição, etc.) e a indeterminação da prestação de serviço (o Código Civil não admitia e ainda não admite a locação de prestação de serviço por mais de quatro anos — ver art. 1.220, Código Civil de 1916 e art. 598 do Código Civil de 2002), tendo essa indeterminação como consectário o pagamento de indenização por tempo de serviço (arts. 477 e 478/CLT), pelo tomador — no caso de prestação de serviços por ele mais tarde dispensadossignificaram profunda inovação frente ao marco legal anterior. São os fundamentos do Direito do Trabalho.

Qual era o marco legal anterior? Após a abolição da escravatura e até o advento do regime político inaugurado no Brasil com a Revolução de 1930, impôs-se, legalmente, a tese liberal, há muito positivada no Código Civil Francês (o Código Napoleônico, de 1804) de ser a relação de emprego um contrato de locação de serviços (obrigação de fazer), regido, aqui, pelos arts. 1.216 a 1.236 do Código Civil de 1916. Pela locação de prestação de uma atividade, o locatário (contratante/tomador de serviço) pagaria ao locador (contratado/prestador de serviço) uma remuneração e nada mais.

 Na legitimação acima mencionada, assim, a despeito das resistências empresariais, a partir da década de 30 do século passado (para as atividades urbanas), surgiu o Direito do Trabalho, em cujo âmbito doutrinário, preponderou a compreensão de se tratar a relação de emprego de um contrato especial, que tem por fim proteger o chamado hipossuficiente, ou seja, o trabalhador, e que tem por objeto uma obrigação de fazer (prestar serviços), caracterizada pelas seguintes especificidades: pessoalidade (intuitu personae) no que tange ao prestador de trabalho; modo subordinado de consumação da prestação do trabalho; natureza contínua (não eventual); e onerosidade da prestação e de fatos outros decorrentes da própria prestação laboral. À medida que se afasta da aplicação da norma trabalhista, mitiga-se a proteção ao trabalhador que a motiva.

O § 1º do art. 1º, já na forma como foi remetido ao Senado Federal, diz que “o disposto nesta Lei aplica-se às empresas privadas”. As primeiras interpretações desse dispositivo procuraram dar a entender que suas normativas não se aplicariam às chamadas empresas estatais: empresas públicas e sociedades de economia mista. Parece-nos equivocada tal compreensão. A Constituição Federal é clara ao dispor, por meio do art. 173, § 1º, inciso II, que as empresas públicas, as sociedades de economia mista e suas subsidiárias se submetem “ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários”. O Decreto-Lei nº 200, de 1967, com a redação dada pelo Decreto-Lei nº 900, de 1967, devidamente recepcionado pela nova ordem jurídica, dispõe que a empresa pública e a sociedade de economia mista são dotadas de personalidade jurídica de direito privado, podendo aquela revestir-se de qualquer das formas em direito admitidas e essa, a forma de sociedade anônima (ver art. 5º, inciso II e III, do Decreto-Lei nº 200, de 1967).

Ademais, os exatos contornos da exceção são descritos no § 2º do mesmo art. 1º, assim redigido:

§ 2º As disposições desta Lei não se aplicam aos contratos de terceirização no âmbito da administração pública direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Ora, é sabido que as empresas públicas e as sociedades de economia mista não fazem parte da administração direta, tampouco se confundem com autarquias ou fundações, posto que voltadas para a intervenção do domínio econômico. Dotadas de personalidade jurídica própria, são, efetivamente, parte da administração indireta, nos termos do art. 4º do Decreto-Lei nº 200, de 1967. Assim, cremos que as prescrições do PLC nº 30 de 2015, ao contrário do que foi amplamente divulgado, aplicar-se-iam, sim, às empresas públicas e às sociedades de economia mista.

Em que pese ter o Plenário da Câmara dos Deputados afastado a referência aos arts. 593 a 609 do Código Civil, o art. 2º evidencia o propósito de fazer prevalecer, na tomada de serviços que é objeto de normatização a ideia de tratar-se de locação de serviços. Aliás, o art. 593 do Código Civil reza que “a prestação de serviço que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial reger-se-á pelas disposições deste Capítulo”. Desnecessário dizer que o escopo do projeto é exatamente afastar, de forma especial, a aplicação da legislação trabalhista em amplíssimo leque das prestações de serviços “relacionados a parcela de qualquer atividade da contratante [tomadora de serviços]”. Diferentemente do que seria um típico contrato de empreitada, no qual a matéria do acerto entre as partes seria a obrigação de dar coisa certa (locatio operis), obtendo-se, em contrapartida, um preço, nesse tipo de contratação, de que estamos a cuidar, a ênfase reside em pagar um preço, como contraprestação, pelo esforço despendido individualmente por um determinado prestador (a empresa individual, ou “trabalhador CNPJ”) ou por uma equipe de trabalhadores na consecução de um bem ou serviço (locatio operarum).

 Não obstante a ementa do projeto faça referência a uma proposição que estaria a dispor sobre os contratos de terceirização e as relações de trabalho deles decorrentes, é curioso observar, no art. 3º, inciso III, ao se conceituar a “contratada”, para fins de terceirização, que ali se prevê a prestação de serviços em nítida situação de bilateralidade, ou seja, apenas tomador e prestador de serviços, sem a presença do ente interposto entre esses termos. Reportamo-nos à menção, nesse dispositivo, das “empresas individuais”. Como se poderia, nesse caso, falar de “terceirização”, se é manifesto não se tratar de trilateralidade, mas de bilateralidade da obrigação de fazer?

A “terceirização” de prestação de serviços por meio do expediente de contratação de “empresa individual” (arts. 44, inciso VI, e 980-A, do Código Civil) e do “microempreendedor individual” (art. 18-A da Lei Complementar nº 128, de 2008), especialmente sob a forma de consultoria de serviços especializados, é abusiva. Há evidente pessoalidade na prestação do serviço, sob subordinação do prestador ao tomador de serviços, e a atividade laboral se dá, via de regra, em bases permanentes. Trata-se de sutil forma de precarização do trabalho, não caracterizada pela interposição de empresa, associações, cooperativas, sociedades ou fundações (art. 3º, inciso III do PLC nº 30, de 2015).

 Por que sutil forma de precarização? Porque não ocorreria, em princípio, uma degradação da contraprestação pecuniária (remuneração) pela efetiva prestação de serviços. Isso dependeria das próprias tratativas entre tomador e prestador de serviços. Mas, certamente, há glosa nos encargos (trabalhistas, previdenciários ou tributários) decorrentes da prestação. No caso da supressão de FGTS e INSS o prejuízo é, inequivocamente, duplo: individual e social. O trabalhador ver fugir-lhe a garantia de depósitos contra a dispensa imotivada, recursos esses que, ademais, como se sabe, uma vez não recolhidos, deixam de servir como alavanca de investimentos em setores como habitação e saneamento. A par da perda da proteção contra o desemprego, drenam-se, assim, as fontes e desacelera-se o ciclo virtuoso da geração de empregos na construção civil, proporcionado pelo FGTS, em áreas essenciais à melhoria de vida dos próprios trabalhadores. Não é demasiado recordar que foi poderoso argumento de persuasão de trabalhadores, na criação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, por meio da Lei nº 5.107, de 1966, em virtual derrogação do regime de indenização por dispensa imotivada, previsto no art. 477 e seguintes da CLT, a promessa de destinação de seus recursos a programa de habitação popular (BNH) promovido pelo regime autocrático instaurado em abril de 1964.

A risca de contribuições previdenciárias, por seu turno, implica ampliação do déficit do INSS, com interdição de reivindicações por melhores condições para a concessão de benefícios e perpetuação de aportes do erário para compensação da mitigação de ingressos (aumento da dívida pública). O mesmo pode-se dizer do impacto no não recolhimento do PIS: piora da saúde financeira do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT e, em consequência, degradação das condições de deferimento do seguro-desemprego e menores disponibilidades para o BNDES financiar atividades produtivas com a consequente geração de empregos. A rigor, todas essas desonerações militam contra a solidariedade social. E o que é pior: estimula o individualismo entre os próprios trabalhadores.

Segundo Artigo

“Art. 2º Para os fins desta Lei, considera-se:

I – terceirização: a transferência feita pela contratante, da execução de parcela de qualquer de suas atividades à contratada para que esta a realize na forma prevista nesta Lei;

II – contratante: a pessoa jurídica que celebra contrato de prestação de serviços determinados, específicos e relacionados a parcela de qualquer de suas atividades, com empresa especializada na prestação dos serviços contratados, nos locais determinados no contrato ou em seus aditivos; e

III – contratada: as associações, sociedades, fundações e empresas individuais que sejam especializadas e que prestem serviços determinados e específicos, relacionados a parcela de qualquer atividade da contratante, e que possuam qualificação técnica para a prestação do serviço contratado e capacidade econômica compatível com a sua execução.

