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Desmonte da Embrapa: golpe à mesa dos brasileiros

Patrimônio econômico, científico e tecnológico do Brasil está agora seriamente ameaçado
Desmonte da Embrapa: golpe à mesa dos brasileiros

Foto: Lebna Landgraf

O Brasil já é a segunda maior potência agrícola mundial, ficando atrás somente dos EUA.

Com efeito, o Brasil é o maior produtor e exportador mundial de café, o maior produtor de cana de açúcar, açúcar refinado e etanol. Somos responsáveis por 60% da produção mundial de suco de laranja e somos o maior exportador mundial do produto. O nosso país é o terceiro maior produtor mundial de milho e o segundo maior exportador mundial desse grão. O Brasil é, da mesma forma, o maior exportador mundial de soja.

Na pecuária, o nosso país responde por cerca de 40% das exportações mundiais de carne avícola, 20% das de carne bovina e de quase 9% das suínas. Em 2016, o Brasil foi o segundo maior exportador de carne bovina do mundo, perdendo apenas, e por pouco, para a Índia, que não consome internamente o produto por motivos religiosos. Também em 2016, o Brasil foi o maior exportador mundial de carne de aves.

Mas não fica por aí. Conforme projeções elaboradas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento da Europa (OCDE) e pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), o Brasil assumirá a liderança absoluta das exportações mundiais do setor agrícola já em 2024, consolidando, dessa maneira, os avanços que o setor registrou no país nos últimos anos.

Como o Brasil chegou a esse patamar de extrema competitividade internacional nesse setor estratégico?

Os desavisados poderão argumentar que o Brasil se tornou uma das maiores potências agrícolas do mundo devido às suas vantagens naturais, como abundância de terras agricultáveis, ampla disponibilidade de água doce, regime solar, etc. De fato, temos essas vantagens naturais. Porém, se analisarmos o crescimento da produção agrícola no Brasil nas últimas décadas, veremos que o fator determinante foi a produtividade.

Até início da década de 1970, a produtividade da agricultura brasileira era, em geral, muito baixa, em linha com a maior parte dos países subdesenvolvidos de clima tropical, e bem distante da produtividade superior da agricultura norte-americana, por exemplo.

No entanto, a partir do início daquela década, ocorre uma profunda transformação na agricultura nacional, que se acentua na década de 1990.

Naquela época, o Brasil produzia apenas 58,2 milhões de toneladas dos cinco principais grãos (trigo, milho, soja, arroz e feijão). Já em 2014, o Brasil conseguiu produzir 182,6 milhões de toneladas. Assim, aumentamos nossa produção de grãos em 214% (três vezes mais) em apenas 2 décadas. No entanto, esse extraordinário incremento se deu com uma expansão de somente 55% na área cultivada. Isso só foi possível devido a um exponencial aumento da produtividade de 119%. Assim, enquanto que a produtividade média dessas culturas era de apenas 1.522 kg/ha, na década de 1990, hoje ela está estimada em 3.340 kg/ha. Ou seja, produzimos mais que o dobro na mesma área.

Ressalte-se que esse aumento da produtividade, além de ter produzido resultados concretos e muito positivos na segurança alimentar e na diminuição dos custos com alimentação, teve também efeitos relevantes na preservação ambiental, pois reduziu a pressão para a ocupação de novas áreas agrícolas, especialmente na Região Norte.

Estudos feitos pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos mostram que o Brasil é um dos países em que a produtividade mais cresce. De 2006 a 2010, o rendimento da agropecuária aumentou 4,28% ao ano no Brasil, seguido pela China (3,25%), Chile (3,08%), Japão (2,86%), Argentina (2,7%), Indonésia (2,62%), Estados Unidos (1,93%) e México (1,46%). Portanto, somos campeões internacionais em produtividade agrícola.

Pois bem, esse crescimento exponencial da produtividade da agropecuária brasileira é fruto de um esforço de décadas em biotecnologia, de investimentos públicos em novas técnicas agrícolas e de desenvolvimento de cultivares adaptados aos nossos climas e aos nossos solos.  Foi graças a esse esforço gigantesco que o Brasil deixou de ser país importador de alimentos, com enormes crises de abastecimento, e se transformou em um expressivo exportador de uma pauta diversificada de produtos agropecuários.

E quem liderou esse esforço gigantesco foi uma empresa pública extremamente eficiente chamada Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Criada em dezembro de 1972, a Embrapa logo se revelou um celeiro de talentos e uma usina de inovações relevantes. Foi a Embrapa que criou, por exemplo, a soja adaptada às baixas latitudes do cerrado e ensejou o desenvolvimento do próprio cerrado, patrocinado por um conjunto de tecnologias que viabilizaram a produção agrícola nesse bioma, permitindo sua incorporação ao processo produtivo de grãos, fibras e carnes.

