Valor traz correção a erro da Folha: vendas não caíram no Natal

Pessimismo exagerado leva a erro na avaliação das vendas de fim de ano 

Vendas nos shoppings usadas para manchete pessimista representam menos do que a metade do total

 

Vendas nos shoppings usadas para manchete pessimista representam menos do que a metade do total

A presidenta Dilma Rousseff tem razão quando se queixa da “guerra psicológica” que tem seu governo como alvo. O exemplo mais recente foi a capa do jornal Folha de S. Paulo, do último dia 27 de dezembro: “Comércio tem Natal mais fraco em 11 anos”. O texto acompanha a mentira da manchete do jornal, que conseguiu concluir que o Natal de 2013 foi o pior desde 2002, apesar de terem sido 2,7% maiores do que em 2012.

A reportagem traz ainda outras interpretações míopes sobre o balanço das vendas natalinas, o que não foi suficiente para levar o jornal à correção e ao pedido de desculpas aos seus leitores.

O jornalista Sergio Leo, no Valor Econômico desta segunda-feira (06), com o artigo “O Natal não foi o pior, e daí?”, faz a correção que a Folha recusou-se a fazer, a partir de declarações e dados de fontes do comércio.

Dentre as inverdades observadas por Sergio Leo, está o fato da Folha não ter dado importância às vendas do comércio eletrônico (ou e-commerce), que apenas em novembro, registrou um aumentou de 49% em relação a média diária de importações de móveis.

Confira a íntegra do artigo “O Natal não foi o pior, e daí?”Valor Econômico – 06/01/2014

Não, o Natal de 2013 não foi o pior dos últimos anos, garantem especialistas no setor, que se assustaram com a repercussão do desabafo superlativo dos donos de shoppings, frustrados com o crescimento abaixo das expectativas em dezembro. Foi uma queixa que nada tem a ver com uma imaginada “guerra psicológica”, mas denuncia a predisposição a ver uma queda onde houve, na verdade, uma desaceleração do crescimento.

Evidentemente, o desejável é que o esvaziamento das pressões inflacionárias se dê pela redução dos gastos públicos, e a queda no consumo das famílias não é a meta para quem ainda sonha com crescimento dos investimentos na indústria e nos serviços. Houve, entre os varejistas, “decepção com o crescimento econômico”, como ressaltou a Confederação Nacional do Comércio (CNC), ao divulgar, na sexta-feira, seu índice de confiança dos empresários do comércio. Ainda assim, segundo a CNC, 65% dos empresários preveem aumento moderado nas contratações de pessoal, e a confederação aposta em aumento de 6% nas vendas do varejo restrito (excetuando veículos e construção civil).

Não é exatamente retração o que o país está assistindo, concorda Marcel Solimeo, economista da Associação Comercial de São Paulo. “Falar que foi o pior Natal é um equívoco muito grande; houve crescimento”, diz. No fim do ano, porém, acentuou-se a queda no ritmo de aumento das vendas, um sinal de que o consumo das famílias será cada vez menos importante como alavanca de crescimento e estímulo aos investimentos. Solimeo, como outros especialistas, nota que o dólar baixo e os custos internos altos levaram os estímulos ao consumo, nos últimos anos, inclusive em 2013, a “vazar” para as importações (o que ajudou modestamente a deteriorar as contas de comércio exterior, derrubadas em 2013, principalmente, pelas importações de petróleo e derivados).

Não há garantias, ainda, de que o menor apetite pelas compras terá reflexos positivos sobre a balança comercial, baixando importações de bens duráveis e semiduráveis. O fato é que, nos meses que antecederam o Natal, com o dólar já em alta, as compras de produtos de consumo só não aumentaram sensivelmente por causa da queda nas compras de automóveis, forçada pela política automotiva.

Em novembro, aumentou em 49% a média diária de importações de móveis; em 14%, a de máquinas e aparelhos de uso doméstico, em 5% a de objetos de adorno pessoal, 4% a de vestuário e 8% a de “produtos de toucador”. No acumulado do ano, os aumentos desses itens foram, respectivamente, 11%, 3%, 10%, 8% e 18%. Em dezembro, as importações de bens de consumo caíram 5%, principalmente pela queda de 22% nas compras de automóveis. Mas, computado todo o ano, a media diária da compra de bens não duráveis, como alimentos, remédios, roupas e cosméticos cresceu mais de 8%. As de duráveis ficaram estáveis, apesar da queda de 6% nas compras de automóveis.

Os dados de venda nos shoppings, que estão longe de representar metade das vendas totais do varejo, apenas confirmam o que a própria associação do setor previa no fim de 2012: com cada vez mais lojas sendo construídas e mais compradores de baixa renda entrando no mercado de consumo tende a cair a renda por loja e a média de preços dos produtos vendidos. As vendas de cosméticos nos shoppings subiram 10% em dezembro, comparadas às de dezembro de 2012; as de relógios e acessórios, 9%; as de brinquedos, 5% e as de eletrodomésticos e eletrônicos, 4%. Caíram as de vestuário (1%), mas mesmo o setor vê esse número com desconfiança.

“Não concordo com a visão catastrofista de que foi o pior Natal”, comenta o diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Fernando Pimentel. “Tanto as notícias anteriores, que apontavam um crescimento extraordinário nas vendas quanto as de depois, de queda, me parecem exageradas.” Pimentel não espera resultados brilhantes no ano, mas acredita que a produção doméstica, em 2014, deve permanecer a mesma ou ter ligeiro crescimento.

Corrigido o pessimismo que exagerou na avaliação das vendas de fim de ano, não restam, no entanto, motivos para que se abram as champanhes que possam ter sobrado do Réveillon. Analistas atentos como Solimeo e Pimentel preveem um freio de arrumação em 2014, para assegurar um crescimento menos apoiado no aumento do mercado consumidor e mais sustentado em investimentos. Solimeo acredita que a Copa do Mundo deste ano deve ter efeito “neutro” no comércio varejista, com as paralisações ditadas pelos feriados anulando o efeito positivo das compras de televisões e outros produtos tradicionalmente beneficiados por esse tipo de evento.

O fim do IPI dos automóveis e a pressão de custo criada com a desvalorização do real em relação ao dólar deve prejudicar ainda mais as vendas de veículos neste ano, jogando para baixo um setor de peso importante na economia, que impulsionou os resultados da indústria no ano passado. Seguir com programas de estímulo de prazo curto, concentrado em alguns poucos setores privilegiados não é a saída, argumenta Solimeo. “Ninguém vai investir mais com esses artificialismos; só aumentam as horas extras e a ocupação da capacidade instalada”, argumenta.

Em dez dias, o IBGE dará um retrato mais claro do comportamento do consumo em novembro e só em fevereiro trará os dados que permitirão avaliar, de fato, como foi o Natal.

Até lá, o mau humor de alguns empresários mostra somente que os sinais emitidos pelos consumidores são insuficientes para animar a torcida. Faltam soluções para fatores de custo doméstico que atrasam investimentos e, mesmo com o dólar em alta, ainda fazem as importações parecerem mais atrativas como forma de atender à demanda nacional.

Sergio Leo é jornalista e especialista em relações internacionais pela UnB. Escreve às segundas-feiras

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