O Ministério divulgou nesta quarta-feira (20) protocolo que libera no Sistema Único de Saúde (SUS) o uso de cloroquina até em casos leves de Covid-19, apesar de estudos internacionais ainda não comprovarem a eficácia do remédio. Até então, o protocolo previa os remédios para casos graves.
A mudança atende a apelo de Bolsonaro que vem defendendo a utilização do medicamento, mesmo em casos leves, sem nenhuma comprovação de sua eficácia contra o novo Coronavírus. A alteração do protocolo ocorre justamente quando o Ministério da Saúde está sob comando interino do general Eduardo Pazuello, que não é médico.
“A liberação da cloroquina é um ato político desprovido de amparo científico. Bolsonaro brinca com a vida dos brasileiros. Volta com a falsa esperança da cloroquina e ainda tenta se livrar através de uma medida provisória da responsabilidade das quase 18 mil mortes até agora”, criticou o líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE).
O líder aponta a conexão entre a nova medida de Bolsonaro com a Medida Provisória (MP 966), editada na última semana, para livrar agentes públicos de punição por erros ou omissões em ações de combate à pandemia. O Supremo Tribunal Federal (STF) julga, ainda hoje, a validade da MP.
O documento divulgado pelo governo Bolsonaro alerta que não há garantia de cura com a utilização da droga e aponta que o medicamento pode até levar, até mesmo, à morte do paciente.
Outro detalhe do documento é que o paciente precisa assinar um termo se responsabilizando pelas reações ocorridas pela ingestão da cloroquina, podendo ir da “disfunção grave de órgãos, ao prolongamento da internação, à incapacidade temporária ou permanente, até ao óbito”.
Também chama a atenção o fato de nenhum médico especialista ter assinado o novo protocolo adotado pelo governo.
O senador Jaques Wagner (PT-BA) lamentou o fato de Jair Bolsonaro ter tornado a discussão em torno de um medicamento numa espécie de disputa entre rivais. Ontem, dia em que o Brasil passou pela primeira vez a marca de mil registros diários de mortes pela Covid-19, Bolsonaro chegou a fazer uma piada afirmando que as pessoas de direita tomariam cloroquina e as pessoas de esquerda tomariam tubaína, uma marca de refrigerantes.
“Medicina não é Ba-Vi. Não é torcida. Como disse o Drauzio Varella, também não é uma questão política. Não importa em quem você votou em 2018. A cloroquina não tem relação com candidatos, mas com a vida das pessoas”, disse.
Para senador o senador Humberto Costa (PT-PE), a decisão de Bolsonaro expõe a ausência de um plano do atual governo para o enfrentamento da pandemia e, com isso, o Presidente da República corre atrás de uma “droga milagrosa” que acaba expondo as pessoas a “sério risco”.
“O Presidente da República não é cientista, não é médico. Não deveria caber a ele essa decisão. Esse protocolo não contou com respaldo de nenhuma área técnica do Ministério [da Saúde], não tem assinatura de nenhum técnico respeitado. Esse medicamento pode produzir problemas cardíacos, alterações sanguíneas, crises convulsivas, até mesmo, levar a morte. O presidente não tem um projeto para o enfrentamento da pandemia e fica buscando drogas milagrosas expondo as pessoas a sério risco”, enfatizou.
Interesses financeiros
Reportagem publicada no início de abril pelo The New York Times apontou indícios de interesses financeiros escondidos atrás da defesa da cloroquina. De acordo com a publicação, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump recebeu doações eleitorais da empresa que é acionista da Sanofi, produz a cloroquina na França e vende no mercado internacional.
Além disso, a própria família Trump teria investimentos em um fundo mútuo, Dodge & Cox, cuja maior participação era na Sanofi.
Entre suas defesas da cloroquina, Bolsonaro ressaltou ter conversado sobre a medicação com “dezenas médicos e alguns chefes de estados”, entre eles o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi.
Na mesma semana, Bolsonaro fez um pronunciamento em que agradeceu o presidente da Índia pelo envio de insumos para fabricação da cloroquina no Brasil.
Já reportagem da Folha de S. Paulo, do último dia 17 de maio, aponta que a fabricação do medicamento pelas Forças Armadas, defendida por Bolsonaro, ainda não tem uma previsão total de gastos definida. A mesma matéria afirma que o governo brasileiro pagou um valor seis vezes superior, em relação ao preço pago a um ano atrás, pela importação dos insumos.
O Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército comprou em maio 500 quilos do sal difosfato, a matéria-prima da cloroquina. A encomenda saiu por R$ 652 mil. O preço do quilo (R$ 1.304) é quase seis vezes aquele pago pelo Ministério da Saúde em contrato assinado em maio de 2019, quando o governo federal desembolsou R$ 219,98 por quilo.
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