Gleisi Hoffmann: o grande vencedor do pleito foi “nada mais nada menos do que o… Ninguém!”O Partido dos Trabalhadores sofreu derrotas em lugares importantes, na disputa municipal do último domingo (2), mas engana-se quem aponta o PT como o maior derrotado das últimas eleições. “Quem perdeu mais foi a política”, avalia a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), já que o grande vencedor do pleito foi “nada mais nada menos do que o… Ninguém!”. Em nove capitais brasileiras, nos principais colégios eleitorais do País a soma dos de votos brancos, nulos e as abstenções ultrapassam os 40%, apontando o desencanto do eleitor com o processo.
“O que as urnas disseram é que há um descontentamento imenso com a política brasileira, e isso deve acender um sinal de alerta, um sinal vermelho para todos os partidos políticos, para todos nós que fazemos política, porque é isso que vai estar em discussão e em jogo daqui para a frente”, alertou a senadora em pronunciamento ao plenário nesta terça-feira.
Processo democrático não legitima golpe
Gleisi rejeita a tese de que o resultado ruim do Partido dos Trabalhadores alcançado pelo PT poderia legitimar o golpe que retirou a presidenta Dilma do governo. “As eleições municipais não têm o condão de anular uma eleição presidencial”. Embora respeite o resultado das eleições municipais, ela ressalta que são manifestações diferentes da vontade do eleitor. “Ao contrário dos que não conseguiram respeitar o resultado de 2014, nós respeitamos a vontade das urnas de 2016, ainda que seja contra nós”.
Que ninguém imagine, portanto, que o PT repetirá a pantomima dos oposicionistas de 2014, questionando a lisura das urnas eletrônicas, pedindo recontagem de votos, pedindo anulação da eleição no Tribunal Eleitoral e contente com isso, partindo para fabricar um processo de impeachment. “Essa gente não sabe o valor da democracia, porque não soube respeitar o resultado de um pleito democrático”. O PT sabe o que é e respeita a democracia.
Mas essa postura está muito distante da aceitação da falácia que quer usar o resultado de 2016 para legitimar o golpe e desqualificar a manifestação soberana das urnas em 2014. “Um processo democrático não legitima algo que é autoritário e que rasga a Constituição brasileira, como foi o impeachment”, afirmou Gleisi.
A derrota da política
As urnas de 2016, sem dúvida, deram um recado ao PT—recado que foi ouvido e já começa a ser avaliado. Mas é preciso que ouvidos de todos os espectros da política prestem atenção ao que foi dito por meio do voto no último domingo. “É importante que o mundo político saiba avaliar o que o eleitor quis dizer para ele”. A “vitória” dos votos nulos, brancos e abstenções, alerta a senadora, “reflete o desencanto com o sistema de representação e os partidos políticos de um modo geral”.
“Se o grande vencedor foi o ninguém, a grande derrotada foi a política. Esse desencanto, essa rejeição à política surge, normalmente, em momentos de crise”, lembrou Gleisi. A população espera que as democracias sejam funcionais, que produzam resultados, que ofereçam soluções concretas para os principais problemas que a afetam. “Numa crise grave, isso dificilmente ocorre”. O risco, alerta a senadora, é tentar substituir a política por saídas de cunho autoritário.
As lições da História
Gleisi citou o exemplo da Alemanha no período conhecido como República de Weimar (1919-1933, ou seja, da queda da monarquia até a ascensão do nazismo). A crise desencadeada pela derrota na 1ª Guerra Mundial (1918) submergiu a Alemanha na pior crise de sua história, numa hiperinflação que destruiu a poupança de sua população. “Nesse contexto de grande humilhação, de frustração, os partidos políticos tradicionais perderam a credibilidade e a legitimidade, o que ocasionou o surgimento de aventureiros políticos que se apresentavam não como políticos, que negavam a política, que diziam que eram técnicos gestores que salvariam a Alemanha da política corrupta, porque lá também a política criminalizada virou sinônimo de corrupção”, recapitulou a senadora.
O principal desses aventureiros, lembrou ela, era ninguém mais, ninguém menos que Adolph Hitler, que tinha profundo desprezo pela democracia e pelo sistema de representação. Chamava os políticos de outros partidos de “galinhas cacarejantes”, de “ruidosa inutilidade”. Achava que a política era uma atividade corrupta, submetida a interesses judaicos e antigermânicos. Não se considerava um político, mas um líder legitimado diretamente pelo “sentimento do povo alemão”. Um gestor, alguém com qualidades diferenciadas.
“Hitler se aproveitou da política para destruir a política. Ganhou uma eleição e depois incendiou o parlamento, fechou-o, reduziu a democracia alemã a cinzas. As escolhas democráticas foram substituídas pela imposição de uma hierarquia baseada na força, na meritocracia e essencialmente em um discurso antipolítica”, ressaltou Gleisi.
Na História mais recente, Gleisi lembrou o exemplo de Silvio Berlusconi, ex-primeiro-ministro italiano, que chegou ao poder na esteira de um processo de criminalização da política, a chamada “Operação Mãos Limpas”, que guarda muitas coincidências com a “Operação Lava Jato”. Um processo no qual “tudo excede, quando estado democrático de direito não é respeitado, quando nós temos excepcionalidade”, lembrou a senadora. “Muitas vezes o discurso de combate à corrupção é utilizado para desmontar a democracia e para eliminar aquele que pensa diferente”, alertou.
Tecnocracia X política: a quem interessa o embate?
A criminalização da política geralmente vem acompanhada da propaganda da suposta “superioridade” da “gestão técnica”, supostamente neutra. “A ideia de que isso possa substituir a política é ridícula, pois não existe neutralidade numa sociedade plural e diversificada, na qual há interesses diversos e até contraditórios”, ressaltou Gleisi Hoffmann.
Além de equivocada, a ideia de que a sociedade pode ser gerida por uma tecnocracia de gestores é profundamente autoritária, alerta a senadora. “Se é verdade que a técnica qualifica a política é muito verdade que a política dá sentido à técnica”. Levada ao extremo, essa concepção substituiria a eleição para a Presidência da República pelo concurso público, por exemplo.
“Será que assim estaríamos resolvendo os problemas do Brasil? Estaríamos representando a diversidade territorial, diversidade racial, diversidade política e social que nós temos neste País? É claro que não. Podemos achar que a democracia é ruim, podemos achar que ela tem problemas, podemos muitas vezes nos desencantar, mas a democracia é o melhor sistema que nós temos, porque ela permite que as divergências apareçam, que as diferenças estejam presentes e que a mediação das posições seja feita”, afirma a senadora.
Cyntia Campos