Direitos Humanos

Deslocamentos internos gerados por tragédias exigem novas políticas, defendem debatedores

Durante audiência no Senado, representantes da ONU defendem política nacional para deslocados internos, garantindo não apenas assentamentos, mas combate à discriminação contra essas pessoas

Geraldo Magela/Agência Senado

Deslocamentos internos gerados por tragédias exigem novas políticas, defendem debatedores

Em audiência no Senado, debatedores trataram de projeto de Paulo Paim que cria a Política Nacional para Deslocados Internos (PL 2.038/2024)

A tragédia que afetou o Rio Grande do Sul, no primeiro semestre deste ano, deixou como marca o deslocamento forçado de mais de 600 mil pessoas. A necessidade de cuidado com essas pessoas e a implementação de uma política nacional específica foi tema de debate nesta segunda-feira (2/9), no Senado.

A audiência foi promovida pela Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados (CMMIR) do Congresso Nacional. Durante o encontro, os debatedores trataram de ações necessárias para garantir desde assentamentos para deslocados internos a ações que visem combater a discriminação contra essas pessoas.

Autor de um projeto de lei que cria a Política Nacional para Deslocados Internos (PL 2.038/2024), o senador Paulo Paim (PT-RS), que presidiu a audiência, destacou a necessidade da adoção o quanto antes de ações para essas pessoas e lembrou a mudança de perfil dos deslocados internos no Brasil nos últimos tempos.

“Ao longo dos anos, os deslocamentos internos no Brasil foram motivados principalmente por fatores econômicos. Porém temos identificado que as calamidades humanas, como o rompimento de barragens, a exemplo de Brumadinho, e outras calamidades naturais, como enchentes e secas, tem tomado o protagonismo desse processo”, disse.

Ele citou como exemplo o caso do Rio Grande do Sul, que provocou, pela primeira vez, deslocamentos internos em massa por efeitos climáticos. No entanto, ele aponta que este é um problema que também afeta outros estados, como aqueles que têm a seca como realidade constante.

Sobre o tema, Paim reforça que sabe do compromisso do governo Lula com as pessoas que passam por essas tragédias. “Eu sei que o presidente Lula e todo o governo brasileiro querem caminhos na linha humanitária, que realmente proteja a todos”, disse.

Políticas públicas

Relatora especial das Nações Unidas sobre deslocados internos, Paula Gaviria Betancur defende que a resposta aos deslocamentos deve vir a partir de diversas políticas públicas combinadas que enfrentem suas causas.

“Uma política eficaz deve produzir medidas que enfrentem os fatores subjacentes do deslocamento, medidas como a mitigação das mudanças climáticas; aumentar a coesão social; fortalecer mecanismos locais de resolução de conflitos; sempre garantir a participação e o consentimento das comunidades afetadas Uma única lei não soluciona todos os problemas”, disse a relatora da ONU, destacando que o projeto de Paim está “seguindo por um bom caminho”.

Para ela, é preciso garantir direitos desses deslocados – como soluções para assentamentos –, mas também promover ações contra o preconceito a pessoas nessa condição.

“[É preciso] garantir que não sofram qualquer tipo de discriminação quando exercerem os seus direitos. Por isso, se fala no conceito de soluções duradouras que façam com que as pessoas possam desfrutar de segurança e proteção no longo prazo para que possam viver sem discriminação, que possam ter acesso a meio de subsistência e emprego, que possam restabelecer o seu direito à habitação, à terra e à propriedade, que possam ter acesso à documentação, que possam ter a reunificação familiar e possam participar dos assuntos públicos, livres de discriminação e com acesso à Justiça”, disse Paula.

Planejamento de contingências

A oficial de Proteção do Acnur Brasil (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) Silvia Sander elogiou a proposta de Paim por se inspirar nos Princípios Orientadores relativos aos Deslocados Internos da ONU. Tanto o projeto de lei quanto os princípios da ONU, por exemplo, atribuem ao Estado a responsabilidade de suprir as diferentes necessidades de cada grupo afetado, como idosos, mulheres e crianças.

No entanto, para Sander, o país precisa amadurecer o planejamento de contingências, que muitas vezes podem ser previstas antecipadamente. 

“É preciso ampliar a lógica de preparação antes do desastre. Talvez nos falte uma discussão mais aprofundada sobre que tipo de medida, não só preventiva, mas também de resposta emergencial, precisa ser adotada quando essas situações acontecerem”, disse a oficial da ONU.

“Quais estruturas já têm que estar preparadas, como abrigamento emergencial, para serem rapidamente ativadas? Quais mecanismos de coordenação têm que ser colocados em funcionamento para definir quem vai fazer o quê, onde e com qual orçamento? Alguns países começaram esses debates há dez anos, outros estão começando mais recentemente, mas o fato é que a gente tem que acelerar essa conversa”, complementa.

Auxílio amplo

A avaliação da representante do Ministério da Justiça, Carolina Morishita Mota Ferreira, é de que a mera indenização em dinheiro não é suficiente para reparar os danos causados pelos acidentes.

Ela lembra que a proposta de Paim foge desse erro ao obrigar as autoridades públicas a prestar auxílios de modo amplo, como a reunificação familiar o mais rapidamente possível. Ela usou os deslocamentos ocorridos em Maceió (AL) após 2018, em decorrência do afundamento do solo em diversos bairros por conta da exploração mineral do sal-gema, como exemplo dos desafios da separação familiar.

Política para deslocados internos

O PL 2.038/2024 reconhece como deslocado interno toda pessoa forçada a abandonar o seu domicílio em consequência de conflito armado, calamidade humana ou natural de grande proporção ou de grave violação de direitos humanos.

O projeto propõe três conceitos-chave para tratar a mobilidade humana das pessoas: regresso, realocação e reintegração.

De acordo com o texto, o regresso corresponde ao “direito sagrado” de a pessoa deslocada voltar ao seu lar, enquanto a realocação é o processo para encontrar em outro estado ou em outra região algum lugar para reconstruir a vida em segurança e estabilidade socioeconômica. Já a reintegração é quando as autoridades estatais, em cooperação com a sociedade civil e internacional, levam a cabo para obter soluções emergenciais e duradouras para o problema que originou o deslocamento.

“Todos esses processos se darão com os cuidados de evitar qualquer forma de deslocamento obrigatório e a violação dos direitos humanos e da liberdade. Só vão se deslocar para outra região ou para outro estado aqueles que assim optarem”, explica o senador, no projeto.

A proposta também aborda a questão dos desaparecidos, garantido o acesso à informação sobre busca, paradeiro e destino dessas pessoas, além de tratamento digno em caso de morte.

A proposta da Política Nacional para Deslocados Internos foi apresentada em maio no Senado e aguarda em quais comissões da Casa irá tramitar.

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