A quem interessa o voto secreto no Congresso Nacional? Por que manter o voto secreto? Quem tem medo do voto aberto? Quando o Congresso vai acabar com votações secretas? Mas o voto aberto não é um instrumento da transparência e da verdade? Essas indagações eu tenho ouvido há mais de duas décadas. E com razão.
Os senadores têm agora oportunidade única, eu diria de vanguarda, para colocar o Congresso Nacional muito mais perto dos brasileiros. Acabar com as votações secretas em todas as situações é muito mais do que uma necessidade. É uma exigência da nossa democracia que ainda precisa ser aprimorada.
Em recente pesquisa feita pelo Senado, 98% dos brasileiros pediram o fim do voto secreto. Eu mesmo tenho utilizado as redes sociais, como o Twitter e o Facebook, para saber a opinião dos internautas. Óbvio que não há surpresas: 100% são favoráveis ao voto aberto, sem exceções.
Há de se aplaudir o gesto de várias assembleias legislativas que já liquidaram com as votações secretas, como as do Rio Grande do Sul, do Paraná e de São Paulo, entre outras. Centenas de câmaras municipais não possuem voto secreto e outras tantas estão a caminho de extingui-lo.
Vários parlamentos do mundo não utilizam o voto secreto para apreciação de vetos, emendas, nomeações, indicações, cassações. Nos EUA, ocorreu o processo de impeachment do então presidente democrata Bill Clinton. Ele foi absolvido, inclusive com votos de republicanos.
Quando eleitos, recebemos uma procuração lavrada da população. Há, portanto, uma cumplicidade que, fundamentalmente, não pode contemplar a ocultação de opiniões e decisões.
É nossa obrigação prestar contas à sociedade, à opinião pública, aos eleitores, aos nossos conterrâneos, pois, se fomos eleitos, foi por escolha deles. Única e exclusivamente deles.
Há três propostas que acabam com o voto secreto. Uma é de minha autoria, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 50, de 2006, que é a mais abrangente, mais ampla, em todos os casos. Ela diz que a expressão “por voto secreto” deve ser retirada, de forma definitiva, dos artigos 52, 55 e 66 da Constituição.
Quantas vezes derrubamos vetos presidenciais a projetos de lei que já haviam sido debatidos com a sociedade e aprovados democraticamente com o voto aberto? Nunca. Estou no Congresso há 26 anos e, nesse período, mais de 5 mil vetos foram votados, nenhum foi rejeitado.
Quando o veto é aceito pelos parlamentares, o que havia sido apalavrado lá atrás cai por terra, desmoronando feito castelo de cartas. E a sociedade fica com a impressão de que o Congresso Nacional não é um espaço sério, que legitimamente os represente. A população deve ficar se perguntando: “Afinal, o projeto não havia sido aprovado pelos parlamentares, então, por que o veto ao projeto foi aceito? Qual dos parlamentares mudou de ideia, será que foi o meu?”.
Respeito, mas não concordo com a argumentação de que esse tipo de procedimento é para proteger o parlamentar contra possíveis represálias. Pelo contrário, o voto secreto permite que acusações sejam feitas a bel-prazer, gerando disputas desleais entre forças políticas, pois ninguém sabe e nunca saberá do voto que foi dado.
Nos outros dois poderes não tem voto secreto. As decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) são tomadas ao vivo, transmitidas pela tevê. A Presidência da República veta um projeto e tem que justificar porque vetou. Ou seja, assume publicamente a posição contra ou a favor.
Já os deputados e senadores não têm que explicar nada pra ninguém. Ficam numa posição cômoda, “deitados nos pelegos”, como dizem os gaúchos, na camuflagem do voto secreto.
Perdoe-me quem não concordar. Mas o voto secreto é um instrumento de ditadura, de Estado positivista, centralizador, feudal, que trata o Poder Legislativo como fachada, como mera hospedaria de seus desejos e decisões.
Creio que urge a pergunta: o Congresso Nacional é independente, atua, age com autonomia? Ou é arremedo caricato do Duma, o parlamento russo subjugado, dominado moralmente pelos Czares?
A implantação da votação aberta em todas as situações e instâncias no parlamento brasileiro é fundamental para sua autoafirmação. Será, na expressão latina divortim aquarium, um divisor de águas no aprimoramento da sua transparência.
*Paulo Paim é senador pelo PT do Rio Grande do Sul
*Artigo publicado no jornal Correio Braziliense