Vital do Rêgo diz que CPMI proporá pacote de leis contra o crime organizado

Quando a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga a organização criminosa liderada por Carlos Augusto de Almeida Ramos – o Carlinhos Cachoeira – concluir seus trabalhos, em novembro, deverá, em paralelo, entregar um “pacote legislativo” para o Congresso discutir. Este foi um dos compromissos anunciados nesta quarta-feira, pelo presidente da Comissão, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), durante a apresentação do balanço de quase três meses de trabalho.
 

Para ele, a maior colaboração que a CPMI pode oferecer é um arcabouço de leis e procedimentos que ajude o Estado a enfrentar os crimes de corrupção, que consigo trazem a lavagem de dinheiro, a evasão fiscal e os crimes licitatórios.Nós faremos esse trabalho”, garantiu Vital do Rêgo.
 

Sobre o trabalho já realizado, o senador disse que, ao contrário do previsto por muitos prognósticos, a Comissão já apresenta resultados, vencendo a etapa do “descrédito”. “Não há a possibilidade de esvaziamento dos trabalhos por causa das eleições de outubro”, afirmou. “O trabalho não vai parar”, garantiu.

Em suas respostas aos jornalistas, o senador reiterou várias vezes que a comissão que preside tem características diferentes de todas as Comissões Parlamentares de Inquérito realizadas até hoje. Primeiro, porque quando os deputados e senadores começaram a trabalhar já havia farta apuração policial à disposição. Segundo, porque nenhuma outra CPMI foi provida com os mesmos recursos de tecnologia que estão sendo empregadas na CPMI do Cachoeira. Como poderosos softwares de cruzamentos de dados, por exemplo.

Os detalhes de dados reunidos e entregues para a análise dos integrantes da CPMI, segundo ele, são o verdadeiro material para o trabalho. “A riqueza dessa Comissão está na sala-cofre”, sintetizou, lembrando que a quadrilha começou a ser montada por Cachoeira há 20 anos.

 “Nós precisamos estudar tudo que está na sala-cofre. Serão meses de trabalho, mas, ao final, teremos condições de propor ideias que vão além da punição”, disse.

Calendário

Vital do Rêgo disse que os trabalhos não serão paralisados por conta do recesso parlamentar e garantiu aos jornalistas que, já na próxima semana, apresentará um calendário de atividades para o mês de agosto. Antecipou que, no dia 15, haverá uma reunião administrativa dos parlamentares que integram o grupo para apreciação e votação de novos requerimentos. Entre eles, o de convocação do novo senador Wilder Morais (DEM-GO), que assumiu a vaga deixada pela cassação do senador Demóstenes Torres. O requerimento foi apresentado por conta da interceptação de  uma conversa telefônica entre Morais e Cachoeira.

Outro requerimento em pauta é a reconvocação do governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). O pedido foi protocolado nessa segunda-feira (16/07) pelo senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), que quer esclarecimentos sobre novas denúncias  publicadas pela mídia nos últimos dias e que ligam o chefe do Executivo goiano ao bicheiro preso na Papuda.
 

“Não haverá prioridade a qualquer dos pedidos”, garantiu o presidente da CPMI, insistindo que todas as decisões sobre convocações, quebras de sigilo ou pedidos de novas informações são decididos em conjunto pelos integrantes da Comissão. “A pauta da próxima reunião administrativa está aberta e todos os 280 requerimentos que ainda não foram apreciados poderão ser votados”, garantiu Vital do Rêgo.

Também durante o recesso, haverá treinamento de assessores para o acesso aos dados sigilosos originários das quebras dos sigilos bancário e telefônico.  Enquanto isso, a secretaria da comissão continuará recebendo normalmente as informações solicitadas a órgãos públicos e instituições privadas.

Balanço

O presidente da CPMI fez uma explanação detalhada sobre todo o trabalho desenvolvido desde o dia 25 de abril – quando a CPMI foi instalada. Nesse período, foram apresentados 715 requerimentos, dos quais 480 foram aprovados, cinco rejeitados e outros cinco retirados de pauta a pedido dos próprios autores.

Por conta dos requerimentos aprovados, a Comissão solicitou a transferência de informações sigilosas bancárias de 82 pessoas (físicas e jurídicas), fiscais de 80 e telefônicas de 78.

Vital do Rego destacou as boas parcerias que garantiram acesso rápido e ágil a dados  provenientes do Banco Central, da Receita Federal e do Supremo Tribunal Federal, mas queixou-se da dificuldade de obter dados telefônicos. “O modelo de controle da atuação das operadoras telefônicas, por meio da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), ainda não é plenamente eficaz no que se refere a obtenção de dados”, declarou. E reclamou que, em muitos casos, esse acesso só foi possível quando a CPMI os solicitou diretamente às empresas telefônicas. “Fica o alerta dessa experiência para que agências como a Anatel exerçam com mais poder suas atribuições sobre as prestadoras de serviços públicos”.

Memória

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investiga a organização criminosa de Cachoeira foi instalada no dia 25 de abril, com o endosso de 330 deputados e 67 senadores. Ao contrário de todas as outras Comissões Parlamentares de Inquérito, partiu de investigações já realizadas por pelo menos três ações da Policia Federal – as operações Vegas, Monte Carlo e Saint Michel, sendo as duas primeiras voltadas para a ação da quadrilha em Goiás e a última no Distrito Federal.

