Educação

Homeschooling priva jovens do convívio coletivo e impede aprendizado com as diferenças, alerta Teresa Leitão

Senadora criticou proposta conservadora de regulamentação do ensino domiciliar no Brasil. Projeto está em debate na Comissão de Educação do Senado

Alessandro Dantas

Homeschooling priva jovens do convívio coletivo e impede aprendizado com as diferenças, alerta Teresa Leitão

Senadora Teresa Leitão alerta para possibilidade de regulamentação do ensino domiciliar ampliar desigualdade no acesso à educação

A Comissão de Educação (CE) do Senado tem realizado um ciclo de debates para analisar proposta de regulamentação do ensino domiciliar (homeschooling) no país (PL 1338/2022). Nesta segunda-feira (4/12), o colegiado realizou a segunda audiência pública sobre o tema. 

Assim como na primeira audiência pública, a maior parte dos debatedores se posicionou contra o projeto que permite a oferta do homeschooling, por considerarem a medida equivocada do ponto de vista educacional, numa contraposição de família e escola, quando são ambas necessárias.  

A senadora Teresa Leitão (PT-PE), vice-líder do PT no Senado, também é contrária ao avanço de proposta no Senado Federal. Na avaliação da parlamentar, além de ter origem numa pauta conservadora, a ideia priva as crianças do convívio coletivo proporcionado pelo ambiente escolar.  

“Privar crianças e jovens de conviver em coletividade é reduzir as oportunidades de lidar e aprender com diferenças. Outro ponto recai sobre a aprendizagem em si. Como vamos garantir formação adequada se ela é oferecida por quem sequer dispõe de recursos pedagógicos para isso?”, questiona Teresa.  

Outra possibilidade que o projeto abre, segundo Teresa Leitão, é o fato de mais uma tarefa recair sobre a figura da mulher, já sobrecarregada com as jornadas duplas e, até mesmo, triplas. 

“É preciso atenção sobre para quem recairá a responsabilidade de ensinar nas famílias. Serão as mulheres que vão precisar ampliar ainda mais suas jornadas? Isso vai acentuar mais divisão sexual do trabalho e tornará mais desafiadora a possibilidade de elas se inserirem no mercado de trabalho e conquistarem autonomia financeira e independência”, alertou a senadora. 

Durante o debate desta segunda-feira, a coordenadora-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, mencionou nota técnica elaborada pela organização, com 14 pontos que embasam a posição contrária à medida. Ela disse que a educação inclusiva é um direito de todos e, por isso, as crianças devem estar nas escolas e em processo de socialização.  

Andressa Pellanda destacou que o Estado é responsável pela garantia de direitos, além de ter a obrigação de proteger as crianças e adolescentes nas escolas, e que, sem a escola, o poder público não teria como defender quem estuda em casa de eventuais casos de violência ou abuso. 

“Na educação domiciliar, a responsabilidade fica muito mais sobre o estudante do que sobre a estrutura que garante um corpo de profissionais dedicados em várias áreas. Educação domiciliar traz privações, que vão desde tirar a criança do espaço público à imposição de interesses mercadológicos. O modelo educacional deve ser escolha das famílias, ou seja, a gente já permite que essa opção aconteça. Essa agenda [do homeschooling] tem tomado muito mais lugar do que deveria”, criticou. 

Estado deve garantir direito à educação 

Ex-presidente da Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae), Romualdo Portela de Oliveira classificou de equivocado o conceito geral de “família contra escola” e avaliou como fundamental a convivência dos menores com adultos, como os professores, para a formação do caráter.  

O debatedor frisou que o Estado tem o dever de garantir o direito à educação e à segurança na escola e considerou a ideia da educação domiciliar um elemento que priva o aluno da vivência em sociedade.  

Para Oliveira, o homeschooling leva os estudantes a não conviverem com o diferente e a não serem habilitados na cultura do respeito com os diferentes modos de encarar a vida. 

“Nessa perspectiva, a educação domiciliar é uma privação de direitos. É inapropriado a gente autorizar essa metodologia”, declarou. 

Secretária-executiva da Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação, Bárbara Lopes considerou o projeto um potencial “desorganizador” do sistema nacional de educação. Ela afirmou que o papel agregador da escola vem sofrendo ataques e perseguição por quem defende o ensino domiciliar.  

Bárbara ainda disse que tem se empenhado para fortalecer a atuação dos educadores verdadeiramente comprometidos com uma educação que supere as desigualdades. Ela ressaltou que o direito à educação pública, constante na Constituição, faz parte de um objetivo amplo de se construir uma sociedade menos desigual. 

“Vemos com preocupação a possibilidade de regulação do ensino domiciliar, já que a medida prejudica a construção de uma sociedade mais justa. Educação domiciliar pode resultar em controle disciplinar dos corpos, quando, por exemplo, pais decidem que suas filhas não podem conviver com meninos. Segrega estudantes, enfraquece o caráter público da educação, bem como a democratização da convivência”, disse. 

Educação de crianças com deficiência 

Coautora do projeto “Eu me protejo”, Patrícia Almeida defendeu o ensino na escola, inclusive para crianças com deficiência. Segundo a debatedora, é fundamental se ensinar o respeito em todas as faixas etárias e deixar os estudantes saírem de casa para que eles aprendam a conviver com o diferente. 

“Enquanto pais de crianças com deficiência, achamos que o Estado deve estar preparado para tornar aquela criança preparada para explorar todo o seu potencial. Criança com autismo [por exemplo] tem o mesmo direito de acesso ao que todas as demais têm, e a gente não pode abrir mão da escola regular para todos. Precisamos impedir que a criança seja monopólio da família. Ensino em casa não é melhor porque é na escola que crianças aprendem a conviver e a construir a sociedade independente que desejamos conquistar”, disse. 

Com informações da Agência Senado 

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