O Bolsa Família se beneficia de experiências anteriores. Aquele que se diz protagonista de uma construção que foi coletiva está equivocado
Costuma-se dizer que o sucesso tem muitas mães. Quase sempre isso é verdade. Como participantes do processo que deu corpo ao Bolsa Família, consideramos oportuno acrescentar ângulos à reflexão do balanço de uma década dessa conquista do povo brasileiro.
O Bolsa Família atende hoje a 13,8 milhões de famílias. O valor médio de seu benefício mensal é de R$ 152. Em 2003, quando implantado, ele atendia a 3,6 milhões de famílias com cerca de R$ 74 mensais, em média.
Mas esse resultado é fruto de um processo histórico em que se logrou aperfeiçoar uma engenharia social capaz de enfrentar a miséria da população de maneira mais profunda.
Pessoas e instituições que se arvoram como protagonistas de uma construção que foi coletiva estão equivocadas. A produção de memórias é sempre parte de um campo de disputas de interesses. Os relatos que apagam tal construção estão longe de serem inocentes.
O desenvolvimento do Bolsa Família se beneficia de experiências anteriores. Em 1995, em Campinas e Ribeirão Preto, no Estado de São Paulo, e no Distrito Federal, foram implantados programas de renda mínima que logo se espalharam por muitos municípios.
Não foi por acaso que, em 2003, o presidente Lula aprovou a expressão “Bolsa Família, uma evolução dos programas de complementação de renda com condicionalidades”, em reconhecimento dos antecedentes múltiplos e variados.
O cadastro único dos programas sociais consolidou-se como uma conquista contra os interesses setoriais, que preferiam criar e gerir os seus próprios cadastros, reproduzindo, também no campo da identificação do público alvo, a fragmentação, a disputa de poder e a sobreposição de esforços.
Atribui-se a isso, em parte, o sucesso do Bolsa Família. Em setembro de 2003, estavam registradas no Cadastro Único federal, recebendo benefícios de distintos programas, cerca de 17,2 milhões de famílias. O Bolsa Escola repassava a cada beneficiário por mês R$ 24,80, em média. O Bolsa Alimentação, R$ 21. Em dezembro daquele ano, o Bolsa Família já concedia o triplo da média dos outros programas.
O I Seminário Nacional do Cadastro Único, ainda em 2003, foi o primeiro fórum a reunir gestores federais, estaduais e municipais para discutir as muitas facetas do processo de cadastramento. Com ele, criou-se um ponto de apoio importante para a discussão federativa e republicana sobre a gestão do cadastro único. Ao longo dos anos, ele se converteu em uma ferramenta de planejamento e gestão de políticas.
Em 2011, o governo federal inseriu o Bolsa Família em uma política mais ampla de transferência de renda. Com o plano Brasil sem Miséria, assumiu o compromisso de garantir aos brasileiros uma renda mínima mensal de R$ 70. Comprometeu-se a ampliar o acesso a serviços públicos e a efetuar a inclusão produtiva urbana e rural.
Os dez anos do maior programa de transferência de renda do mundo são motivo de orgulho e esperança para a população brasileira, e é isso que nós devemos celebrar.
*Ana Fonseca, 62, é pesquisadora da Unicamp e ex-secretária-executiva do programa Bolsa Família (2003); Carlos Lopes, 52, economista, ex-representante da Organização das Nações Unidas no Brasil (2003-2005), secretário-executivo da comissão econômica para a África da ONU – Folha de S.Paulo