Wellington quer mais respeito do governo no trato com os índios

Líder do PT defende indicação de um indígena para coordenar o atendimento aos cerca de 800 mil índios existentes no Brasil.

“Precisamos acabar com o preconceito de
que só é índio quem anda com a pena na
cabeça, seminu, vivendo como primitivo”.

O líder do PT, Wellington Dias (PI), em entrevista ao site da Liderança do PT no Senado, lamenta que tragédias como a morte do líder terena Oziel Gabriel, ocorrida na semana passada, no Mato Grosso do Sul, tem a forte possibilidade de se repetir, por causa da falta de representatividade de funcionários do Governo Federal encarregados de atender às demandas das minorias indígenas espalhadas pelo Brasil. 

Wellington Dias defende a indicação de um indígena para coordenar o atendimento aos cerca de 800 mil índios atualmente existentes no Brasil, pondo definitivamente fim à sucessão de cidadãos brancos no comando de entidades como, por exemplo, a Funai (Fundação Nacional dos Índios). Para ele, ter um cidadão branco coordenando um órgão destinado a atender os indígenas tem a mesma discrepância de se ter um ariano no comando da Secretaria Especial de Políticas para Promoção da Igualdade (Seppir), que atende aos interesses dos afrodescendentes, ou um homem na chefia Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM-PR).

“Se temos alguém dos nossos para legitimamente representar, por que colocar alguém dos outros? É assim que os índios pensam”, afirma o senador.
“Precisamos acabar com o preconceito de que só é índio quem anda com a pena na cabeça, seminu, vivendo como primitivo. Os índios tem os mesmos desejos que os demais. Como nós, eles querem viver mais, querem uma vida melhor, ter seu celular, seu carro, ter casa própria com energia elétrica e também querem ser empreendedores”, diz o senador, um descendente da Nação Gê, da tribo de Jaicó, que ocupava a região hoje delimitada pelo município de Belém do Piauí.

Leia, abaixo os principais trechos da entrevista:

A que o senhor atribui os recentes conflitos ocorridos nas comunidades indígenas?
Os conflitos de hoje foram provocados por ações do passado, porque o próprio Estado loteou áreas que antes eram caracterizadas como áreas de povos indígenas. Essas pessoas pagaram pelos lotes, portanto, se consideram proprietárias, investiram e sofrem com o conflito. De um lado sofrem os índios, de outro, sofrem pequenos e médios agricultores.

Como o governo deve enfrentar uma situação extrema como a dos terenas sul-mato-grossenses?
É necessária uma ação específica no Mato Grosso do Sul, assim como no Paraná, que tem a ver com o que acabei de descrever: ambos os lados estão sendo prejudicados por políticas de Estado equivocadas do passado. O que defendo, e tenho dito para integrantes da equipe da presidenta Dilma, membros de diversos ministérios, é que é necessário que o governo brasileiro se disponha a ouvi-los. Estamos falando de reivindicações de aproximadamente 800 mil cidadãos brasileiros, os verdadeiros donos da Terra Brasil, cujos ancestrais foram espoliados, explorados e quase exterminados.

Em que circunstâncias recentes o senhor percebeu a ausência do estado no trato da chamada “questão indígena”?
Vou citar uma situação que nada tem a ver com crise, mas que reflete essa ausência. Participo com frequência de eventos festivos da comunidade, como os Jogos Indígenas. E o que vemos ali é a presença do Estado por meio de um funcionário que, na maioria das vezes, é do terceiro ou quarto escalão dos ministérios. Fico muito incomodado, como membro do Partido dos Trabalhadores, que o presidente da Funai, muitas vezes, sequer aparece a um evento que reúne aproximadamente 1500 índios de 37 etnias. São índios que geralmente estão tendo o seu primeiro contato com a dita civilização branca e com outras etnias e não temos uma maior participação do governo.

Isso quer dizer que os índios não são ouvidos nem consultados?
A presidenta da República já recebeu praticamente todos os setores da sociedade. Como compreender não receber a representação dos índios? Não estou dizendo de escalar alguém para falar com eles, mas a própria presidenta receber os índios.

Mas com quem, do lado indígena, que o governo poderia estabelecer diálogo?
Os índios brasileiros têm representantes legítimos, das cinco regiões do País – e abrir um canal de comunicação direto com eles só traria melhorias, além de reduzir a tensão nas relações das comunidades indígenas. O Brasil é capaz de progredir nisso também, pois os governos do PT já se mostraram capazes de reduzir os conflitos agrários, de atender aos elitos dos negros brasileiros, das mulheres, dos estudantes e do movimento sindical. Temos índios filiados a partidos, preparados para a saúde, para a educação, para a gestão pública. Esse é o maior preconceito que temos de encarar e a melhor maneira de vencê-lo é encará-lo de frenter, da mesma forma que fizemos com outros setores.

