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O maior especialista em movimentos nascidos em redes sociais da atualidade, Manuel Castells analisou a onda de protestos que tomou conta das ruas do País nas últimas semanas. Em entrevista publicada na edição deste fim de semana da revista Istoé, Castells disse que o movimento surgiu a partir da reivindicação do transporte gratuito, porque querem que “o direito à mobilidade é um direito universal”. “Além disso, por causa da mobilização, a presidenta Dilma Rousseff também está propondo novos investimentos em saúde e educação. Como leva muito tempo para obter resultados, é hora de começar rapidamente”, acrescentou.
Castells considerou acertada a atuação da presidenta Dilma Rousseff em articular respostas ao movimento e disse que ela é uma “verdadeira democrata”. “[Dilma] é a primeira líder mundial que presta atenção, que ouve as demandas das pessoas nas ruas”, afirmou.
Sobre a reforma política, o analista ponderou que a presidenta está “absolutamente certa”. Entretanto, advertiu que ela poderá encontrar dificuldades durante o processo dentro do Congresso Nacional, inclusive na própria base de apoio.
Manuel Castells analisou outros movimentos semelhantes, como a Primavera Árabe, o Occupy, nos Estados Unidos, os Indignados, na Espanha, e agora também acompanha a defesa da Praça Taksim, na Turquia. Autor de 23 livros, Castells é sociólogo e foi professor da Universiade de Berkeley, na Califórnia, por 24 anos. Atualmente é professor da Universidade Aberta da Catalunha e da Universidade do Sul da Califórnia, em Los Angeles, nos Estados Unidos.
Confira a íntegra da entrevista com Manuel Castells:
“Dilma é a primeira líder mundial a ouvir as ruas”
O sociólogo espanhol Manuel Castells, 68 anos, estava no Brasil participando de uma série de conferências quando os protestos pela redução das tarifas de ônibus começaram, ainda tímidos, em São Paulo. Um dos maiores especialistas da atualidade em movimentos sociais na era da internet, nem ele podia imaginar que o País todo seria tomado por uma onda de passeatas que se transformaria na mais importante manifestação política da sociedade brasileira em 20 anos. “Se querem mudanças, não bastam somente as críticas na internet. É preciso tornar-se visível, desafiar a ordem estabelecida e forçar um diálogo”, afirma o sociólogo.
Castells analisou outros movimentos semelhantes, como a Primavera Árabe, o Occupy, nos Estados Unidos, os Indignados, na Espanha, e agora também acompanha a defesa da Praça Taksim, na Turquia. Com extenso e respeitado trabalho sobre o papel das novas tecnologias de informação e comunicação, o sociólogo diz que a grande força desses movimentos é a ausência de líderes e enxerga um esgotamento do modelo atual de representatividade. Autor de 23 livros, ele lança em breve “Redes de Indignação e Esperança – Movimentos Sociais na Era da Internet” (Zahar Editora).
Castells foi professor da Universiade de Berkeley, na Califórnia, por 24 anos. Atualmente, vive em Barcelona, na Espanha, de onde falou à ISTOÉ por e-mail, e é professor da Universidade Aberta da Catalunha e da Universidade do Sul da Califórnia, em Los Angeles, nos Estados Unidos.
Istoé -O sr. estava no Brasil quando ocorreram os primeiros protestos em São Paulo. Podia imaginar que eles tomariam essa proporção?
Manuel Castells – Ninguém podia. Mas o que eu imaginava, e pesquisei durante vários anos, é que a crise de legitimidade política e a capacidade de se comunicar através da internet e de dispositivos móveis levam à possibilidade de que surjam movimentos sociais espontâneos a qualquer momento e em qualquer lugar. Porque razões para indignação existem em todos os lugares.
O Brasil reduziu muito a desigualdade social nos últimos anos e tem pleno emprego. Como explicar tamanho descontentamento?
A juventude em São Paulo foi explícita: “Não é só sobre centavos, é sobre os nossos direitos.” É um grito de “basta!” contra a corrupção, arrogância, e às vezes a brutalidade dos políticos e sua polícia.
Faz sentido continuar nas ruas se os problemas da saúde e da educação não podem ser resolvidos rapidamente, como o das passagens de ônibus?
Em primeiro lugar, o movimento quer transporte gratuito, pois afirma que o direito à mobilidade é um direito universal. Os problemas de transporte que tornam a vida nas cidades uma desgraça são consequência da especulação imobiliária, que constrói o município irracionalmente, e de planejamento local ruim, por causa da subserviência dos prefeitos e suas equipes aos interesses do mercado imobiliário, não dos cidadãos. Além disso, por causa da mobilização, a presidenta Dilma Rousseff também está propondo novos investimentos em saúde e educação. Como leva muito tempo para obter resultados, é hora de começar rapidamente.
A presidenta Dilma agiu corretamente ao falar na tevê à nação, convocar reuniões com governadores, prefeitos e manifestantes para propor um pacto?
Com certeza, ela é a primeira líder mundial que presta atenção, que ouve as demandas de pessoas nas ruas. Ela mostrou que é uma verdadeira democrata, mas ela está sendo esfaqueada pelas costas por políticos tradicionais. As declarações de José Serra (o ex-governador tucano criticou as iniciativas anunciadas pela presidenta) são típicas de falta de prestação de contas dos políticos e da incompreensão deles sobre o direito das pessoas de decidir. Os cargos políticos não são de propriedade de políticos. Eles são pagos pelos cidadãos que os elegem. E os cidadãos vão se lembrar de quem disse o quê nesta crise quando a eleição chegar.
