Seminário

Justiça Criminal virou ferramenta política, denuncia professor

Para o professor de Direito Antonio Pedro Melchior, uso de ardis abala a legitimidade do Poder Judiciário
Justiça Criminal virou ferramenta política, denuncia professor

Foto: Alessandro Dantas

A justiça nunca foi neutra, mas o Brasil vive um “cenário de terra arrasada” no que diz respeito às garantias de direitos básicos. O sistema de Justiça Criminal, onde as exceções se realizam de forma mais intensa, passou a ser usado como ferramenta política. “Este setor sequer faz questão de sustentar uma aparência de imparcialidade”, denuncia o professor de Direito da UFRJ, Antonio Pedro Melchior.

Na atualidade, já não se recorre ao “crime político” inventado pelas ditaduras para afastar adversários. A nova ferramenta é a imputação do crime comum, cuja apuração se ampara em “táticas e ardis persecutórios de legalidade duvidosa — quando não abertamente ilícitos”.

Melchior participou, na manhã desta segunda-feira (29), do debate sobre “O sistema de Justiça no Brasil e sua atuação na democracia: táticas do Estado de exceção?”, com os também professores de Direito Maria José Fariñas Dulce (Universidade Carlos III de Madri, Espanha) e Pedro Serrano (PUC-RJ), durante o seminário “Estado de Direito ou Estado de Exceção”. O evento foi organizado pelas bancadas do PT no Senado e na Câmara, Fundação Perdeu Abramo e Frente Brasil de Juristas pela Democracia, na Universidade de Brasília.

Ardis persecutórios

Entre os estratagemas usados pelo sistema judicial contra os “inimigos”, Melchior destacou os vazamentos ilegais de conversas telefônicas e de conteúdos de delações premiadas, o monitoramento de conversas travadas entre investigado e advogado e até mesmo a indução do réu a grampear seu próprio advogado. “Chega-se ao ponto de um advogado não poder mais discutir se vale a pena seu cliente fazer uma delação premiada ou enfrentar um julgamento, porque isso é tratado como obstrução de justiça”.

Além disso, registram-se ameaças de processo contra familiares do investigado, com o objetivo de obter colaboração ou delação, o uso do investigado e delator atuar como agente encoberto (função exclusiva de agente policial, segundo a Lei 2.850), na medida em que é orientado a obter provas para as investigações (gravações de conversas com perguntas previamente ensaiadas, por exemplo).

Violação sofisticada

Essa prática, lembra Melchior, também atenta contra o direito da pessoa com que o delator conversa, já que viola o direito ao silêncio e de não produzir prova contra si mesmo, assegurado na legislação.

“Todos os meios de obtenção de provas implicam restrições a direitos fundamentais, mas o que se está vendo hoje é o recurso a estratagemas sem qualquer compromisso de submissão ao direito”, avalia Melchior. E esse vale tudo se fundamenta na necessidade de “destruir o inimigo”, uma noção antiga no processo penal, onde a instituição de práticas inquisitoriais faz parte da história. “Mas o Estado sofisticou as formas de violar direitos com a justificativa de combater o crime”, atesta o professor.

Para Melchior, estamos diante de um “cenário é de terra arrasada. É muito difícil falar em legitimidade do Poder Judiciário, em matéria criminal, com o exercício dessas táticas.

Criminalização da luta por direitos

O professor critica o “messianismo” de agentes do Estado que se sentem tomados pela “verdade” e recorrem a artifícios que ferem de morte a democracia. Quem imagina que as práticas da ditadura estavam superadas, vai tomar um susto em saber como vêm sendo conduzidos alguns processos, como por exemplo o movido contra os 23 ativistas acusados de associação criminosa e atos violentos em protestos de 2013 e 2014.

Entre as “provas” colhidas pela polícia e aceitas pelo Ministério Público estão livros, jornais e faixas de protesto. Contra um dos réus pesa a retumbante acusação de tentar “disseminar suas ideias”, tendo até “chegado a reunir 15 pessoas” para este fim. “E tudo isso vira indício de participação em organização criminosa”.

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