§ 1º Podem figurar como contratante, nos termos do inciso II do caput deste artigo, o produtor rural pessoa física e o profissional liberal no exercício de sua profissão.

§ 2º Não podem figurar como contratada, nos termos do inciso III do caput deste artigo:

I – a pessoa jurídica cujo sócio ou titular seja administrador ou equiparado da contratante;

II – a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios guardem, cumulativamente, com o contratante do serviço, relação de pessoalidade, subordinação e habitualidade;

III – a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios nos últimos 12 (doze) meses tenham prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se referidos titulares ou sócios sejam aposentados.

§ 3º A contratada deverá ter objeto social único, compatível com o serviço contratado, sendo permitido mais de um objeto quando este se referir a atividades que recaiam na mesma área de especialização.

§ 4º Deve constar expressamente do contrato social da contratada a atividade exercida, em conformidade com o art. 511 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

§ 5º A qualificação técnica da contratada para a prestação do serviço contratado deverá ser demonstrada mediante:

I – a comprovação de aptidão para o desempenho de atividade pertinente e compatível com o objeto do contrato;

II – a indicação das instalações, dos equipamentos e do pessoal adequados e disponíveis para a realização do serviço;

III – a indicação da qualificação dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos, quando for o caso.

§ 6º Tratando-se de atividade para a qual a lei exija qualificação específica, a contratada deverá comprovar possuir o registro de empresa e a anotação dos profissionais legalmente habilitados, nos termos da Lei nº 6.839, de 30 de outubro de 1980.”

É interessante constatar, no art. 2º do projeto, a persistente caracterização das atividades passíveis de contratação — aí pouco importando se atividades-meio ou atividades-fim (ou atividades preponderantes, conforme § 2º do art. 581/CLT) — como sendo atividades que se realizariam por empresa “especializada” e dotada de “qualificação técnica” (art. 2º, II e III) a ser contratada pela tomadora. Note-se, além disso, a remissão que se faz, no § 6º do mesmo art. 2º, às exigências de comprovação de registro junto às entidades competentes para a fiscalização do exercício das diversas profissões, em razão da atividade básica ou em relação àquela pela qual prestem serviços a terceiros, nos termos do art. 1º da Lei nº 6.839, de 1980. Vê-se, dessa maneira, que há uma forte e indisfarçável intenção de submeter ao regime de “terceirização” trabalhadores qualificados em profissões dependentes de formação técnica específica. Iludem-se, pois, os que pensam que a prestação de serviço por trabalhadores habilitados em profissões regulamentadas estaria a salvo da precarização, ora em marcha. Os passos dessa estrada já estão traçados.

Ainda no art. 2º convém comentar o fato de se arrolarem como prestadores de serviços, ao lado das sociedades (nas quais se incluem as cooperativas de trabalho, nos termos do parágrafo único do art. 442 da CLT e do art. 2º da Lei nº 12.690, de 2012) e das empresas individuais, que possuem fins econômicos, nos termos dos arts. 44, II e VI, 980-A, caput e § 6º e 981, todos do Código Civil, outras pessoas jurídicas de direito privado que não se organizam para fins econômicos, a saber: as associações (art. 44, I e 53 do Código Civil) e as fundações (art. 44, III e 62, parágrafo único, do Código Civil). Nesse campo estariam enquadradas especialmente entidades constituídas para fins de assistência. As tomadoras de serviço poderiam valer-se desses instrumentos para ostentar em seu marketing o compromisso com a chamada “responsabilidade social” para obnubilar seus propósitos de tornar as relações de trabalho mais precárias. Ver, adiante, as anotações relativas ao art. 27.

Assim, teríamos em concorrência com empresas devidamente organizadas para atuação no mercado de locação de serviços especializados, expressamente previstos no contrato social (§ 3º do art. 2º do projeto) da empresa, entes que, a rigor, não se organizam como tal e que, por lei, como já mencionado, não podem perseguir o fim econômico. Ocorre que a proposição estipula exigências típicas de empreendedorismo para a qualificação de entidade como regular prestador de serviços, as quais se mostram inadequadas para os demais contratados listados no inciso III do art. 2º do projeto. Como falar em “contrato social” (§ 4º, art. 2º do projeto) para associações que, pela lei, se regem por estatutos (v. art. 54, Código Civil) e não por “contratos sociais” (ver art. 997 do Código Civil), sendo certo que as disposições concernentes às associações aplicam-se subsidiariamente às sociedades empresariais, e não o inverso (ver art. 44, § 2º, do Código Civil)? Em igual sentido, como fazer do estatuto de uma fundação (art. 65 do Código Civil) um contrato social típico do direito empresarial, se as fundações só podem ter fins religiosos, morais, culturais ou de assistência (art. 62, parágrafo único do Código Civil)? O projeto, portanto, neste particular, é injurídico, pois não dá conta da aporia aqui relatada.

A equiparação que faz o § 1º desse artigo às pessoas jurídicas mencionadas no inciso I do produtor rural, enquanto pessoa física e do profissional liberal, dá a entender que, doravante, esses contratariam pessoal, em relação bilateral pessoal e contínua, apenas pelo sistema de “terceirização” de empresas individuais (trabalhador-CNPJ), para, dado o porte de suas atividades, reduzir custos, transferindo encargos sociais ao contratado que lhes prestar serviços.

Terceiro Artigo

“Art. 3º A contratada é responsável pelo planejamento e pela execução dos serviços, nos termos previstos no contrato com a contratante.

§ 1º A contratada contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus empregados.

§ 2º A terceirização, ou subcontratação pela contratada, de parcela específica da execução do objeto do contrato, somente poderá ocorrer quando se tratar de serviços técnicos especializados e mediante a previsão no contrato original.

§ 3º A excepcionalidade a que se refere o § 2º deste artigo deverá ser comunicada aos sindicatos dos trabalhadores das respectivas categorias profissionais.”

O art. 3º diz que a contratada é responsável pelo “planejamento e pela execução dos serviços”, dando, pois, a entender que o trabalhador que presta serviços a ela se subordinaria. No § 1º do referido artigo isso é dito de forma explícita: “A contratada contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus empregados”.

Essa formulação, no entanto, não esconde o fato de ser a tomadora de serviços quem, efetivamente, planeja e comanda a execução dos serviços e, ao mesmo tempo, visa afastar-se das responsabilidades e riscos inerentes à atividade empreendedora (art. 2º, caput/CLT). O segredo dessa prestidigitação reside nos “termos do contrato” firmado entre a tomadora e a prestadora de serviços, a que alude o caput do art. 3º, in fine, do PLC nº 30, de 2015.

Note-se, de imediato, que esse enunciado normativo, que pretende aclarar as relações de subordinação, não se aplica, por óbvio, às empresas individuais e cooperativas de trabalho que, como dissemos antes, também estão elencadas como contratadas, nos termos do art. 2º, inciso III da proposição.

Todavia, o contratado firmado entre uma tomadora e um prestador de serviços rotulado como “empresa individual”, “cooperativa de trabalho”, “associações” ou “fundações”, não passaria de um contrato de adesão.  Os prestadores de serviços, nessas circunstâncias, ficariam a mercê das demandas da tomadora de serviços (contratante) e obrigados a cumprir metas de produção e prazos (curtos) exigidos, intensificando sua jornada de trabalho, perdendo, no entanto, a condição de assalariado e todos os direitos decorrentes. Os estatutos e regimentos das cooperativas, associações, fundações seriam “sugeridos” pela empresa contratante, que define as normas e regras de admissão, demissão, disciplina, hierarquia, remuneração e férias dos “associados”. Mantidas as exigências de disciplina e hierarquia, ainda que sob outros epítetos, adaptadas as condicionalidades de contratação e resilição (ou rescisão) contratual, substituído o conceito de remuneração pelo de preço, tudo o mais seria ajustado para os atos constitutivos da empresa individual, sob a batuta da tomadora. Ou seja, ainda que informalmente, estariam todos completamente subordinados à tomadora, com a gestão do trabalho se dando, efetivamente, pela contratante. O que se observa, mais amiúde, é, com esse expediente, a supressão, nos quadros funcionais da contratante, das funções de capatazia exercidas, até então, por profissionais conhecidos como “supervisores”, que passam, doravante, a atuar como feitores das contratadas. É curioso observar que o inciso III do § 2º do art. 2º do projeto, ao estipular quem não pode figurar como contratada, faça referência a “pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos 12 (doze) meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado, ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou sócios forem aposentados”. Ou seja, a intimidade com a cultura da contratante é sempre desejável na hora da contratação da empresa interposta ou da empresa individual ou de associações, cooperativas e fundações que arregimentem pessoas que melhor conheçam os meandros da tomadora.

