Marcello Antunes traduz a resistência do Brasil na crise – e mostra que ela está bem longe daqui.
“A novidade é que o Brasil deixou de ser um país vulnerável e tornou-se um competidor global. E isso incomoda; contraria interesses”. A frase acima é de autoria do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que assina um ‘precioso’ artigo no jornal Valor Econômico desta terça-feira (25/02). Lula vai ao ponto central ao dizer que o Brasil, detentor de reservas internacionais no padrão de países desenvolvidos, inclusive com uma das menores taxas de desemprego do mundo – o que não se vê entre as nações ditas desenvolvidas – “tem uma economia robusta e não se intimida com as críticas, aprende com elas”, afirma. Ele poderia acrescentar, deixando a modéstia de lado, que também ensinamos como vários países ricos, desenvolvidos, podem sair de uma crise que se arrasta há seis anos.
Gerando empregos sucessivos, na ordem de 1,1 milhão por ano, as críticas à condução da política monetária e fiscal brasileira incluem um percentual elevado de malícia pelos ditos analistas, ao ponto de o mesmo Valor Econômico desta terça-feira apontar um fato no mínimo curioso, ou seja, “as críticas mais ácidas vêm de dentro e não de fora do país”, revela o título de uma reportagem, ao mesmo tempo em que o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, participando de um encontro de presidentes de bancos centrais na Austrália, declarou que a percepção sobre o Brasil melhorou na cena internacional. Por quê? Porque no mercado internacional um contrato chamado CDS (Credit Default Swap), especulativo por sua natureza, caiu de 211 pontos para algo em torno de 170. Por esse contrato, por exemplo, negociado nas melhores bolsas de valores do mundo, aposta-se a favor ou contra uma economia. Quanto maiores forem os pontos, maiores são os riscos de ocorrer um default da economia. Em outras palavras, especula-se em torno de um país quebrar, uma hipótese longe, muito distante da vida real da economia brasileira.
O detalhe que chama atenção, embora “essa autoridade internacional” tenha ficado no anonimato, é que ela disse que seus pares têm dado menos ênfase às consequências do desmonte de estímulos nos Estados Unidos sobre o Brasil: “todo mundo está olhando é como o Brasil faz ajuste, ajeita a casa, em período de eleição”. Em outro trecho da matéria se revela que a equipe brasileira nesse encontro de bancos centrais atuou ‘entre emergentes para que não levassem adiante uma polêmica excessiva com países desenvolvidos sobre os efeitos do tapering nos fluxos de capitais para essas economias. A Índia e a África do Sul estavam inclinadas ao confronto e a acusar duramente os países ricos por adoção de políticas monetárias ultraflexíveis, por quebra de cooperação internacional e depois lavar as mãos sobre os efeitos em outras economias’.
“Tapering”, como bem definiu Hélio Beltrão no site pontobase, é a palavra da vez do Federal Reserve, o Banco Central americano. Significa reduzir gradualmente, e aqui se trata de reduzir os incentivos que o BC americano dá para sua economia reagir. Na prática, o Federal Reserve sinaliza que não injetará quase uma centena de bilhões de dólares na economia e adotará um aperto monetário, remédio que vários analistas tupiniquins e de fora cobram do governo brasileiro, como forma de recuperar a confiança.
Mas o próprio Hélio Beltrão, ainda na metade do ano passado, afirmou categoricamente que o Federal Reserve tem mordido a língua e a reputação de seu “chairman” está afundando. Em outubro, por exemplo, o ex-todo-poderoso do FED, Ben Bernanke, recebeu a informação de que seria substituído pela primeira mulher a ocupar a presidência. Janet Yellen teve seu nome confirmado pelo Senado americano no dia 6 de janeiro último e já estreou com o pé esquerdo.
Janet Yellen recebeu um documento com aspecto de estudo e disparou contra o Brasil, onde dizia que depois da Turquia, a economia brasileira era uma das mais vulneráveis dentre 15 outras nações. No Senado brasileiro, a resposta foi rápida e precisa por parte da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), que apresentou um voto de repúdio ao Federal Reserve.
Como disse o presidente Lula, o Brasil deixou de ser uma economia vulnerável há tempos e tornou-se um competidor global e isso incomoda, incomoda muita gente. O próprio Mark Mobius, diz o Valor Econômico, à frente da divisão de mercados emergentes da gestora americana Franklin Templeton, que administra dinheiro de investidores que querem ganhar dinheiro comprando papéis de países em desenvolvimento, como o Brasil, a Turquia, a Índia e outros mais, diz que passamos por um choque e não uma crise, porque as reservas internacionais dos emergentes cresceram e são maiores dos que as dos países desenvolvidos. Além disso, o nível da dívida dos emergentes é muito menor em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) do que a dos países desenvolvidos.
A malícia que existe quando se fala das políticas fiscal e monetária do Brasil, de que o governo precisa adotar uma postura ortodoxa, ou seja, aumentar ainda mais o corte de gastos em políticas públicas para economizar e fazer um superávit primário, esconde a pressão e a verdadeira intenção de vários analistas de bancos nacionais e internacionais para que o País volte a oferecer juros cada vez mais elevados de seus títulos públicos.
Se o real voltou a se valorizar diante do dólar, como aconteceu assim que o governo anunciou um corte do orçamento para este ano de 1,9% do PIB, equivalente a R$ 100 bilhões, ou 0,25%, é possível constatar que algum investidor/especulador perdeu dinheiro. E vão continuar perdendo aqueles que apostam contra o Brasil.
Marcello Antunes