“Democracia não é mercadoria. Não se vende reforma da previdência como se vende margarina. Não se fazem reformas apelando para o que há de mais deplorável no sistema político brasileiro como o clientelismo político. Não se faz uma reforma sem a legitimidade do voto popular”. A crítica foi proferida na sexta audiência pública da CPI da Previdência, realizada nesta segunda-feira (22), os convidados pediram cautela nos debates referentes a reforma do sistema previdenciário brasileiro.
De acordo com os palestrantes, por afetar diretamente na vida dos cidadãos brasileiros, a alteração das regras de acesso à aposentadoria tem o poder de melhorar ou piorar os índices econômicos.
O regime geral de previdência social, lembrou Eduardo Fagnani, professor da Universidade de Campinas, afeta direta e indiretamente mais de 100 milhões de pessoas de todo o País.
“Ninguém pode ser contra a reforma. Eu sou a favor da reforma. Reformas são necessárias. Mas qual reforma? Uma reforma apenas fiscalista? Reformas desse tipo exigem debate. Vamos fazer uma reforma que promoverá impactos daqui a 40 anos? Nós temos capacidade de fazer uma reforma como essa a toque de caixa nesse momento? ”, indagou.
Nos últimos 20 anos, segundo Fagnani, o Brasil passou por quatro grandes reformas previdenciárias que, aparentemente, para o atual governo “não valeram de nada”.
“O diagnóstico [do governo] é questionável e as propostas são excludentes. É uma reforma draconiana, que atinge os pobres, trata de forma igual os desiguais. Exige do trabalhador rural do Nordeste regras semelhantes a um promotor público de São Paulo. Isso é justo? ”, questiona.
Na avaliação do presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o acerto (reforma) da Previdência Social não deve recair sobre os trabalhadores mais pobres. “Isso é evidente. Deve haver uma racionalidade muito grande. Precisamos refletir muito. A reforma da Previdência pode viabilizar o crescimento econômico ou inviabilizar”, apontou.
Fábio Granja, secretário de Controle Externo da Previdência, do Trabalho e da Assistência Social do TCU, rebateu a tese de que o crescimento do gasto do regime geral se dá apenas por conta da mudança demográfica, pela baixa taxa de fecundidade e pelo aumento da expectativa de vida, ainda não é esse o problema.
“Isso vai impactar muito um pouco mais a frente. No curto prazo, impactam as questões conjunturais, problemas de gestão e desenho da política previdenciária. Se existe a possibilidade de aposentadoria precoce, que um segmento não contribua, abre-se o incentivo para que uma pessoa deixe de se aposentar numa área e se aposente em outra”, defendeu.
O secretário do TCU ainda mostrou preocupação com regimes de previdência próprios de estados e municípios. “Pouco se fala neles. O perigo é grande pela elevação do déficit atuarial, baixo nível de controle e informações incompletas”, diz.
O senador José Pimentel (PT-CE), ex-ministro da Previdência, criticou as propagandas realizadas com dinheiro público pelo governo federal em defesa da PEC 287/2017, fez um relato das diversas atualizações pelas quais a Previdência Social passou na última década e afirmou que esse tipo de reforma só poderia sair da “cabeça de um indivíduo que na madrugada se reúne com um fraudador”, disse, em referência ao encontro entre Joesley Batista e Michel Temer.
“Evidente que a Previdência precisa sempre de ajuste. Mas essa malvadeza que estão fazendo em cima dos mais pobres, sem olhar para os controles é que tem me deixado indignado. Principalmente para quem passou por ali e coordenou uma Previdência que era considerada irrecuperável”, disse.
CPI não pode parar
O presidente da CPI, senador Paulo Paim (PT-RS) afirmou que a ideia da comissão não é de fazer do colegiado uma tribuna de disputa partidária e ideológica, apesar da preocupação com a atual situação política nacional. E, como parte do processo de busca para uma alternativa à crise pela qual passa o País, ele defende a continuidade dos trabalhos do colegiado.
“A CPI não pode parar. Ela é fundamental. Temos que investigar. O país, de fato, está sangrando. É só ver o prejuízo que nós estamos tendo no mercado internacional e na realidade local. Investimentos congelados, o desemprego aumenta. Nossa preocupação é enorme. Discute-se a realização de eleições diretas ou indiretas. Espero que haja grandeza política para o Congresso para construção da alternativa [à crise]”, disse.
Agronegócio exportador não contribui à Previdência
José Pimentel ainda denunciou uma manobra em andamento que envolvia o governo, o setor do agronegócio e parlamentares da bancada ruralista no Congresso Nacional. Nessa negociação, estavam em jogo o perdão das dívidas das empresas do agronegócio exportador relacionadas a emenda constitucional 33/2001 e, em troca, os parlamentares ligados ao agronegócio votariam favoravelmente as reformas trabalhistas e previdenciária.
“Todo o agronegócio exportador da JBS, desde 2001, não paga um centavo para a Previdência Social. Assim, o dinheiro dos trabalhadores subsidia um dos setores mais lucrativos da nossa economia. O agronegócio exportador que deveria pagar 2% sobre o faturamento para o Funrural, como determinou o constituinte de 1988, não o faz. No início dos anos 90, o setor entrou com ações na justiça e há 15 dias, o Supremo Tribunal Federal determinou que o valor seja pago”, explicou o senador.
O Funrural é uma contribuição social destinada a custear a seguridade (INSS) geral.