O dia 31 de agosto de 2016 entrou para a história por derrubarem a primeira mulher eleita Presidenta do país e também por romper a frágil e recente democracia brasileira.
“Acabam de derrubar a primeira mulher eleita presidenta do Brasil, sem que haja qualquer justificativa constitucional para esse impeachment, mas o golpe não foi cometido apenas contra mim e contra o meu partido ou contra os partidos aliados, que me apoiam hoje”. Esse é um dos trechos do histórico discurso de Dilma Rousseff logo após a votação no Senado que destituiu seu mandato naquele final de agosto.
Rodeada de mulheres importantes em seu mandato e trajetória como Presidenta, Dilma fez um alerta à Nação. “Isso foi apenas o começo. O golpe vai atingir, indistintamente, qualquer organização progressista e democrática. O golpe é contra os movimentos sociais e sindicais e contra os que lutam por direitos em todas as suas acepções. Direito ao trabalho e a legislação trabalhista, direito a uma aposentadoria justa, direito à moradia e a terra, direito à educação, à saúde e a cultura, direito dos jovens de protagonizarem sua própria história, direito dos negros, dos indígenas, da população LGBT, das mulheres, direito de se manifestar sem ser reprimido. O golpe é contra o povo e contra a nação, o golpe é misógino, o golpe é homofóbico, é racista, é a imposição da cultura da intolerância, do preconceito e da violência”.
A derrubada da primeira mulher eleita e reeleita Presidenta do Brasil, por meio de um golpe parlamentar – que contou com o apoio de setores da burguesia brasileira, como o empresariado e a grande mídia – provocou sérios danos. De lá para cá, a história do país entrou em derrocada e acentuou a violência política contra as mulheres que ousam ocupar espaços na política.
Para a cientista política e professora da Universidade de Brasília, doutora Flávia Biroli, existem conexões entre ataques a mulheres específicas,os ataques a toda uma agenda de igualdade de gênero e ao conjunto de sistema de Direitos Humanos no país.
“Isso se deu com muita clareza nos ataques à presidente Dilma Rousseff, durante o processo que levou ao Golpe de 2016. E justamente naquele momento em que ela foi afastada da Presidência da República, vemos uma clara posição não só contrária à atuação daquela mulher especificamente, que procura deslegitimá-la em sua competência como atriz política, mas também um ataque mais amplo aos valores que fundamentam a igualdade de gênero e ao próprio entendimento de que as mulheres são pares, de que elas têm uma posição como cidadãs, que depende de que sejam respeitadas na sua atuação na esfera pública e na política especificamente”, destaca.
De acordo com Flávia Biroli, existe uma conexão muito direta entre a violência política de gênero e processos que limitam a qualificação da própria democracia. “A violência política de gênero atinge as mulheres, mas atinge também os valores democráticos, os processos de qualificação da própria democracia”, pontua.
Uma pesquisa realizada pelo Instituto Alziras mostra o perfil das prefeitas no Brasil eleitas em 2016. A pesquisa ouviu 45% das 649 das prefeitas eleitas e apontou que as mulheres que estão à frente das prefeituras acumulam experiência na política em sua trajetória, têm mais anos de estudo do que os prefeitos homens e superam enormes desafios em municípios pequenos e sem recursos.
Mas, ainda assim, mesmo qualificadas para o exercício de seus mandatos, não estão imunes às violências. A pesquisa revelou que 53% já sofreu assédio ou violência política pelo simples fato de ser mulher e 30% já sofreu assédio e violências simbólicas no espaço político.
Quanto mais ocupam espaços de poder, mais estão suscetíveis às violências. Embora o resultado eleitoral ainda não tenha atingido números substanciais que posicionem o país de forma razoável no que tange à igualdade de gênero na política, foram muitas mulheres candidatas. O PT, por exemplo, foi o partido que mais elegeu mulheres, mulheres negras e jovens em 2020 e aumentou em 25% a representatividade feminina em relação a 2016.
Com foco no aumento da participação política feminina para enfrentar o fascismo e o bolsonarismo, as mulheres foram às ruas para disputar o processo eleitoral. A reação conservadora e antidemocrática não tardou em avançar sobre seus corpos, suas vozes, suas honras e suas vidas.
Um levantamento realizado por uma coalizão de nove veículos jornalísticos contabilizou 114 casos de violência relacionados à eleição de 2020, ocorridos desde o começo de novembro daquele ano. “Isso significa que houve, em média, um episódio de violência política a cada 3 horas nos primeiros 15 dias de novembro. O levantamento inclui ameaças, ofensas, agressões, tentativas de homicídio e assassinatos. O número de ataques é 60% maior do que o registrado às vésperas das eleições de 2018. Em pelo menos 8 ocasiões, as mulheres foram alvo de violência política de gênero”, aponta trecho da publicação.
No lançamento da TV Elas por Elas, no dia 16 de agosto, a presidenta Dilma Rousseff destacou que o impeachment teve “um conteúdo de agressão, violência e desqualificação da mulher para reenquadrar o Brasil no neoliberalismo”. Desde a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, o país vive ameaças anti-democrática, além do enfraquecimento de políticas públicas, cortes orçamentários na saúde e educação e aumento de violência contra as mulheres.
Para a professora Flávia Biroli, o processo recente de erosão da democracia que abriu oportunidade para a ascensão da extrema direita “é marcado pela violência política de gênero”.
Dia Nacional
A Secretaria Nacional de Mulheres do PT tem atuado para denunciar as violências políticas sofridas pelas mulheres petistas, que ocupam espaços de poder e decisão. “Fizemos o projeto Elas por Elas, lutando para as mulheres ocuparem mais espaços de poder. E agora eleitas, essas mulheres sofrem diversas ameaças. Todos os dias nós temos notícias de mulheres vereadoras que sofrem algum tipo de violência política e são mulheres jovens, LBTs, as negras”, observa Anne Moura, secretária nacional de mulheres do PT.
Anne também destaca a apresentação do PL 2513/202, para instituir o dia 31 de agosto, como Dia Nacional de Conscientização e Enfrentamento à Violência Política de Gênero. Esse projeto é uma iniciativa da Secretaria e tramita na Câmara com a assinatura da presidenta do PT, Gleisi Hoffmann. “Nossa expectativa é de que esse projeto seja uma aliado na luta e combate a violência política contra as mulheres, para que possamos estar em todos os lugares exercendo nossos direitos de forma livre, digna e com democracia”, pontua a Secretária.