A maioria dos integrantes da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) decidiu protelar por mais uma semana a apreciação do projeto que atualiza a legislação sobre abuso de autoridade. Ainda que o relator da proposta, senador Roberto Requião (PMDB-PR), tenha incorporado mais uma série de observações e formulações sugeridas pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, um grupo de senadores continuava a pressionar pelo adiamento da votação, alegando que a matéria “fragiliza a Lava Jato”.
Para o senador Jorge Viana (PT-AC), apenas os “tempos difíceis” vividos pelo Brasil podem explicar tanto titubeio em aprovar uma legislação que visa a proteger os brasileiros —principalmente os mais vulneráveis — de posturas arbitrárias de quem ocupa posições de poder. “Há alguém neste País que seja a favor de abuso de autoridade? É uma pergunta simples. As pessoas da periferia, as pessoas que moram nos rincões e que sofrem o abuso de quem não tem mais do que uma farda?”, questionou ele. “Alguém é contra uma lei que impeça senador e deputado de dar carteirada ou de usar a função em benefício próprio?”
Viana fez um apelo à comissão para que seja estabelecido um calendário para a votação da matéria que possa dar fim ao “puxa e encolhe” dos sucessivos adiamentos. O projeto que atualiza a legislação sobre abuso de autoridade foi elaborado em 2009 por uma comissão especial de juristas constituída pelo Senado para analisar a questão — o recentemente falecido ministro do STF Teori Zavascki foi um dos responsáveis pelo trabalho—e posteriormente assinado, para poder tramitar, pelo senador Renan Calheiros (PMDB-AL).
Uma série de interesses corporativos, porém, tem travado o andamento da matéria no Senado. Como lembrou Requião, toda a sociedade se horroriza quando uma juíza manda encarcerar uma menina de 15 anos em uma cela com mais de 20 homens, mas a maioria dos senadores da CCJ vem titubeando em votar um projeto que pode punir exemplarmente esse tipo de conduta.
Contra arbitrariedades
O projeto já foi debatido em audiências públicas—inclusive em uma comissão geral, no plenário do Senado, com a participação do juiz Sérgio Moro e do ministro Gilmar Mendes, do STF. O relator, Roberto Requião, incorporou diversas sugestões feitas não só por Moro e Mendes, mas do procurador-geral Rodrigo Janot, que apresentou um projeto alternativo subscrito pelo senador Randolfe Rodrigues. “Requião se dedicou a fazer uma lei boa para o País. Não é contra a, b, c ou d”, destacou Viana.
O senador petista ressaltou que o Senado precisa dar uma resposta à população que está cansada das pequenas e grandes arbitrariedades praticadas por maus servidores públicos —inclusive ocupantes de cargos eletivos, como senadores, deputados e vereadores, que também serão regidos por essa legislação. “Temos que mostrar que não estamos suspeitos de votar uma lei como esta”.
“Postergação para a mídia”
A votação da matéria foi adiada por mais um pedido de vista coletivo. Nesta quarta-feira, Requião leu um novo relatório, englobando não só o projeto original (PLS 280, subscrito por Renan Calheiros), como também a proposta alternativa apresentada por Janot em nome de uma comissão de procuradores, e subscrito por Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que tramita como PLS 85/2017.
O adiamento foi criticado por Requião, que o classificou como “postergação para a mídia. Isso não é comportamento digno. Estão querendo aproveitar a TV Senado para esse ridículo espetáculo”. O presidente da CCJ, Edson Lobão (PMDB-MA), acatou o adiamento, mas garantiu que essa será a última medida protelatória tolerada pelo colegiado. “Não admitiremos mais obstrução e nenhuma outra chicana regimental”, afirmou, marcando a votação para o próximo dia 26 de abril.
O proposta
Segundo o relatório de Requião, passam a ser punidas como abuso de autoridade condutas como manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento; divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada, ou ferindo honra ou a imagem do investigado ou acusado; decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado sem prévia intimação ao juízo; fotografar ou filmar preso, internado, investigado, indiciado ou vítima sem seu consentimento ou com o intuito de expor a pessoa a vexame e colocar algemas em preso quando não houver resistência à prisão, ameaça de fuga ou risco.
As punições, além da possibilidade de prisão, serão a obrigação de indenizar a vítima do abuso, a inabilitação para o exercício do cargo por um a cinco anos e perda do cargo. Para que ocorram estas duas últimas consequências, é necessário haver reincidência. Ficam submetidos a essa legislação todos os servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas; integrantes dos poderes Legislativo e Judiciário; integrantes do Ministério Público e integrantes dos Tribunais e Conselhos de Contas.