Pouco importa se sob a denominação de contrato de trabalho, contrato de locação de prestação de serviços ou contrato de empreitada; pouco importa que se afirme ser a relação de trabalho um fenômeno divorciado da noção de liberdade e vontade, que são nucleares à ideia de contrato, fato é que o fenômeno que estamos a examinar se caracteriza, ao fim e ao cabo, pela prestação de serviços (qualificados, não qualificados ou combinação de ambos) a quem detém capital em maior escala e concentração, sob o comando desse detentor. O que se oberva, como fenômeno recente — concomitantemente à supressão de vantagens de quem presta serviços sobre qualquer modalidade, para disso auferir os meios indispensáveis à sua sobrevivência e à de seus familiares — é a busca do obscurecimento de quem, de fato, explora o trabalho alheio; de quem subordina a força de trabalho, dando-lhe direcionamento. Há uma diluição da figura do explorador, sem que se dissipe o tacão da exploração. A luta contra o capital que submete o trabalhador apareceria, doravante, aos olhos de todos, como uma batalha quixotesca contra moinhos de vento. O cerne da subordinação, tudo está a indicar, seria trasladado para o limbo jurídico. 

A subordinação de que falamos agora não é mais a clássica subordinação do empregado ao empregador, ressaltada pelo uso da expressão prestação de serviços sob dependência, constante do art. 3º da CLT, embora essa não tenha deixado, nem deixará de existir. Apenas se circunscreverá a um núcleo obreiro progressivamente menor.  Nesse tipo de subordinação direta realça-se o fato de o trabalhador comprometer-se a acolher o poder de direção empresarial no tocante ao modo de realização de sua prestação de serviços. O ente capitalista, que impõe o direcionamento objetivo de como deve se efetuar o trabalho, realiza um esforço de persuasão específico: a integração do prestador de serviços, em qualquer de suas modalidades, aos fins e objetivos do empreendimento, fazendo-lhe um chamamento ao compartilhamento de riscos e sucessos. Incute-lhe a necessidade de colaboração, participação, harmonização, independentemente da forma como seus serviços são prestados. Ademais, procura inserir o trabalhador na dinâmica do empreendimento, pouco importando se esse recebe ou não ordens diretas, mas sujeitando-o, estruturalmente, à sua (do tomador de serviços) dinâmica operativa.

 A economia global/informacional é organizada em torno de centros de controle e comando capazes de coordenar, inovar e gerenciar as atividades interligadas das redes de empresas coligadas, subsidiárias e fornecedores (inclusive de mão de obra), etc. Serviços avançados na área de finanças, seguros, bens imobiliários, consultorias, propaganda, projetos, marketing, etc. estão no âmago de todos os processos econômicos. A geração de conhecimentos e a fluxos de informação passam a ser essência das decisões.  São abrangentes e estão localizados em toda a geografia do planeta.Desses centrossão disparadas ordens que devem ser assimiladas e cumpridas por todos os colaboradores mundo afora.

O capital funciona globalmente como uma unidade em tempo real; e é percebido, investido e acumulado principalmente na esfera da circulação, isto é, como capital financeiro. Somos coetâneos, testemunhas oculares da emergência de algo diferente: a acumulação de capital é cada vez mais gerada nos mercados financeiros globais. A partir dessas redes, o capital é investido por todo o globo e em todos os setores de atividade: informação, negócios e mídia, serviços avançados, produção agrícola, saúde, educação, tecnologia, indústria, etc. E qualquer lucro nessas atividades é revertido para a metarrede. O mundo da ‘economia real’ é cada vez mais da ‘economia irreal’. A ‘economia irreal’, dos mercados financeiros, cada vez mais determina as economias e influencia as sociedades. Como nos diria Morpheus, o lendário comandante da embarcação Nabucodonosor em Matrix: “bem-vindo ao deserto do real”.

As célebres palavras de Engels, parafraseando Dante, ao se reportar à essência da subordinação do trabalhador no chão da fábrica, podem, nos dias atuais, se aplicar a toda a economia, em escala global: “Lasciate ogni autonomia, voi che entrate!” (Abandonai toda a autonomia, vós que entrais).

O § 2º do art. 3º reza que a terceirização ou quarteirização “somente poderá ocorrer quando se tratar de serviços técnicos especializados e mediante previsão no contrato original”. À primeira vista, já se pode constatar que há uma preocupação em reduzir os dispêndios que são, atualmente, efetuados com empregados diretamente contratados, de maior e melhor qualificação: os que prestam serviços com algum grau de especialização.  Aliás, é bom lembrar que, quando se trata de “atividades-meio” — conceito que passaria a ser irrelevante com a aprovação do projeto — a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) já autoriza, expressamente, essa forma de locação de serviços, desde que “inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta” (Item III da Súmula nº 331/TST). Isso não significa dizer que as atividades de baixa qualificação estariam, em sentido contrário, submetidas, sem exceção, à contratação direta. Na verdade, consideradas as hipóteses de interposição já autorizadas (trabalho temporário — que pode se estender por nove meses —, vigilância, limpeza e conservação) e as atividades que são terceirizadas por sistema de empreitada, muitas das funções não qualificadas — quiçá a ampla maioria delas — já estariam submetidas à terceirização.

O § 3º do art. 3º assegura aos sindicatos dos trabalhadores das respectivas categorias profissionais a informação da intenção do prestador de serviços de “quarteirizar” parcela de qualquer de suas atividades. Para que se possa aquilatar a suavidade desse comando, tão aplaudido por certos setores do sindicalismo, quando da votação da matéria na Câmara dos Deputados, vale registrar que o Tribunal Federal do Trabalho da Alemanha (Bundesarbeitsgericht-BAG) decidiu, em 2013, que os conselhos de empresa (Betriebsräter), regidos pela Lei de Constituição de Empresas (Betriebsverfassungsgesetz), de 1972, ou pela Lei de Cogestão (Mitbestimmungsgesetz) de 1976, possuem o direito de veto em relação ao propósito do empregador de terceirizar atividades permanentes de seu empreendimento.

 No Brasil, há apenas uma esparsa referência, no art. 11 da Constituição Federal, à garantia de “eleição de um representante dos empregados com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores”. Desnecessário dizer que a eficácia desse dispositivo é praticamente nula. Enquanto isso, na Alemanha, a eleição de um único representante dos empregados deve ocorrer em empresas com até cinco empregados; para empresas com mais de duzentos empregados e menos de quatrocentos empregados, nove empregados representam os trabalhadores daquele empreendimento. Esse número chega a trinta e cinco conselheiros, se a empresa possui entre sete mil e nove mil empregados, agregando-se à representação outros dois novos membros para cada grupo de três mil empregados excedentes a nove mil.

Quarto Artigo

“Art. 4º É lícito o contrato de terceirização relacionado a parcela de qualquer atividade da contratante que obedeça aos requisitos previstos nesta Lei, não se configurando vínculo de emprego entre a contratante e os empregados da contratada, exceto se verificados os requisitos previstos nos arts. 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

§ 1º Configurados os elementos da relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada, a contratante ficará sujeita a todas as obrigações dela decorrentes, inclusive trabalhistas, tributárias e previdenciárias.

§ 2º A exceção prevista no caput deste artigo, no que se refere à formação de vínculo empregatício, não se aplica quando a contratante for empresa pública ou sociedade de economia mista, bem como suas subsidiárias e controladas, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 3º É vedada a intermediação de mão de obra, salvo as exceções previstas em legislação específica.”

O art. 4º é, sem dúvida, o mais polêmico da proposição. Põe por terra os limites fixados para a terceirização, nos termos da Súmula nº 331, do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Poder-se-ia, com a vigência dessa proposta de lei, chegar ao paroxismo de se tornar a mão de obra contratada diretamente pela tomadora de serviços uma ínfima minoria do conjunto daqueles que prestam serviços em suas dependências. Hoje em dia, menos de quinze por cento dos trabalhadores que laboram nas instalações da fábrica de caminhões MAN/VW, o paradigma da terceirização “moderna” no Brasil, são fichados diretamente pela empresa e a tendência é decrescente. Até mesmo aquelas operações que se definiam como inerentes ao foco da atividade-fim, o core business da empresa — engenharia do produto, garantia de processo e da qualidade (buy off), marketing, vendas e assistência técnica — já estão sendo objeto de terceirização naquela empresa.