Qual seria o trabalho do Estado a ser desenvolvido?
Não precisa inventar a roda. Temos experiências no mundo que podem muito bem ser aperfeiçoadas e adaptadas para a realidade brasileira. Vários países na situação do Brasil firmaram uma pactuação que respeita a organização indígena. É preciso que o governo reconheça que o cacique de uma tribo equivale a um prefeito de uma cidade e que o chefe de uma nação indígena é o mesmo que um governador de estado. Esse cacique ou esse chefe quer dialogar com as autoridades no mesmo patamar. Ele não quer mais intermediários e quer repeito pela sua organização social que, diga-se, já existia antes de outros povos chegarem aqui. Também é necessário firmar uma pactuação de longo prazo que respeite as tradições, os costumes, a língua, a religião, assim como fazemos com povos de outros países. Como podemos não reconhecer os costumes dos índios? Nessa pactuação temos que valorizar lideranças reconhecidas pelos índios.
Nenhuma ONG, nenhum antropólogo, nenhuma entidade está autorizada a fazer pactuação em nome deles. São seus líderes, como formação maior ou menor, que querem senta a mesa, pactuar e assumir responsabilidades. Se tivermos essa mudança, acredito que teremos uma diferença.

O senhor defende a presença de um índio na presidência da Funai?
Não só defendo como acho inaceitável que, em pleno o século XXI, nenhum índio tenha dirigido uma organização importante do governo brasileiro, como, por exemplo, a Funai. Nós reconhecemos um avanço importante nessa área, de 2003 para cá, onde se verifica uma melhor escolaridade dessa população. Hoje, são mais de 800 índios com pós-graduação, são mais de três mil com ensino superior, muitos cursando o nível técnico. Mas é dessa melhor condição na Educação que surge  o grande conflito. Alguém que alcança esse patamar, pela forma com que lidamos com os índios, não são mais considerados como índios. Só é índio quem anda com a pena na cabeça, seminu, vivendo como primitivo. Os índios tem os mesmos desejos que os demais. Querem viver mais, uma vida melhor, ter celular, carro, ter casa, ser empreendedores, ter energia elétrica. A pactuação que defendo implica na fixação de um período de transição para que eles possam ter acesso a essas coisas, mantendo o respeito a sua história, sua tradição. Na Educação, eles desejam que a sua língua seja a primeira, antes do português, inglês, espanhol. Desejam que um instituto federal seja implantado no modelo profissional que respeite seu conhecimento acumulado sobre as várias culturas. Que as estruturas de saúde, médicos e enfermeiros respeitem suas culturas.

O senhor também defende a ideia de criação de um PAC para os povos indígenas?
Sim, defendo, porque é nas áreas indígenas que estão nossos maiores déficits sociais. Avançamos nas questões do semiárido, melhoramos as condições dos quilombolas, dos seringueiros, das mulheres, dos negros, da comunidade LGBT. Não há dúvidas que avançamos em todas essas áreas, mas estamos vergonhosamente atrasados nas questões indígenas. Qualquer indicador, social, econômico educacional, vai apontar os piores índices nos povos indígenas. É onde temos mais analfabetismo, mais mortalidade infantil, mais mortalidade de gestantes, menos habitação, menos tratamento de esgoto, menor renda. Precisamos de um plano de apoio integrado, para não vivermos situações como a que vimos no Rio de Janeiro, onde a ausência do Estado foi preenchida por grupos criminais organizados. O mesmo está acontecendo com as comunidades indígenas. Pseudofazendeiros que se apropriam da terra indígena, mediante pedágio, e se instalam ali como substitutos do Estado.   

A mais recente onda de crítica conservadora contra os indígenas é a de que eles atravancam o crescimento e a expansão da agricultura
Esse é outro grave erro. Tudo vai depender da qualidade de vida que se dê a essa comunidade indígena. Para se viver de forma primitiva, é mesmo necessário um milhão de hectares para dar condição de vida a uma tribo de aproximadamente 50 famílias. Mas se eles tiverem acesso a tecnologia e outros conhecimentos, vão precisar de muito menos espaço para sua sobrevivência. O que eles querem, eu repito, é o mesmo que desejam outros segmentos da sociedade.
Vou contar outra experiência que vivi recentemente. Há algumas semanas, acompanhei uma manifestação que os índios fizeram no Congresso Nacional. Quando passávamos por outras pessoas, ouvi e vi várias manifestações de surpresa pela presença de índios com celular, ou índios que subiam num ônibus. Essas pessoas não compreendiam que o que é essencial para qualquer ser humano, é também para os índios. 

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