Foi instalada ainda sob o calor das denúncias quase diárias que evidenciavam a colaboração do senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) em diversas ações da quadrilha e, particularmente, nos negócios do governo do estado de Goiás.

Por enquanto, 24 pessoas foram chamadas a comparecer e estiveram na sala da Comissão de Direitos Humanos (CDH), onde a CPMI se reúne, em sessões normalmente longas e com o plenário sempre lotado. Do total de depoentes, 13 recorreram a liminares e a habeas corpus para não falar – o que não afasta a possibilidade de elas serem novamente chamadas para depor. Nove depoentes falaram. Outros dois responderam a apenas parte dos questionamentos.

Personagem conhecido

Cachoeira é um personagem habitual e conhecido do submundo da política há pelo menos oito anos, quando participou pessoalmente de um vídeo gravado às escondidas – uma de suas práticas mais comuns – no qual negociava com Waldomiro Diniz, então diretor da Loterj (Loteria do Rio de Janeiro), no governo de Anthony Garotinho. Essa filmagem deu origem, no Congresso, à CPI dos Bingos. Deve-se também a Cachoeira a contratação dos espiões que gravaram o então funcionário dos Correios, Maurício Marinho, recebendo uma propina de R$ 3.500,00.

Gravar seus atos de cooptação e corrupção era prática comum e habitual na organização de Cachoeira. Por meio delas, chantageava ou achacava as vítimas ou cúmplices que haviam sido corrompidas.

A carreira criminosa de Cachoeira foi interrompida no dia 29 de fevereiro deste ano, com a Operação Monte Carlo, da Polícia Federal, que o deteve ainda na luxuosa casa de um dos condomínios mais caros de Goiânia que tivera o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB) como proprietário anterior. Várias versões para a venda da casa foram dadas por Perillo, seus assessores e agentes da organização – nenhuma delas convincente.

Demóstenes, o elo no Congresso
Logo após a prisão, a mídia impressa e televisiva passou a divulgar telefonemas entre Cachoeira e seus comparsas e diversos representantes poder público – particularmente entre Cachoeira e o senador Demóstenes Torres, até então uma espécie de paladino da moralidade, implacável com a corrupção e defensor das medidas mais duras contra a corrupção. O senador goiano, uma semana depois das primeiras denúncias, subiu à tribuna do Senado para desmentir as evidências e confessar-se vítima da mídia. Até então, sabia-se apenas Demóstenes recebera de Cachoeira, como presente de casamento, uma cozinha (fogão, geladeira etc.) importada, no valor estimado de R$ 27 mil.

Mas a máscara caiu de uma vez com as novas revelações, entre elas a de que ele recebera um aparelho Nextel de Cachoeira, que seria inexpugnável a grampos e escutas – uma proteção que, na verdade, jamais existiu, servindo principalmente para que o senador e o contraventor conversassem livremente sobre os malfeitos que patrocinavam. Demóstenes e Cachoeira trocaram nada menos que 416 telefonemas.

Cachoeira se recusa a depor

Numa de suas primeiras reuniões administrativas, a CPMI aprovou a convocação de 51 pessoas. Depois de conseguir adiar seu depoimento, Cachoeira foi o primeiro convocado da direção da quadrilha prestar esclarecimentos à CPMI. O contraventor, que estava preso, foi trazido ao Senado com grande alarde, no dia 22 de maio. As expectativas se frustraram. Nas duas horas e meia em que foi cruzado por perguntas dos deputados e senadores, limitou-se a dizer que não falaria, por orientação de seus advogados, agarrando-se ao principio legal de não ser obrigado a criar provas contra si. Por quase duas horas e meia, abriu a boca apenas lembrar a Constituição.

O exemplo deixado pela equipe de governadores de Cachoeira serviu de exemplo para outros depoentes. Os também convocados ex-vereador Wladimir Garcez, o araponga Idalberto Martins – o Dadá – e o ex-policial militar Jairo Martins (que seria informante da quadrilha) também se mantiveram em silêncio na sessão de 24 de maio.

A sucessão de não-depoimentos provocou interpretações desanimadoras quanto aos resultados da CPMI, mas o cenário foi modificado com a vinda dos governadores de Goiás, Marconi Perillo (PSDB) e do Distrito Federal, Agnelo Queiroz. No depoimento de Perillo, o que se destacou foram a recusa do governador em abrir mão de seus sigilos bancários, fiscal e telefônico e o acréscimo de mais uma versão sobre a ainda nebulosa compra de sua antiga casa por Carlos Cachoeira. No dia seguinte, na oitiva de Agnelo Queiroz, a expectativa se reacendeu. Mas sem o resultado pela oposição. O governador do DF deu explicação e resposta a todas as dúvidas e, mais do que isso, autorizou a quebra de seus sigilos. Ato contínuo, os parlamentares da oposição deram notícia de que Perillo também tomara a mesma decisão.

Nenhuma das oitivas, porém, foi tão significativa como a do ex-chefe de gabinete de Agnelo Queiroz, Cláudio Monteiro, no último dia 28/06. Respondendo a todas as perguntas que lhe foram feitas, conseguiu provar que, ao contrário das ilações veiculadas na mídia, ele foi vítima e não cúmplice da quadrilha de Cachoeira. Quase dez horas depois de perguntas, parlamentares da oposição pediram a palavra para elogiar seu comportamento.

Giselle Chassot

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