Relator na Comissão de Meio Ambiente do projeto que altera o Código Florestal Brasileiro, o senador aguarda um consenso entre os senadores que permita corrigir “problemas” no texto aprovado pela Câmara e que agrade ao setor agrícola e ao ambiental
“Não é possível que, com tanto debate, senadores e senadoras – com a contribuição de todos os setores da sociedade – não consigam fazer uma lei aplicável no Brasil”, destacou o senador Jorge Viana (PT-AC)em entrevista à Agência Brasil.
A expectativa é que a matéria chegue à Comissão de Meio Ambiente com boa parte das pendências resolvida. Viana destacou a necessidade de o Brasil poder contar com uma legislação agrícola moderna que atenda à expectativa de abastecimento interno e aos consumidores externos.
Ao mesmo tempo, ele ressaltou a oportunidade que o Congresso tem de construir um texto que consolide o Brasil como uma referência ambiental, o qual possa ser apresentado ao mundo na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20). O debate está programado para 2012, no Rio de Janeiro.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Jorge Viana:
Na terça-feira (27), foi protocolado oficialmente na Comissão de Ciência e Tecnologia o projeto do Código Florestal. Quais os desafios que o senhor considera prioritários na tramitação?
O Brasil superou um debate e acho que agora vamos entrar nas questões de mérito da proposta votada pela Câmara. [E há] uma constatação: a proposta tem problemas graves. Em alguns aspectos, há a necessidade de se promover mudanças importantes. Tem uma mudança que apresentei, a partir de sugestões recebidas, que é uma mudança na estrutura do projeto [para] separar as disposições transitórias das disposições permanentes. Ou seja, dar um tratamento para os problemas ambientais que a biodiversidade sofreu, que os recursos naturais sofreram – como parte de um passado que tem que ser solucionado – para que seja recuperado o que perdemos. Nesse caso, temos as áreas de reserva legal, as áreas de preservação permanente (APPs). Do outro lado, temos o corpo permanente da lei e eu acho que o texto da Câmara misturava as duas coisas.
Nos debates promovidos percebi que vários especialistas destacaram a possibilidade de conciliar preservação ambiental a ganho financeiro. Como promover isso?
Precisamos fazer um aprofundamento nas questões de mérito criando políticas de incentivos para aqueles que estão dispostos a recuperar APPs, reservas legais e dar um tratamento diferenciado à produção familiar. Em 1991, nas mudanças promovidas no Código Florestal, o Brasil começou a querer vincular a liberação de crédito ao averbamento da reserva legal nas propriedades e até hoje nada ocorreu. É óbvio que os mecanismos de controle ajudaram a reduzir o desmatamento, as queimadas e as emissões de gases na atmosfera. Mas é muito importante que transformemos em atividade econômica, para pequenos e médios proprietários rurais, a recomposição de APPs e da reserva legal. Se fizermos isso, entramos nas leis da economia viva e, com isso, políticas de incentivos do governo – como crédito diferenciado, um tratamento melhor para quem protege o meio ambiente àqueles que querem sair de uma situação irregular – passam a ser grandes aliados. O meio ambiente pode ser uma oportunidade de distribuição de renda e um acúmulo econômico.
Como convencer uma base de parlamentares sobre isso, quando existe uma forma consolidada de exploração agrícola no país?
Não são coisas antagônicas. Ao contrário, o Brasil tem plena condição de continuar aumentando sua produção agrícola. O mundo tem 7 bilhões de pessoas, o Brasil está sendo solicitado pela FAO [Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação] para contribuir em oferta de alimentos ao mundo de 20%, e o país precisa aumentar a produção até 2050 em pelo menos 40%. E [isso] é inteiramente possível, na mesma área ou até em área menor do que se produz hoje, seja para pecuária ou produção de grãos. O que temos que fazer é enfrentar o problema de mais de 60 milhões de hectares de áreas degradadas. Para isso, é preciso otimizar o uso da terra, de áreas destinadas à pecuária, para sobrar área para ser incorporada à produção de grãos, por exemplo. Vejo que, quando começamos a ouvir a comunidade científica, começamos a ver o que nossas universidades, centros de pesquisa e os nossos cientistas têm de resposta para os problemas que ficavam meramente na esfera política.
O projeto tem o desafio de trabalhar as questões ambientais vinculando-as às realidades das cidades, como construção em morros e encostas. Vai dar para alterar esse ponto?
A expansão urbana em áreas impróprias, pondo em risco milhares de pessoas, é uma situação grave que o Brasil tem que enfrentar. Temos que colocar o componente da ocupação urbana nas encostas, nas margens de rios, por esse aspecto do risco. As APPs, nas cidades, tem um aspecto diferenciado da proteção nas áreas rurais. Esse é um aspecto novo, quando o Código Florestal foi feito em 1965, o Brasil era um país rural; hoje é urbano. Estamos ouvindo a comunidade tecnocientífica, a Academia Brasileira de Ciência, representantes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e essa ajuda está sendo fundamental. O código vai exigir um posicionamento político do Congresso e esse posicionamento, para mim, tem que se basear em duas grandes vertentes: a realidade da sociedade, de quem cria e quem produz e dos que defendem o meio ambiente; e, a outra, baseada na ciência, no conhecimento.
O senhor percebe que já tem quebrado algumas resistências no Senado?
Há um clima de entendimento. Há um entendimento de que o texto votado pela Câmara, com todo o respeito aos deputados e ao relator Aldo Rebelo (PCdoB-SP), precisa de reparos importantes que começaram a ser feitos e acho que, se aprofundarmos essas mudanças, o setor produtivo rural ganhará segurança jurídica de uma lei clara para continuar produzindo e aumentar a produção. Temos o dever de criar mecanismos legais de proteção de meio ambiente para essa e as futuras gerações.
Não é um prazo curto 20 dias para votar o relatório do Código Florestal na Comissão de Ciência e Tecnologia, como quer o presidente da comissão Eduardo Braga (PMDB-AM)?
Não, porque os 20 dias, só, não contam. O que conta é o tempo inteiro que o tema tem sido debatido no Senado, com audiências públicas conjuntas das quatro comissões. Já estamos trabalhando há meses. Agora, temos que focar objetivamento no texto, fazer as correções, suprimir o que está a mais e o que causa insegurança jurídica e incluir o que é necessário. Não é possível que, com tanto debate, senadores e senadoras, com a contribuição de todos os setores da sociedade como estamos tendo, não consigam fazer uma lei aplicável no Brasil, que seja boa para quem produz e para quem tem a preocupação com essas e as futuras gerações.
Dá para chegar à Comissão de Agricultura com um texto praticamente acordado?
Tudo o que recebemos de sugestão estamos tentando incorporar ao texto. Tomara que já se chegue à Comissão de Agricultura com boa parte do que tenho de preocupação incorporada. Mas, o que ficar de fora, certamente na Comissão de Meio Ambiente [onde Viana é relator] que a comissão de mérito, sem dúvida, [será incorporado] para que essa lei atenda à expectativa desafiadora do Brasil de seguir não só como uma referência de produção de alimentos, mas também para que se consolide como potência da biodiversidade e ambiental.