Além de fome e mortes por doenças, o governo Bolsonaro incentivou o aumento da violência e do desmatamento no território Yanomami de Roraima. As denúncias foram feitas pelos próprios representantes dos indígenas que vivem na região, durante audiência pública no Senado nesta quinta-feira (16).
“Durante os últimos quatro anos, o governo anterior incentivou o garimpo ilegal. Fez de tudo para legaliza-lo na nossa região. Os garimpeiros chegavam lá dizendo para as comunidades que o presidente havia legalizado. Mas não é verdade. Mentem. Governo anterior incentivou a violência nas terras indígenas Yanomami”, afirmou Júlio David Magalhães, presidente da Associação Wanasseduume Ye’kwana.
O apoio à atividade de forma ilegal e o desprezo por indígenas de Bolsonaro não é recente. Em 1993, quando ainda era deputado federal, propôs um projeto para acabar com a Terra Indígena Yanomami – justificando, na época, ser uma área riquíssima em madeiras nobres e metais raros.
Como presidente, não foi diferente. Bolsonaro sempre deixou claro que não haveriam demarcações de terras indígenas em seu governo. No ano passado, veio a cereja do bolo: assinou um decreto instituindo um programa de apoio à “mineração artesanal”. Na prática, a iniciativa foi uma autorização para o garimpo ilegal, de acordo com especialistas.
O resultado mais do que conhecido foi o aumento das mortes de indígenas por doenças como malária e por contaminação por mercúrio (usado por garimpeiros nos rios), abuso sexual de meninas Yanomami, violência desenfreada e desmatamento.
“Gostaria que vocês [senadores] investigassem quem são os autores desses crimes que estão fazendo na terra indígena”, suplicou Júlio.
A audiência pública foi promovida pela comissão temporária que acompanha a crise sanitária e humanitária que afeta o povo Yanomami de Roraima.
Desmatamento
O descaso ambiental foi criticado. De acordo com Dário Vitorio Kapenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, a gestão anterior deixou graves cicatrizes no território. Dados apresentados por ele afirmam que o desmatamento na região era de 1.200 hectares. Já nos últimos quatro anos, passou para 4.200: um aumento de 300%.
“Hoje, uma situação de muita vulnerabilidade. Estamos falando sobre a crise. Não é de décadas. É recente. [Foi nos] últimos quatro anos que sofremos, fomos massacrados, discriminados por atividade de garimpo ilegal. Isso é demonstrado pelos nossos familiares morrendo contaminados. Nossos rios destruídos. Nossas casas, nossos animais estão correndo risco”, denunciou Dário.
Apenas entre os anos de 2021 e 2022, o desmatamento por garimpo na Terra Indígena Yanomami aumentou em 25%, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Os dados brutos do instituto diferem dos apresentados por Dário, mas mostram igualmente um cenário aterrador: nos últimos quatro anos, 950 hectares da floresta foram derrubados pelo desmatamento.
Saúde em risco
Outra área criticamente afetada foi a da saúde. Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena, relatou um cenário caótico na região.
De acordo com ele, unidades básicas de saúde que funcionavam normalmente fecharam após a invasão em massa de garimpeiros. Aqui, mais um fator influenciado pela violência: Júnior afirma que os próprios invasores queimavam os postos de atendimento, assustando os profissionais que atuavam nesses locais.
“[Ficamos] sem atendimento de profissionais de saúde, médicos. O povo ficou prejudicado. Crianças não receberam nenhum tipo de atendimento e muitas morreram também por falta de medicamentos”, disse.
Júnior afirma que foram feitas várias denúncias às autoridades nos últimos anos, mas nada foi feito. Isso mesmo após visitas de representantes do governo federal.
“O governo passado visitou o local. Eles viram o sofrimento da população Yanomami. Tinham conhecimento do que estava acontecendo. Nossa água foi contaminada, por isso crianças ficaram desnutridas e passaram fome. Muitos garimpeiros entraram na nossa comunidade, afastaram os animais que a gente buscava para se alimentar e nossos peixes morreram contaminados por mercúrio”, lamentou.
O indígena afirma que há comunidades onde toda a população está contaminada por mercúrio, onde “com certeza têm algo estranho, inclusive com crianças nascendo com má formação”.
Outra denúncia é de que há mais crianças mortas nos últimos quatro anos do que o registrado oficialmente. Dados obtidos pelo site Sumaúma apontam que 570 pequenos e pequenas vieram a óbito por causas que poderiam ter sido evitadas. Mas, segundo Júnior, o número pode ser muito maior.
“Tem mais 200 crianças [mortas] que ainda não foram registradas. Médicos não presenciaram, mas Yanomamis informaram que crianças morreram por falta de assistência médica nas comunidades”, disse.
Os indígenas que participaram da audiência pediram que as autoridades, até mesmo, recolham os objetos deixados por garimpeiros. Mateus Ricardo Sanuma, da Associação Sanuma, afirmou que há casos até de mortes.
“Gostaria que, quando os expulsassem, retirassem também os materiais que deixam lá. Tivemos até a morte de um líder há pouco tempo. Deixaram canoa lá cheia de bebida. Os indígenas beberam, ficaram tão embriagados que acabou um matando o outro”, afirmou.