A teor do art. 4º, suprimir-se-ia, de vez, todo o lusco-fusco que ainda há a estabelecer uma dicotomia entre atividade-meio e atividade-fim no seio de um empreendimento. Com a radicalização na terceirização, nos termos desse artigo, deixaria de existir a “atividade preponderante de uma empresa”, ou sua atividade-fim, assim entendida a que caracterizar a unidade de produto, operação ou objetivo final, para cuja obtenção todas as demais atividades convirjam, exclusivamente, em regime de conexão funcional” (art. 581, § 2º, CLT).

 A atividade preponderante (ou atividade-fim) norteia a definição do ramo de atividade empresarial. Não se trata de questão de somenos importância: trata-se de definição essencial para que possam ser firmadas convenções e acordos coletivos de trabalho ou prolatadas sentenças normativas. Esses instrumentos normativos pressupõem, como partes, entidades representativas de categorias econômicas e profissionais, conforme estabelecem o art. 611 e o art. 857 da CLT. A rigor, com a terceirização irrestrita, deixaria de fazer sentido o enquadramento de qualquer empresa em determinada categoria econômica, para fins de entabulação de contratos coletivos de trabalho ou instauração de dissídios coletivos. Como se sabe, o sistema de normatização de condições de trabalho, para além das normas legais trabalhistas de tutela individual, é erigido sob os alicerces da “solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas, [que] constitui o vínculo social básico do que se denomina categoria econômica” (art. 551, § 1º, CLT). A essa categoria, simetricamente, se antepõe a “categoria profissional”, composta pela expressão social elementar da “similitude de condições de vida oriunda da profissão ou do trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas” (art. 551, § 2º, CLT). Generalizada a terceirização, anarquiza-se esse modelo de representação de empresas e trabalhadores. Podem até persistir, formalmente, sindicatos patronais de ramos de atividades e sindicatos de trabalhadores, correspondentes às categorias profissionais simétricas àqueles. Esses, porém restariam esvaziados em suas bases de representação, pelo efetivo enxugamento da categoria, e, portanto, desprovidos de pressão bastante para lograr êxito em negociações coletivas.

  A contratação a que se refere o art. 4º, com a redação final que lhe foi dada, acabou por situar o fenômeno da relação de trabalho numa zona cinzenta entre a prestação de serviços (art. 593 e seguintes, Código Civil) e a empreitada de lavor (art. 610, Código Civil). A diferença parece residir no fornecimento (empreitada de lavor) ou não (prestação de serviços) pelo contratante dos meios (insumos, instalações, maquinário, etc.) para que o contratado possa operar. Em todo caso, evidencia-se a inexigência, pelo tomador, da pessoalidade de quem lhe presta serviços (ver art. 4º, caput, in fine e § 1º do projeto). O ônus da produtividade, da qualificação e da responsabilidade técnica pela execução dos serviços passa a ser da contratada (prestadora de serviços). Nesse sistema, os riscos do tomador são significativamente mitigados. Considerados insatisfatórios os desempenhos das turmas postas à disposição do tomador, rescinde-se o contrato e acorda-se nova prestação de serviços com outra contratada. Dilui-se a pessoalidade e incrementa-se a descontinuidade como elementos da obrigação laboral. Entretanto, para alguns tipos de serviço, os imperativos antagônicos de incremento de produtividade com qualidade, pelo tomador de serviços, e de redução de custos operacionais do prestador de serviços objetivos impedem o bom desdobramento da relação de parceria. Mas, como dissemos, na era da flexibilidade total, se os serviços prestados, em seu conjunto, não são satisfatórios, a tomadora simplesmente rompe o contrato e ajusta-se com nova prestadora.

            A ênfase nessa modalidade de terceirização nos fornece uma ideia da dinâmica empresarial hoje dominante na sociedade brasileira.  O empresariado brasileiro encontra nisso um modus operandi mais adequado à estratégia de desenvolvimento associado por subordinação à integração na economia global. A prioridade é a redução de custos, deixando para um segundo plano as ideias de qualidade, de modernização empresarial, para o qual a generalização de contratos de empreitada se parece mais apropriada, mas da qual não cuida a proposição.

O § 2º do art. 4º diz que, verificada a existência de pessoalidade e subordinação direta na relação entre tomadora e o trabalhador que lhe presta serviços por empresa interposta, não será bastante para caracterizar a configuração de vínculo de emprego entre a contratante e os empregados da contratada, quando a contratante for empresa pública ou sociedade de economia mista. Aqui o texto está a repisar o disposto no inciso II da Súmula nº 331, do Tribunal Superior do Trabalho, segundo o qual “a contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, CF/1988)”.

 

O § 3º do art. 4º, por seu turno, busca impedir o uso de contratação de mão de obra pelo expediente de closed shop, pelo qual o empregador ficaria obrigado a regimentar pessoal apenas dentre os quadros registrados em sindicato profissional ou agência de gestão de mão de obra oficialmente autorizada. A ressalva constante da parte final do dispositivo dá a entender estarem mantidas as intermediações de trabalho avulso, na forma da legislação vigente que cuida da intermediação desse tipo de prestação de serviços, de natureza eventual.

Quinto Artigo

“Art. 5º Além das cláusulas inerentes a qualquer contrato, devem constar do contrato de terceirização:

I – a especificação do serviço a ser prestado e do objeto social da contratada;

II – o local e o prazo para realização do serviço, quando for o caso;

III – a exigência de prestação de garantia, pela contratada, em valor correspondente a 4% (quatro por cento) do valor do contrato, limitada a 50% (cinquenta por cento) do valor equivalente a 1 (um) mês de faturamento do contrato em que ela será prestada;

IV – a obrigatoriedade de fiscalização, pela contratante, do cumprimento das obrigações trabalhistas decorrentes do contrato, na forma do art. 15 desta Lei;

V – a possibilidade de interrupção do pagamento dos serviços contratados, por parte da contratante, se for constatado o inadimplemento das obrigações trabalhistas e previdenciárias pela contratada; e

VI – a possibilidade de retenção, em conta específica, das verbas necessárias ao adimplemento das obrigações referidas no art. 15 desta Lei.

§ 1º Para contratos nos quais o valor de mão de obra seja igual ou superior a 50% (cinquenta por cento) do total, a garantia a que se refere o inciso III do caput deste artigo será correspondente a 4% (quatro por cento) do valor do contrato, limitada a 130% (cento e trinta por cento) do valor equivalente a 1 (um) mês de faturamento do contrato em que ela será prestada.

§ 2º Para atendimento da exigência de prestação de garantia, a que se refere o inciso III do caput deste artigo, cabe à contratada optar por uma das seguintes modalidades:

I – caução em dinheiro;

II – seguro-garantia;

III – fiança bancária.

§ 3º É nula de pleno direito cláusula que proíba ou imponha condição à contratação, pela contratante, de empregado da contratada.”

Aparentemente, seria intenção do art. 5º oferecer garantias contra a precarização do trabalho. Essas condicionalidades, todavia, só poderiam ser exigidas de empresas que se constituíssem tendo como objeto social a prestação de serviços a terceiros. Como dissemos antes, o art. 2º, inciso III, no entanto, oferece amplo leque de possibilidades de ajuste de “terceirização” de serviços com contratadas, nas quais não há que falar em adimplemento de obrigações trabalhistas ou previdenciárias, pela simples e só inaplicabilidade do conceito “encargos sociais”. Que sentido haveria em falar de retenções a título de garantia de cumprimento de obrigações previdenciárias quando se contrata uma empresa individual para prestação de serviços? Que sentido haveria em exigir cauções, seguros ou apresentação de fianças de uma cooperativa de trabalho para o cumprimento de obrigações trabalhistas entre elas e seus associados, se entre eles não se formam vínculos empregatícios, nos termos do parágrafo único do art. 442, da CLT? A conservação de recursos a esses títulos, pelo tomador de serviços, frente a empresas individuais e cooperativas de trabalho seria abusiva. Em sentido contrário, inexistindo no contrato qualquer estipulação a respeito — como deve ser — fica evidente a transferência de ônus de seguridade ou custos trabalhistas para o trabalhador/empreendedor “pejotizado” ou para os cooperativados.

O § 3º deste artigo reforça a impessoalidade na contratação de pessoal “terceirizado”.

Sexto Artigo

“Art. 6º Na celebração do contrato de terceirização de que trata esta Lei, a contratada deve apresentar:

I – contrato social atualizado, com capital social integralizado, considerado, pela empresa contratante, compatível com a execução do serviço;

II – inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ); e

III – registro na Junta Comercial.”

