Crise humanitária

Yanomami: procurador culpa omissão do governo Bolsonaro

Ministério Público teve vitórias na Justiça cobrando ações, mas elas não foram cumpridas. Para Beto Faro, caso tem principalmente a digital do governo Bolsonaro: “mais um para a imensa ficha corrida”
Yanomami: procurador culpa omissão do governo Bolsonaro

Equipes da Força Nacional do SUS para atendimento em Surucucu, na terra indígena Yanomami. Foto: Fernando Frazão

O garimpo ilegal ocorre no território Yanomami desde 2017. Mas tanto as gestões de Michel Temer quanto de Jair Bolsonaro pouco fizeram para expulsar garimpeiros. Os relatos foram feitos nesta quarta-feira (15) pelo procurador Alisson Marugal, do Ministério Público (MP) de Roraima, durante audiência na comissão do Senado que investiga a crise vivida pelos indígenas.

“A primeira ação judicial [sobre o caso] do Ministério Público Federal foi em 2017. Nós identificamos um avanço do garimpo no território ianomâmi e uma fragilidade de proteção desse território”, afirmou Marugal.

Segundo ele, o MP conseguiu, através de decisões da justiça de Roraima e do Supremo Tribunal Federal (STF), exigir do governo federal um plano de ação de combate ao garimpo ilegal. Porém, as ações adotadas foram muito esparsas, pouco efetivas e insuficientes para expulsão dos garimpeiros.

Marugal acrescentou que o plano de retirada dos garimpeiros do território só ocorreu em maio de 2021 – mesmo assim, em vão. Nos anos de 2021 e 2022, o que ocorreu foi o crescimento da atividade de garimpo ilegal na região, avançando em áreas isoladas do território indígena.

“O que nós vimos foi uma tragédia humanitária em função da degradação do meio ambiente, da exploração sexual das mulheres e crianças e de outras mazelas que o garimpo traz, especialmente introduzindo drogas, álcool e todos os elementos exógenos da cultura ianomâmi que acabam levando à desestruturação social de muitas comunidades”, acrescentou.

O procurador acredita que qualquer solução para a crise no território indígena não passa pela legalização do garimpo na região.

“Os impactos do garimpo são muito mais intensos quando a gente fala da população Yanomami. E a possibilidade de fiscalização desse tipo de atividade no meio da Floresta Amazônica é muito baixa. Então, é uma receita para o desastre colocar garimpo ali”, criticou.

Para Marugal, somente agora, em 2023, o governo federal implantou um plano de ação visando combater o garimpo ilegal, o que tem levado à expulsão de 80% dos invasores do território.

Na avaliação do senador Beto Faro (PT-PA), a ingerência da gestão Bolsonaro no caso é mais uma catástrofe na lista de descasos do governo anterior.

“A crise humanitária no território Yanomami tem principalmente a digital do governo Bolsonaro, que não se importou com a situação dos indígenas. Pelo contrário, não agiu com um mínimo de rigor para resolver a situação. O caso é mais um para a imensa ficha corrida da pior gestão que o Brasil já teve”, denunciou o senador.

Genocídio
Presidente da Funai nos anos de 1995 e 1996 (governo FHC), Márcio Santilli classificou a crise no território indígena como genocídio.

“Temos acompanhado a evolução da escalada nesse processo de genocídio nos últimos anos com muita preocupação, e nos espanta o fato de que, apesar de terem sido feitas inúmeras denúncias ao longo desses últimos três anos, só agora, após a mudança de governo, vieram a público relatórios mais recentes sobre o óbito de 570 crianças nos últimos dois anos”, lamentou.

Santilli também mostrou gráficos comprovando que, nos últimos anos, houve uma escalada “brutal inédita” na devastação de áreas do território Yanomami. Ao mesmo tempo, também aumentaram na região os casos de malária, mostrando que há uma correlação direta entre a presença dos invasores e o agravamento da situação de saúde das comunidades mais afetadas.

“Espero ardorosamente que o governo federal e também o Congresso Nacional – e especificamente essa Comissão – possam formular um conjunto de propostas que levem à superação desse estado de genocídio que tem sido constatado e, ao mesmo tempo, que abra uma perspectiva para a implementação de novas políticas e do próprio processo de gestão do território ianomâmi para que tal situação não volte a ocorrer no futuro”, disse.

Siga o ouro
Além da audiência, a comissão temporária que acompanha a situação dos Yanomami aprovou requerimentos hoje. Um deles solicita a realização de audiência pública para discutir as providências adotadas pelo governo Lula para a rastreabilidade do ouro extraído ilegalmente do território indígena.

O objetivo é descobrir informações como destino e valores dessas comercializações.

Os senadores ainda aprovaram um requerimento para que a ministra da Saúde, Nísia Trindade, forneça dados sobre a crise sanitária na Terra Indígena. Entre eles, informações sobre a cobertura vacinal da população, a quantidade de óbitos associados à desnutrição infantil, se foi feito algum estudo sobre a contaminação de mercúrio na região e relatos de ocorrências de abandonos e de destruição de postos nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas.

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