Em linhas gerais, sua manifestação revela incompreensão do novo papel do Brasil no mundo e oculta a concepção arcaica e imperialista de que, ainda em desenvolvimento, devemos “nos colocar no nosso lugar”. Como se não fosse possível evoluir compartilhando aprendizados.
O destaque que o Brasil tem hoje advém justamente de um comportamento independente e participativo, compreensão colocada em prática a partir do governo Lula e capaz de introduzir nosso país nos debates internacionais. De fato, está latente na crise, desde 2008, uma readequação da correlação de forças entre nações desenvolvidas e em desenvolvimento. Estas últimas vêm crescendo em importância e reivindicam maior presença no processo decisório. É nesse movimento que se insere a afirmação de Dilma: as saídas para a crise serão tanto mais satisfatórias e duradouras quanto mais forem partilhadas por países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Malan parece não compreender. Defende outra visão, a mesma que ascendeu na década de 1980 e tem na primeira-ministra britânica Margareth Tatcher seu ícone. Sob essa visão, o plano de Nicholas Brady, secretário do Tesouro dos EUA citado por Malan, foi bem-sucedido, ao promover o alongamento da dívida dos países da América Latina com troca de bônus de curto prazo por outros de longo prazo. Haveria até descontos do Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional aos países que aderissem aos novos títulos.
As contrapartidas foram: adesão às privatizações, diminuição do Estado (a tese do Estado mínimo) e programas de austeridade – depois, com o sucessor de Brady, James Backer, implantação de barreiras de importação, alta de impostos e tarifas, desvalorização da moeda e redução de gastos governamentais.
Os planos Brady/Backer estão na raiz da “década perdida” na América Latina, que registrou baixo crescimento e nível de endividamento maior do que antes da adesão. Mais grave ainda: o mundo passou por um processo de desregulamentação da economia que desembocou na crise atual, por conta da crença fundamentalista de que os mercados eram autorreguláveis.
A discussão na Europa, hoje, retoma boa parte dessas medidas amargas. O Brasil, portanto, tem o que dizer a respeito – por experiência própria, já que aderiu, em 1994, pelas mãos do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. Aliás, na nova configuração mundial, o Brasil tem a responsabilidade de alertar para experiências mal-sucedidas e participar de toda decisão que puder nos afetar.
Afinal, cada vez mais, as encruzilhadas mundiais passam por aqui.
José Dirceu é advogado, ex-ministro da Casa Civil e membro do Diretório Nacional do PT
Artigo publicado na edição do jornal Brasil Econômico do dia 13 de outubro de 2011