Por extensão, aplicam-se ao art. 6º as considerações já expendidas em relação ao art. 5º. As diretrizes ali estipuladas como condições para a contratação, só são cabíveis em relação a uma das espécies de contratadas: as empresas de prestação de serviços a terceiros.

Sétimo Artigo

“Art. 7º – A contratante deverá informar ao sindicato da correspondente categoria profissional o setor ou setores envolvidos no contrato de prestação de serviços terceirizados, no prazo de 10 (dez) dias a contar da celebração do contrato.”

Repetem-se aqui as objeções já suscitadas quando do exame do § 3º do art. 3º do projeto. Razoável seria que a terceirização de parcelas de atividades da contratante pudesse ser objeto de negociação coletiva e assinatura de acordo entre a empresa e o sindicato. Não é o caso. Reiteramos, ademais, a denúncia de não existir no Brasil nenhum mecanismo de representação dos trabalhadores no local de trabalho que poderia, como sói acontecer na Alemanha, apor veto ou restrições à celebração de contrato de prestação de serviços terceirizados.

Oitavo Artigo

“Art. 8º – Quando o contrato de prestação de serviços especializados a terceiros se der entre empresas que pertençam à mesma categoria econômica, os empregados da contratada envolvidos no contrato serão representados pelo mesmo sindicato que representa os empregados da contratante, na forma do art. 511 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.”

A eficácia desse dispositivo seria bastante tênue. A extensão da representação só é viável quando se instaura a terceirização por empreitada global ou integral em que a ênfase reside na  obrigação de dar coisa certa (locatio operis) e não no esforço despendido por uma equipe de trabalhadores na consecução de um bem ou serviço. Essa terceirização é a que se verifica na aplicação do modelo toyotista, no qual, efetivamente, engajam-se fornecedores aptos a produzir um bem; quando, no contrato de empreitada, o desiderato é a “obra” propriamente. Do empreiteiro contratado exigir-se-ia a entrega de um determinado produto, na forma (qualidade total) e tempo aprazados (just in time). Ocorre que esse não é o objeto da proposição. Como já expressamos, o projeto de lei em epígrafe cuida somente do fenômeno da relação de trabalho que se situaria numa zona cinzenta entre a prestação de serviços (art. 593 e seguintes, Código Civil) e a empreitada de lavor (art. 610, Código Civil).

Nessas circunstâncias, prevaleceria, como aspecto central dessa prática de locação de serviços, a descaracterização do trabalhador contratado por empresa interposta como pertencente à categoria profissional simétrica à categoria econômica do tomador de serviços. Não poucas vezes trabalhadores na indústria do petróleo, da energia elétrica, do ramo metalúrgico, da atividade bancária e outras seriam tidos e havidos, por exemplo, como trabalhadores da categoria profissional dos trabalhadores em “empresas de assessoria, pesquisa, perícias, informações e congêneres”, reduzindo-se, dessa maneira, o campo de incidência, entre os trabalhadores que prestam serviço à tomadora, das vantagens firmadas em acordo ou convenção coletiva de trabalho aplicável aos que se integram à “atividade-fim”, ou “atividade preponderante”, nos termos do art. 581, § 2º, da CLT.

Demais, como o foco preconizado é a “parcela de atividade especializada”, para a qual se exigiria “qualificação técnica” (v. art. 2º, II, III, §§ 2º, 4º, 5º e 6º; e art. 3º, § 2º do projeto) muitas vezes a prestação de serviços recairia sobre trabalhadores integrantes de categoria profissional diferenciada, assim entendida aquela “que se forma dos empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em consequência de condições de vida singulares” (art. 511, § 3º, da CLT). Pouco aplicável seria, pois, o que dispõe o art. 8º, ora sob exame.

Nono Artigo

“Art. 9º Os contratos relativos a serviços continuados podem prever que os valores provisionados para o pagamento de obrigações de natureza trabalhista e previdenciária dos trabalhadores que tenham sua atividade integralmente voltada para a execução do serviço contratado sejam depositados, pela contratante, em conta vinculada aberta no nome da contratada e em face do contrato, que somente poderá ser movimentada por ordem da contratante.

Parágrafo único. Entende-se por serviços continuados, para os fins deste artigo, aqueles cuja necessidade de contratação estenda-se por mais de um exercício financeiro e com continuidade.”

O dispositivo em apreço prevê a possibilidade de abertura de conta, pela contratante, de conta vinculada em nome de empresa contratada para a prestação de serviços, a ser provida com recursos dados em garantia para pagamento de obrigações de natureza trabalhista e previdenciária, quiçá com o intuito de remunerar tais ativos financeiros, enquanto retidos. Aplicam-se, neste caso, as mesmas objeções sobre o alcance do enunciado normativo, expendidas quando da análise de dispositivos anteriores, ocasião em que se deixou patente a possibilidade de contratação de outras formas de “terceirização” que dispensam encargos trabalhistas e previdenciários.

Décimo Artigo

“Art. 10.  Para fins de liberação da garantia de que tratam o inciso III do caput do art. 5º desta Lei, a contratada deverá comprovar à contratante a quitação das obrigações previdenciárias e das trabalhistas relativas aos empregados da contratada que tenham participado da execução dos serviços contratados.

§ 1º A garantia terá validade por até 90 (noventa) dias após o encerramento do contrato, para fins de quitação de obrigações trabalhistas e previdenciárias.

§ 2º Para contratos nos quais o valor de mão de obra seja igual ou superior a 50% (cinquenta por cento) do total, a garantia terá validade de até 90 (noventa) dias após o encerramento do contrato.”

Novamente se reiteram, neste passo, as críticas ao projeto formuladas quando do exame dos arts. 1º, 2º, 3º, 5º, 6º e 9º da proposição. O procedimento descrito nesse dispositivo só faz sentido quando a contratada é empresa constituída para a prestação de serviços terceirizados.

Décimo-Primeiro Artigo

“Art. 11. É vedada à contratante a utilização dos empregados da contratada em atividades diferentes daquelas que são objeto do contrato.”

Aparentemente, o dispositivo em apreço viria em reforço a comandos celetistas que asseguram sejam as relações contratuais de trabalho “objeto de livre estipulação das partes interessadas” (art. 444/CLT) e passíveis de alteração apenas por “mútuo consentimento e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado” (art. 468/CLT). Nada obsta, porém que, no ajuste entre a contratada e a contratante, sejam estipuladas funções em largo espectro a serem desempenhadas pelo trabalhador, a ensejar verdadeira multifuncionalidade na sua prestação de serviços, não lhe restando espaço para o exercício da prerrogativa de livre pactuação.

Décimo-Segundo Artigo

“Art. 12. São asseguradas aos empregados da contratada, quando e enquanto os serviços forem executados nas dependências da contratante ou em local por ela designado as mesmas condições:

I – relativas a:

a) alimentação garantida aos empregados da contratante, quando oferecida em refeitórios;

b) direito de utilizar os serviços de transporte;

c) atendimento médico ou ambulatorial existente nas dependências da contratante ou local por ela designado;

d) treinamento adequado, fornecido pela contratada, quando a atividade o exigir;

II – sanitárias, de medidas de proteção à saúde e segurança no trabalho e de instalações adequadas à prestação do serviço.

Parágrafo único. Nos contratos que impliquem mobilização de empregados da contratada em número igual ou superior a 20% (vinte por cento) dos empregados da contratante, esta poderá disponibilizar aos empregados da contratada os serviços de alimentação e atendimento ambulatorial em outros locais apropriados e com igual padrão de atendimento, com vistas a manter o pleno funcionamento dos serviços existentes.”

A observância do disposto nesse artigo seria, no dizer do genial Nelson Rodrigues, o “óbvio ululante”. Seu mote: assegurar a todos os trabalhadores em labor no mesmo local de trabalho as mesmas condições de alimentação, transporte, assistência médica ou ambulatorial, sem prejuízo de treinamento adequado quando a atividade exigir e da oferta de iguais condições sanitárias, de medidas de proteção à saúde e à segurança do trabalho e instalações apropriadas. O pecado, como se sabe, está sempre no detalhe: neste caso, no parágrafo único, pelo qual, havendo mobilização de trabalhadores, por terceirização, em número igual ou superior a 20% (vinte por cento) dos empregados da contratante, “esta poderá disponibilizar aos empregados da contratada os serviços de alimentação e atendimento ambulatorial em outros locais apropriados e com igual padrão de atendimento, com vistas a manter o pleno funcionamento dos serviços existentes”. É claro que, com um objetivo legiferante de se radicalizar na terceirização, o valor-referência fixado (20% do quadro funcional da contratante) seria amplamente superado.

