A partir de janeiro do próximo ano, o Disque 100 também irá registrar casos e orientar vítimas de tortura. O serviço telefônico da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República foi criado para receber denúncias de crimes e violações dos direitos humanos.
De acordo com dados da secretaria, entre fevereiro de 2011 e fevereiro de 2012, 1.007 queixas de tortura foram anotadas pelo sistema que hoje tem módulos específicos para registro de violações de direitos de crianças e adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, grupos LGBT (lésbica, gays, bissexuais, travestis e transexuais) e pessoas que vivem nas ruas. A maioria dos casos de tortura (65%) é de pessoas presas em cadeia pública, delegacia de polícia e presídio (mais de 48%).
A decisão do Disque 100 de registrar casos de torturas em prisões acontece uma semana depois do Brasil ter acatado sugestões do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU) sobre o sistema prisional brasileiro. Em visita ao Brasil no ano passado, o órgão da ONU identificou a existência de tortura e péssimas condições nos presídios do país.
A ocorrência da tortura em dependências policiais ou presidiárias dificulta as denúncias. Segundo a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, sete de cada dez denúncias foram anônimas. “Essas pessoas não apresentaram identidade porque temem represália. Em geral, estão denunciando agentes que deveriam cumprir a lei”, assinala.
Para José de Jesus Filho, da Pastoral Carcerária (ligada à Igreja Católica), presos torturados e parentes não têm canal para denunciar. “Hoje tem que contar com a sorte. Não existe mecanismo para mostrar essa situação”, salientou. Segundo ele, além da condição prisional, os detentos são vítimas de violência por causa da origem social. “É uma tortura dirigida aos estratos mais baixos. Existe uma concepção de que há uma camada da população brasileira que é torturável.”
De acordo com Jesus Filho, muitos gestores da segurança pública, promotores e juízes toleram que casos de indisciplina e ilegalidades nas prisões tratados com tortura sejam vistos como forma de castigo. “A tortura conta com a conivência. A tendência é que o juiz ou promotor resistam a processar um agente público ou da polícia [acusados de tortura]. Nós já ouvimos desembargador dizer ‘eu dou valor absoluto a um policial e não dou valor a bandido’”.
“O Brasil se notabiliza por não aceitar a tortura ou qualquer violação dos direitos humanos. A marca do país não é das violações, mas de indignação a cada violação. Nós estamos agindo diante dela”, disse Maria do Rosário à Agência Brasil ao admitir que a violação de direitos humanos “talvez tenha sido naturalizada nas instituições fechadas”, acrescentou ao sair de reunião com Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, em Brasília.
Segundo ela, o fenômeno ainda guarda relação com práticas da época da ditadura militar. “Há uma cultura nas instituições brasileiras que foi formada ao longo do tempo e que tem no epicentro da formação cultural manuais nefastos e perversos que foram lançados na preparação de agentes policiais para orientar como torturar para [obter] delação da resistência.”
Agência Brasil