Como comparar o movimento brasileiro com os que ocorreram no resto do mundo?
Houve milhões de pessoas protestando dessa forma durante semanas e meses em países de todo o mundo. Nos Estados Unidos, por exemplo, mais de mil cidades foram ocupadas entre setembro de 2011 e março de 2012. A diferença no Brasil é que uma presidenta democrática como Dilma Rousseff e um punhado de políticos verdadeiramente democráticos, como Marina Silva, estão aceitando o direito dos cidadãos de se expressar fora dos canais burocráticos controlados. Esse é o verdadeiro significado do movimento brasileiro: ele mostra que ainda há esperança de se reconectar instituições e cidadãos, se houver boa vontade de ambos os lados.
O que é determinante para o sucesso desses movimentos convocados pela internet?
Que as demandas ressoem para um grande número de pessoas, que não haja políticos envolvidos e que não haja líderes manipulando. Pessoas que se sentem fortes apoiam umas às outras como redes de indivíduos, não como massas que seguem qualquer bandeira. Cada um é seu próprio movimento. A brutalidade policial também ajuda a espalhar o movimento através de imagens na internet difundidas por telefones celulares.
Por que tantos protestos acabam em saques e depredações? Como evitar que marginais se aproveitem do movimento?
Há violência e vandalismo na sociedade. É impossível preveni-los, embora os movimentos em toda parte tentem controlá-los porque eles sabem que a violência é a força mais destrutiva de um movimento social. Às vezes, em alguns países, provocadores apoiados pela polícia criam a violência para deslegitimar o movimento.
Como a polícia deve agir?
Intervir de forma seletiva, com cuidado, profissionalmente, apenas contra os provocadores e os grupos violentos. Nunca, nunca disparar armas letais, e se conter para não bater indiscriminadamente em manifestantes pacíficos. A polícia é uma das razões pelas quais as pessoas protestam.
A ausência de líderes enfraquece o movimento?
Pelo contrário, este é o vigor do movimento. Todo mundo é o seu próprio líder.
Mas isso não inviabiliza a negociação com a elite política?
Não, a prova disso é que a presidenta Dilma Rousseff se reuniu com alguns representantes do movimento.
Qual é a grande força e a grande fraqueza desses movimentos?
A grande força é que eles são espontâneos, livres, festivos, é uma celebração da liberdade. A fraqueza não é deles, a fraqueza são a estupidez e a arrogância da classe política que é insensível às demandas autônomas de cidadãos.
No Brasil, partidos políticos foram banidos das manifestações e há quem enxergue nisso o perigo de um golpe. Faz sentido essa preocupação?
Não há perigo de um golpe de Estado. Os corruptos e antidemocráticos já estão no poder: eles são a classe política.
Como resolver a crise de representatividade da classe política?
Com reforma política, com uma Assembleia Constituinte e um referendo. A presidenta Dilma Rousseff está absolutamente certa, mas, nesse sentido, ela será destruída por sua própria base.
Essas manifestações articuladas através das redes sociais demandam uma nova forma de participação dos cidadãos nos processos de decisão do Estado? Qual?
Sim, esta é a nova forma de participação política emergente em toda parte. Analisei este mundo em meu livro mais recente.
O que há em comum entre os movimentos sociais contemporâneos?
Redes na internet, presença no espaço urbano, ausência de liderança, autonomia, ausência de temor, além de abrangência de toda a sociedade e não apenas um grupo. Em grande parte os movimentos são liderados pela juventude e estão à procura de uma nova democracia.
O movimento Occupy, nos EUA, foi derrotado pela chegada do inverno. Que legado deixou?
Deixou novos valores, uma nova consciência para a maioria dos americanos.
Os Indignados espanhóis conseguiram alguma vitória?
Muitas vitórias, especialmente em matéria de direito de hipoteca e despejos de habitação e uma nova compreensão completa da democracia na maioria da população.
Que paralelos o sr. vê entre o movimento turco e o brasileiro?
São muito similares. São igualmente poderosos, mas a Turquia tem um primeiro-ministro fundamentalista islâmico semifascista e o Brasil, uma presidenta verdadeiramente democrática. Isso faz toda a diferença.
Acredita que essa onda de protestos se espalhará para outros países da América Latina?
Há um movimento estudantil forte no Chile, e embriões surgindo na Colômbia, no México e no Uruguai.
Países que controlam a internet, como a China, estão livres dessas manifestações?
Não, isso é um erro da imprensa ocidental. Há muitas manifestações na China, também organizadas na internet, como a da cidade de Guangzhou (no sul do país), em janeiro passado, pela liberdade de imprensa (o editorial de um jornal foi censurado e isso motivou as primeiras manifestações pela liberdade de expressão na China em décadas. Pelo menos 12 pessoas foram detidas, acusadas de subversão).
Como o sr. vê o futuro?
Eu não gosto de falar sobre o futuro, mas acredito que ele será mais brilhante agora porque as sociedades estão despertando através desses movimentos sociais em rede.
Foto: Sul21