A discriminação é evidente: iguais, porém separados. O que se busca é evitar o contato direto, especialmente nos intervalos para refeição, entre os trabalhadores diretamente contratados e os prestadores de serviço por empresa interposta. Nada muito diferente da velha e ignominiosa teoria jurídica consagrada pela Suprema Corte dos EUA, em 1896 (caso Plessy versus Fergusson), permitindo que concessionários de ônibus separassem os passageiros com assentos para brancos e outros para negros: “iguais, porém separados” (equal but separate). Como se sabe, essa jurisprudência só foi revista em 1954, a partir da decisão Brown versus Board of Education. O propósito discriminatório, no art. 12, deve ser rechaçado, pois a Constituição estabelece como um dos objetivos fundamentais da República o repúdio a “quaisquer formas de discriminação” (art. 3º, IV, CF).

Décimo-Terceiro Artigo

“Art. 13. A contratante deve garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos empregados da contratada, enquanto estes estiverem a seu serviço em suas dependências ou em local por ela designado.

Parágrafo único. A contratante deve comunicar, à contratada e ao sindicato representativo da categoria profissional do trabalhador, todo acidente ocorrido  em suas dependências ou em local por ela designado, quando a vítima for trabalhador que participe direta ou indiretamente da execução do serviço objeto do contrato.”

O caput desse dispositivo repete o que consta do inciso II do artigo anterior. Quanto ao parágrafo único, a ele se aplicam as considerações expendidas por ocasião do exame dos arts. 3º e 7º do projeto.

Décimo-Quarto Artigo

“Art. 14. Na hipótese de contratação sucessiva para a prestação dos mesmos serviços terceirizados, com admissão de empregados da antiga contratada, a nova contratada deve assegurar a manutenção do salário e demais direitos previstos no contrato anterior.

§ 1º Para os empregados de que trata este artigo, o período concessivo das férias deve coincidir com os últimos 6 (seis) meses do período aquisitivo, não se aplicando o caput do art. 134 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

§ 2º Havendo a rescisão do contrato de trabalho antes de completado o período aquisitivo, a compensação devida será feita no momento da quitação das verbas rescisórias, observado o disposto no § 5º do art. 477 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

§ 3º É vedada a redução do percentual da multa prevista no art. 18, § 1º, da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, na rescisão contratual dos empregados de que trata este artigo.”

Esse dispositivo é a confissão cabal daquilo que já havíamos denunciado quando examinamos o art. 4º do projeto. O que se pretende, a título de modernização de relações de trabalho, é generalizar a prática de locação de serviços, com significativa rotação de equipes, em se verificando que a produção esteja a se dar em patamares inferiores às metas programadas. O ônus da produtividade, da qualificação e da responsabilidade técnica pela execução dos serviços passa a ser da contratada (prestadora de serviços) — conferir art. 12, inciso I, alínea “d”, do projeto. Nesse sistema, os riscos do tomador são significativamente reduzidos. Considerados insatisfatórios os desempenhos das turmas postas à disposição do tomador, rescinde-se o contrato e acorda-se nova prestação de serviços com outra contratada, que pode absorver, para formação de nova equipe, aqui e acolá, pessoal remanescente da antiga prestadora, para que não ocorra solução de continuidade ou perda do ritmo de produção. O curioso, na hipótese de absorção de trabalhadores da contratada anterior, é que se leva em conta a pessoalidade, posto que, a despeito do reforço ao trabalho de equipes, para fins de manutenção ou não do contrato, não deixe de ser considerada a nomeada de pessoa certa; e, igualmente, prestigia-se continuidade como elementos da obrigação laboral. Apesar disso, não se reconhece vínculo direto com a tomadora de serviços. É, de fato, o crepúsculo do Direito do Trabalho. Voltamos a frisar, a título de advertência: para alguns tipos de serviço, os imperativos antagônicos de incremento de produtividade com qualidade, pelo tomador de serviços, e de redução de custos operacionais do prestador de serviços objetivos impedem o bom desdobramento da relação de parceria, por maior que seja a obsessão pela flexibilidade total da mão de obra.

A exigência de que o trabalhador proveniente da prestadora anterior goze férias antes de concluído o período aquisitivo (§ 1º) evidencia a alta rotatividade no setor, pois, é comum o trabalhador ter de migrar para uma nova contratada antes de adquirir o direito de férias, após um ano de trabalho. “Pulando de galho em galho”, ou seja, de prestadora em prestadora de serviços, o trabalhador acaba por ficar longos períodos sem gozar férias, razão pela qual o § 2º  desse artigo prevê a compensação de “férias proporcionais” em indenização, nos termos do art. 477 da CLT.

            O § 3º desse artigo, por seu turno, é absolutamente despiciendo, por se tratar de garantia constitucional já assegurada ao trabalhador por meio do art. 10, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Nesse sentido, o dispositivo é como “chover no molhado”.

Décimo-Quinto Artigo

“Art. 15. A responsabilidade da contratante em relação às obrigações trabalhistas e previdenciárias devidas pela contratada é solidária em relação às obrigações previstas nos incisos I a VI do art. 16 desta Lei.

Parágrafo Único. Na hipótese de subcontratação de parcela específica da execução dos serviços objeto do contrato, na forma do § 2º do art. 3º desta Lei, aplica-se o disposto no caput deste artigo cumulativamente à contratante no contrato principal e àquela que subcontratou os serviços.”

A redação final dada à proposição tem sido anunciada como um avanço em relação ao texto original do projeto que falava em responsabilidade subsidiária. De fato, é. Entretanto, como já tivemos oportunidade de assinalar em outras passagens, o alcance da medida, ainda que merecedora de encômios, seria limitado, frente às possibilidades de contratação de prestação de serviços, nos termos do inciso II do art. 3º, nas quais não se cogita de encargos trabalhistas e previdenciários.

Décimo-Sexto Artigo

“Art. 16. A contratante deve exigir mensalmente da contratada a comprovação do cumprimento das seguintes obrigações relacionadas aos empregados desta, que efetivamente participem da execução dos serviços terceirizados, durante o período e nos limites da execução dos serviços contratados:

I – pagamento de salários, adicionais, horas extras, repouso semanal remunerado e décimo terceiro salário;

II – concessão de férias remuneradas e pagamento do respectivo adicional;

III – concessão do vale-transporte, quando for devido;

IV – depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);

V – pagamento de obrigações trabalhistas e previdenciárias dos empregados dispensados até a data da extinção do contrato de terceirização;

VI – recolhimento de obrigações previdenciárias.

§ 1º Caso não seja comprovado o cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias a que se refere o caput deste artigo, a contratante comunicará o fato à contratada e reterá o pagamento da fatura mensal, em valor proporcional ao inadimplemento, até que a situação seja regularizada.

§ 2º Na hipótese prevista no § 1º deste artigo, a contratante deve efetuar diretamente o pagamento dos salários, os recolhimentos fiscais e previdenciários e o depósito do FGTS.

 § 3º Os valores depositados na conta de que trata o art. 9º desta Lei poderão ser utilizados pela contratante para o pagamento direto das verbas de natureza trabalhista e previdenciária.

§ 4º O sindicato representante da categoria do trabalhador deve ser notificado pela contratante para acompanhar o pagamento das verbas referidas nos §§ 2º e 3º deste artigo.

§ 5º Os pagamentos previstos nos §§ 2º e 3º deste artigo não configuram vínculo empregatício entre a contratante e os empregados da contratada.”

O presente artigo é consectário natural do anterior. Se a tomadora é considerada solidariamente responsável com a prestadora de serviços, dispõe da prerrogativa de monitorar o regular cumprimento das obrigações decorrentes da relação de trabalho. Remanescem, todavia, as críticas ante o restrito alcance do instituto da responsabilidade solidária e, por extensão, da “fiscalização” a que alude o art. 16.

Décimo-Sétimo Artigo

“Art. 17. Ficam mantidas as retenções na fonte previstas no art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, e nos arts. 7º e 8º da Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011.

§ 1º Nos contratos de terceirização não abarcados pela legislação prevista no caput deste artigo, fica a contratante obrigada a reter o equivalente a 20% (vinte por cento) da folha de salários da contratada, que, para tanto, deverá informar até o 5º (quinto) dia útil do mês o montante total de sua folha de salários referente ao serviço prestado à contratada no mês anterior.

