Demóstenes foi flagrado utilizando seu mandato para influenciar decisões favoráveis ao esquema criminoso montado pelo contraventor Carlinhos Cachoeira. Mais que isso, era uma espécie de braço político da rede no Senado. O ex-líder goiano, mentiu para seus pares, e decepcionou aqueles que havia conseguido enganar.
Acusador implacável
Em seu relatório, apresentado há pouco no Conselho de Ética da Casa, Humberto fez questão de lembrar famoso discurso feito no dia 17/08/2006, quando Demóstenes se dizia contrário ao arquivamento de denúncias contra senadores acusados por quebra de decoro parlamentar: “A importância do mandato parlamentar é inquestionável. Não podemos, de forma alguma, ter um desencanto por parte da população em relação à atuação parlamentar, em relação à importância do Parlamento. O Parlamento é soberano e tem funções vitais como a de fiscalizar o Poder Executivo, de manter a estabilidade, com a elaboração de leis e com a revogação de outras, e até de promover investigações quanto a seus próprios membros e quanto a irregularidades praticadas nos Poderes da União” disse então Demóstenes Torres, no papel de maior defensor da moralidade do Parlamento. Na ocasião, disse ainda: “Por isso, a perda de um mandato é de uma gravidade extraordinária. Primeiro, porque quem faz a escolha do Parlamentar é o eleitor. É aquele que vota em um conjunto de proposta e de idéias esperando que o Brasil possa ir adiante e melhorar. E muitos parlamentares têm se descuidado dessa verdadeira missão que a Constituição nos confia e que também devemos trilhar”.
Humberto Costa fez uso deste registro justamente para mostrar que seu parecer é exatamente aquele que o mesmo Demóstenes defendeu no passado: “o Legislativo é soberano”. Humberto faz questão de esclarecer: “Faço esse registro não por sarcasmo ou para demonstrar a ironia da situação, mas principalmente porque ouso concordar com o Senador Demóstenes em sua anterior postura: o Parlamento é soberano e não podemos deixar que ele fique maculado pelo descuido de seus membros à missão que lhe foi confiada”.
Mentiras e mimos
O parecer do relator no Conselho de Ética também demonstra claramente que o acusado mentiu aos seus pares quando, em discurso no plenário do Senado no início de março, garantiu que sua relação com o bicheiro Carlinhos Cachoeira era superficial. Ao contrário disso, o relatório comprova que Demóstenes usou o mandato para defender interesses do contraventor e de sua organização criminosa.
Também deixou claro que o colega goiano reconheceu, no depoimento ao Conselho, ter recebido presentes e vantagens considerados indevidos como foram os casos do rádio Nextel, de uma bem equipada cozinha importada, de um som no valor de R$ 27 mil reais, das cinco garrafas de vinho francês no valor aproximado de quinze mil dólares e de uma mesa argentina que custou 18 mil dólares. Isso sem contar no “subsídio” à festa de formatura da esposa de Demóstenes, Flávia Gonçalves Coelho. Os serviços de queima de fotos foram mais um dos mimos de Cachoeira ao amigo parlamentar.
Diz Humberto, citando de Caetano Veloso a Habermas (teórico de Comunicação da Escola de Frankfurt): “Não pode haver processo democrático se a ‘força da grana’ especialmente do dinheiro sujo, viola a lisura do modo de escolha dos delegados encarregados das tarefas de formação e compromisso, pondo por terra os pressupostos legitimadores da representação equitativa de situações de interesses e preferência dadas; se a sedução do vil metal deixa de garantir a inclusão de todas as perspectivas de interpretação relevantes, mediada através de decisões pessoais”.
Sem recall
“Com efeito”, detalha o parecer do relator, “na medida em que não acolhemos, em nosso ordenamento jurídico, a instituição do recall, outra não é a pretensão do representante (o relator) senão a de submeter ao crivo dos pares do senador Demóstenes Torres – que conformam um órgão de representação popular, o Senado Federal, a conduta de um agente político que, fosse na Atenas Clássica, estaria, guardadas as circunstâncias, submetido a processo exclusão da polis e, me caso de decisão desfavorável, fadado ao ostracismo”.
Para Humberto Costa, a tarefa de julgar o relator é uma forma de responder a perguntas como: Poderia o cidadão Demóstenes Torres, ex-delegado de polícia, duas vezes procurador-geral de Justiça, ostentar a honraria de um mandato senatorial se os cidadãos do Estado de Goiás soubessem de seus compromissos com a viabilização dos interesses de Carlinhos Cachoeira e se soubessem de seus vínculos com os afazeres ocultos de Carlinhos Cachoeira?
E mais: “Como avaliariam os eleitores goianos a contradição entre o senador que, da tribuna, alega ser um paladino na cruzada contra os jogos de azar e, nos corredores e adjacências, empenha-se por sua legalização”?
O relator diz caber aos senadores, dar a resposta “em nome do povo”.
Giselle Chassot
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