§ 2º A contratante deverá recolher em nome da empresa contratada a importância retida até o dia 20 (vinte) do mês subsequente ao da emissão da respectiva nota fiscal ou fatura, ou até o dia útil imediatamente anterior se não houver expediente bancário naquele dia.

§ 3º O valor retido de que tratam o caput e o §1º deste artigo, que deverá ser destacado na nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, poderá ser compensado por qualquer estabelecimento da empresa contratada, por ocasião do recolhimento das contribuições destinadas à Seguridade Social.

§ 4º Na impossibilidade de haver compensação integral no mês da retenção, o saldo remanescente poderá ser objeto de compensação nos meses subsequentes ou de pedido de restituição.

§ 5º Na ausência de retenção ou na retenção a menor do que o valor devido, ficará a contratante solidariamente responsável pelo pagamento integral da contribuição previdenciária devida pela contratada sobre a folha de salários dos empregados envolvidos na execução do contrato.”

Esse artigo evidencia o quão inútil é o artigo anterior, no que diz respeito à “fiscalização”, pela tomadora, do recolhimento das contribuições previdenciárias pela prestadora de serviços, na medida em que se reafirma a obrigações de retenções e recolhimentos serem feitos pela própria tomadora, inclusive nas hipóteses não contempladas pela legislação citada, nos termos do § 1º.

Décimo-Oitavo Artigo

“Art. 18. A empresa contratante de serviços executados nos termos desta Lei deverá reter, sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviço, a título de:

I – imposto de renda na fonte, a alíquota de 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento), ou alíquota menor prevista no art. 55 da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988;

II – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, a alíquota de 1% (um por centro);

III – contribuição para o PIS/PASEP, a alíquota de 0,65% (sessenta e cinco centésimos por cento); e

IV – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS, a alíquota de 3% (três por cento).

§ 1º As alíquotas de 0,65% (sessenta e cinco centésimos por cento) e 3% (três por cento) aplicam-se inclusive na hipótese de a prestadora do serviço enquadrar-se no regime de não cumulatividade na cobrança da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins.

§2º No caso de pessoa jurídica beneficiária de isenção, na forma da legislação específica, de uma ou mais das contribuições de que trata este artigo, a retenção dar-se-á mediante aplicação da alíquota específica correspondente às contribuições não alcançadas pela isenção.

§3º Os valores retidos no mês deverão ser recolhidos ao Tesouro Nacional pela pessoa jurídica que efetuar a retenção ou, de forma centralizada, pelo estabelecimento matriz da pessoa jurídica, até o último dia útil do segundo decêndio do mês subsequente àquele mês em que tiver ocorrido o pagamento ou crédito à pessoa jurídica prestadora do serviço.

§4º Os valores retidos na forma do caput deste artigo serão considerados como antecipação do que for devido pelo contribuinte que sofreu a retenção, em relação ao imposto de renda e às respectivas contribuições.

§5º Na impossibilidade haver compensação integral, no mês, pela contratada, o saldo poderá ser compensado com os recolhimentos dos tributos nos meses subsequentes ou se objeto de pedido de restituição.”

O dispositivo em apreço cuida de retenções outras que devem ser promovidas pela tomadora de serviços ora contratante. Regulam-se, aqui, retenções de natureza tributária que teriam por base de cálculo o valor bruto da nota fiscal ou da fatura de prestação de serviços. As retenções do inciso I em nada inovam em relação ao disposto nos arts. 647 e 649 do Regulamento do Imposto de Renda, aprovado pelo Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999. O mesmo sucede em relação aos incisos II, III e IV vis-à-vis o disposto no art. 31 da Lei nº 10.833, de 2003.

Décimo-Nono Artigo

“Art. 19. A retenção de má-fé do pagamento devido pela contratante à contratada caracteriza-se como apropriação indébita, na forma do art. 168 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal.”

            “Quod abundat non nocet”, reza o velho brocardo jurídico: o que abunda não prejudica. Parece-nos que o art. 168 do Código Penal, que tipifica o delito mencionado no art. 19 do projeto como “apropriar-se de coisa alheia móvel de que tem posse ou detenção”, seria, por si só, bastante para caracterizar como indevidas, ilegais, criminosas, aquelas retenções que extrapolam o rol das autorizadas pela própria proposição ora sob exame.

Vigésimo Artigo

“Art. 20. As exigências de especialização e de objeto social único, previstas no art. 2º desta Lei, não se aplicam às atividades de prestação de serviços realizadas por correspondentes contratados por instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, nos termos da regulamentação do Conselho Monetário Nacional – CMN, enquanto não for editada lei específica acerca da matéria.”

Dos chamados “correspondentes bancários” cuida esse artigo. Trata-se de empresas contratadas por instituições financeiras e demais instituições autorizadas pelo Banco Central para a prestação de serviços de atendimento aos clientes e usuários dessas instituições. Os mais conhecidos, dentre eles, são as casas lotéricas e o banco postal e outras formas de “lojas de conveniência bancária”. De acordo com as normas do Conselho Monetário Nacional (Resolução CMN nº 3.954, de 2011, com alterações posteriores) não é necessário obter autorização do Banco Central para operar como correspondente bancário. O banco contratante deve apenas comunicar ao BC a contratação do correspondente. Para que se possa avaliar como já está avançado o estágio de “terceirização” de atividade-fim no setor bancário, listamos aqui as atividades tipicamente bancárias já delegadas a correspondentes bancários: 

  1. recepção e encaminhamento de propostas de abertura de contas de depósitos à vista, a prazo e de poupança mantidas pela instituição contratante;
  2. realização de recebimentos, pagamentos e transferências eletrônicas visando à movimentação de contas de depósitos de titularidade de clientes mantidas pela instituição contratante;
  3. recebimentos e pagamentos de qualquer natureza, e outras atividades decorrentes de contratos e convênios de prestação de serviços mantidos pela instituição contratante com terceiros (água, luz, telefone, etc);
  4. execução ativa e passiva de ordens de pagamento cursadas por intermédio da instituição contratante por solicitação de clientes e usuários;
  5. recepção e encaminhamento de propostas referentes a operações de crédito e de arrendamento mercantil de concessão da instituição contratante;
  6. recebimentos e pagamentos relacionados a letras de câmbio de aceite da instituição contratante;
  7. recepção e encaminhamento de propostas de fornecimento de cartões de crédito de responsabilidade da instituição contratante;
  8. serviços complementares de coleta de informações cadastrais e de documentação, bem como controle e processamento de dados;
  9. realização de operações de câmbio de responsabilidade da instituição contratante.

Vigésimo-Primeiro Artigo

“Art. 21. O disposto nesta Lei não se aplica à relação de trabalho doméstico e às Guardas Portuárias vinculadas às Administrações Portuárias.”

A relação de trabalho doméstico é objeto de ação legiferante específica, nos termos  da Emenda Constitucional nº 72, de 2013: o Substitutivo da Câmara dos Deputados a Projeto de Lei do Senado nº 5, de 2015 (Projeto de Lei do Senado nº 224, de 2013, da Comissão Mista de Consolidação da Legislação Federal e Regulamentação de Dispositivos da Constituição Federal, ora submetido à consideração da Presidência da República).

O trabalho do guarda portuário, por seu turno, (que não se confunde com a categoria do vigilante de embarcação, atividade descrita no inciso V do art. 40 da Lei nº 12.815, de 2013 como “fiscalização da entrada e saída de pessoas a bordo das embarcações atracadas ou fundeadas ao largo, bem como da movimentação de mercadorias nos portalós, rampas, porões, conveses, plataformas e em outros locais da embarcação”) deve, de acordo com o art. 17, § 1º, inciso XV, também da Lei nº 12.815, de 2013, ser regulamentado pelo poder concedente de portos.

A Guarda Portuária, instituição já centenária, é responsável pela segurança geral das instalações portuárias, questão que, a cada dia, crescente em importância, em face de imperativos por maior eficácia no combate ao tráfico de entorpecentes e ao terrorismo. Enquanto não se levou a efeito tal regulamentação, houve quem entendesse ser legítima a terceirização, ante o disposto na Lei nº 7.102, de 1983, com as alterações da Lei nº 8.863, de 1994, que cuida a prestação de serviços por interposição de empresas na área de vigilância. Com a edição da Portaria nº 350, da Secretaria Especial de Portos, de 1º de outubro de 2014, à guisa de regulamentação do art. 17, § 1º, inciso XV, da Lei nº 12.815, de 2013,  ficou assentado que “a administração do porto, na qualidade de autoridade portuária, deverá estabelecer, na sua estrutura organizacional, diretamente subordinada ao seu dirigente máximo, unidade administrativa encarregada de organizar, gerenciar e supervisionar os serviços de segurança portuária.

Ocorre que, nos termos do art. 17, caput, da Lei nº 12.815, de 2013, a administração do porto organizado (porto público) pode ser exercida diretamente pela União, por delegatária ou por entidade concessionária do porto organizado. Poderá ser concessionário pessoa jurídica de direito privado que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco (art. 1º, § 3º/ Lei nº 12.815, de 2013). Assim, outorgada à autoridade portuária a prerrogativa de dispor sobre a “unidade administrativa encarregada de organizar, gerenciar e supervisionar os serviços de segurança portuária”, não há e, a rigor, não poderia haver, previsão legal de que a esse expediente se apliquem as normas de direito administrativo, o que volta a trazer à tona a incerteza quanto à possilidade de a autoridade portuária valer-se de normas de direito privado para a consecução dos serviços de vigilância portuária, notadamente a Lei nº 7.102, de 1983, com as alterações posteriores.

Vigésimo-Segundo Artigo

“Art. 22. O descumprimento do disposto nesta Lei sujeita a empresa infratora às seguintes penalidades administrativas, salvo se já houver previsão legal de multa específica para a infração verificada:

I – por violação aos arts. 11, 12, 13, e 14 e aos §§ 1º, 2º e 4º do art. 16, multa administrativa correspondente ao valor mínimo para inscrição na dívida ativa da União, por trabalhador prejudicado;

II – por violação aos demais dispositivos, multa administrativa correspondente ao valor mínimo para inscrição na dívida ativa da União.

Parágrafo único. A fiscalização, a autuação e o processo de imposição de multas reger-se-ão pelo Título VII da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, sem prejuízo da aplicação da legislação tributária por parte dos órgãos fazendários.”

            Seria irônico, se não fosse trágico, assegurar a “fiscalização, a autuação e o processo de multas” nos termos do Título VII da CLT, quando o projeto em questão solapa o fundamento maior do próprio Direito do Trabalho: a relação de emprego, caracterizada pela pessoalidade (intuitu personae) no que tange ao prestador de trabalho; pelo modo subordinado de consumação da prestação do trabalho; pela natureza contínua (não eventual); e pela onerosidade da prestação e de fatos outros decorrentes da própria prestação laboral.

            Vigésimo-Terceiro Artigo

            “Art. 23. Para fins do enquadramento ao disposto nesta Lei, no que se refere à garantia de direitos dos trabalhadores, contratante e contratada devem adequar o contrato vigente no prazo de até 180 (cento e oitenta dias) a partir da data de sua publicação.

Parágrafo único. A contratante e a contratada não poderão prorrogar contratos em vigor que não atendam ao disposto nesta Lei.”

Trata-se de mero ato de diferir por seis meses, a partir da publicação da lei, o cumprimento de exigências legais que versam sobre uma modalidade de contratação já criticada ad nauseam.

Vigésimo Quarto Artigo

“Art. 24. A contratante poderá creditar-se da Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins, até o limite da retenção ocorrida nos termos dos incisos III e IV do art. 18 desta Lei, calculadas sobre o valor pago à empresa contratada pela execução de atividades terceirizadas que se enquadrem nas hipóteses de crédito previstas no art. 3º da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003.

Parágrafo único. A apuração de créditos sobre dispêndios decorrentes das atividades não tratadas nesta Lei permanecem regidas pela legislação aplicável à contribuição para o PIS/Pasep e à Cofins.”

O dispositivo em tela cuida da regulação da incidência não cumulativa da Cofins, no cálculo do tributo devido pela tomadora de serviços, nos termos do art. 3º da Lei nº 10.833, de 2003.

Vigésimo-Quinto Artigo

“Art. 25. A Secretaria da Receita Federal do Brasil disciplinará o disposto nos arts. 17, 18 e 24 desta Lei.”

A matéria que é objeto de regulação pela proposição comporta a expedição de instruções normativas e portarias da Secretaria da Receita Federal, nos termos da Lei nº 11.457, de 2007 e da Portaria RFB nº 125, de 2009.

Vigésimo-Sexto Artigo

“Art. 26. Os direitos previstos nesta Lei serão imediatamente estendidos aos terceirizados da administração direta e indireta.”

Tudo leva a crer haver uma contradição entre o disposto no § 2º do art. 1º do projeto e e esse dispositivo. O §2º em questão diz:  “As disposições desta Lei não se aplicam aos contratos de terceirização no âmbito da Administração Pública direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. Como já salientamos, no caso da administração indireta, parece-nos fora de dúvida a intenção do legislador de submeter as empresas públicas e as sociedades de economia mista ao que dispõe a lei, na forma dos argumentos expostos quando do comentário ao art. 1º do projeto.

A aporia em relação à administração direta se resolveria pelos exatos termos da Súmula nº 331, da Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, que prevê o quanto segue:
 
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, inciso II da Constituição Federal de 1988).

  
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
 
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

As terceirizações em atividades permanentes de limpeza, conservação, manutenção e vigilância, no âmbito da administração direta são legais e devem ser levadas a cabo considerando-se o enunciado na súmula acima referida.

Vejamos os fundamentos para tanto. Quando da edição do Decreto-Lei nº 200, de 1967, nos estertores do Governo Castello Branco, passou-se a ventilar o estímulo à descentralização administrativa. No art. 10 do referido instrumento normativo, dispôs-se que a execução das atividades da administração pública deveria ser descentralizada; e que um dos planos da descentralização seria o deslocamento de atividades de execução da Administração Federal para “a órbita privada, mediante contratos e concessões” (art. 10, § 1º, alínea c, Decreto-Lei 200/1967). O § 7º desse mesmo artigo explicitava:

            § 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.

Posteriormente, a Lei nº 5.645, de 1970, por seu art. 3º, parágrafo único, veio aclarar que “as atividades relacionadas com transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras assemelhadas serão, de preferência, objeto de execução indireta, mediante contrato, de acordo com o artigo 10, § 7º, do Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967”. Essa norma serviria, mais tarde, para fixação dos contornos da Súmula nº 331, do Tribunal Superior do Trabalho, que circunscreveu a permissão para a terceirização a atividades de apoio, instrumentais, ou seja, atividades-meio, inclusive no âmbito da administração direta, submetendo-se o preenchimento dos cargos inerentes à atividade-fim do órgão ao primado do concurso público, em consonância com o disposto no art. 37, inciso II, da Constituição Federal.

Vigésimo-Sétimo Artigo

“Art. 27. A quota a que se refere o art. 93 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, deverá ser cumprida pela empresa contratante em seus contratos de terceirização, considerando o somatório de seus empregados contratados e terceirizados.”

Vejamos o que diz o referido art. 93 da Lei dos Planos de Benefícios da Previdência Social:

Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:

I – até 200 empregados………………………………………………..2%;

II – de 201 a 500………………………………………………………….3%;    

III – de 501 a 1000……………………………………………………….4%;

            IV – de 1001 em diante………………………………………………..5%.

        I

§ 1º A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante.

§ 2º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social deverá gerar estatísticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por reabilitados e deficientes habilitados, fornecendo-as, quando solicitadas, aos sindicatos ou entidades representativas dos empregados.

Quando é do mais absoluto interesse da tomadora de serviços, a integração e comunhão de todos os que para ela prestam serviços se impõe. Na situação que se examina, vê-se que a lei impõe ao empreendedor contratações de pessoas portadoras de deficiência e, em evidente promoção da discriminação eugênica, o projeto de lei que estamos a examinar autoriza a concentração dos trabalhadores portadores de deficiência nas contratadas, prestadoras de serviço, para que se considerem cumpridas as exigências do Plano de Benefícios da Previdência Social. Não por acaso, como alertamos antes, o art. 2º, inciso III, da proposição autoriza que como prestadoras de serviço possam ser contratadas “associações, sociedades e fundações”, que são constituídas para fins de assistência social, ou seja, são pessoas jurídicas de direito privado que não se organizam para fins econômicos, nos termos dos arts. 44, I, III, 53 e 62, parágrafo único, do Código Civil.

Nesse ponto, o projeto ofende o disposto no art. 27, número 1, notadamente as alíneas a, b e c da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 186, de 2008, ato internacional equivalente a emenda constitucional, nos termos do § 3º do art. 5º da Constituição Federal.

Vigésimo-Oitavo Artigo

“Art. 28. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

Trata-se de cláusula de vigência, nos termos dos arts. 3º, inciso III e 8º, da Lei Complementar nº 95, de 1998.

Tudo posto e examinado, opinamos pela rejeição da proposição na sua integralidade. 

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