Ao longo de décadas de pesquisas, inovações e trabalho duro, a Embrapa acumulou um enorme capital público, capital brasileiro, de conhecimento, tecnologias e cultivares que garantem nossa produtividade agrícola e nossa segurança alimentar. O pão nosso de cada dia provém, em grande parte, desse esforço tecnológico nacional de décadas.

Observe-se, ademais, que a Embrapa é hoje referência mundial em pesquisa e tecnologia agrícolas, notadamente em agricultura tropical. Assim como a Petrobras é líder mundial em tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas e ultraprofundas, a Embrapa é líder internacional em agricultura tropical.

Tal esforço está materializado em um gigantesco banco genético, no qual estão depositados os germoplasmas, cultivares e todos os produtos inovadores desenvolvidos com recursos públicos. Avaliado em mais de US$ 1 bilhão, esse banco conserva material estratégico para a soberania nacional na pesquisa agropecuária e florestal, para a mitigação e a adaptação de cultivares agrícolas às mudanças climáticas, e, sobretudo, para a segurança alimentar e nutricional da população brasileira.

Pois bem, esse patrimônio econômico, científico e tecnológico do Brasil está agora seriamente ameaçado.

É que, à surdina, sem qualquer discussão prévia com seus pesquisadores e funcionários, o governo enviou uma iniciativa ao Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 5.234 de 2016, pelo qual se autoriza a Embrapa a criar uma subsidiária integral, denominada de Embrapa Tecnologias Sociedade Anônima, a EmbrapaTec.

Conforme a justificativa do referido projeto, essa subsidiária integral, sob a forma de sociedade por ações de capital fechado, terá por objetivo social a negociação e a comercialização das tecnologias, dos produtos e dos serviços desenvolvidos pela Embrapa e outras instituições científicas, tecnológicas e de inovação, e a exploração dos direitos de uso das marcas e dos direitos de propriedade intelectual deles decorrentes, de modo a promover a disseminação do conhecimento gerado em prol da sociedade.

Desse modo, a justificativa oficial para tal iniciativa tange a um suposto desejo de permitir uma maior comercialização e difusão das tecnologias e produtos da Embrapa, em benefício de todos. Enfatize-se que, para cumprir tal finalidade, o projeto permite que a EmbrapaTec seja sócia minoritária de empresas do setor agropecuário, inclusive de multinacionais.

Tal justificativa não se sustenta. Na realidade, o governo do golpe não quer mais investir dinheiro público em ciência e tecnologia. Por isso, o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação vem sofrendo cortes orçamentários brutais, da ordem de 44%, além dos contingenciamentos, o que provocou até mesmo reação da comunidade científica internacional. Em linha com tal atitude míope e criminosa em relação aos interesses nacionais, a Embrapa sofreu, apenas em 2017, um contingenciamento de 27,48% sobre o orçamento das despesas discricionárias.  O dinheiro disponível não cobre, nem de longe, os gastos totais estimados para este ano, da ordem de R$ 3,6 bilhões.

Portanto, o governo do golpe vem sucateando a Embrapa, diretriz que deverá se acentuar em 2018, quando a Emenda Constitucional nº 95, de 2016, a qual impedirá investimentos públicos por 20 anos, entrará em pleno vigor. Assim como o governo golpista está tirando os pobres do orçamento, ele está retirando também os investimentos públicos do orçamento, especialmente as despesas discricionárias em ciência e tecnologia.

Neste quadro de estrangulamento orçamentário constitucionalizado e de aposta ideológica no Estado Mínimo, ou melhor, minúsculo, a “solução” é privatizar empresas ou, então, vender seus produtos, vender patrimônio do povo.

A criação da EmbrapaTec obedece a uma estratégia de permitir a privatização do patrimônio intangível da Embrapa, por meio desse braço comercial, sem que seja necessária a privatização oficial da empresa.  O que vai ser vendido não é a empresa em si, mas os seus produtos inovadores, frutos de anos de investimentos públicos.

A venda desse estratégico patrimônio público no mercado, mediante inclusive à associação minoritária com empresas privadas, permitiria, segundo o governo do golpe, aumentar a receita própria da Embrapa. Conforme cálculos do governo ilegítimo, a abertura da subsidiária e a montagem de uma estrutura comercial no exterior seriam capazes, já no primeiro ano, de triplicar o faturamento da estatal com a venda de tecnologias.

Mutatis mutandi, trata-se de estratégia semelhante à utilizada contra a Petrobras. A empresa ainda não está sendo privatizada, mas seu grande patrimônio, o maior patrimônio público do Brasil, as fantásticas jazidas do pré-sal, estão sendo vendidas a preços aviltados às multinacionais petroleiras, de forma fazer caixa rápido, de curto prazo, para o governo falido do golpe.

Ora, o banco de germoplasmas da Embrapa é o pré-sal da agricultura do Brasil. É uma riqueza fantástica sobre a qual se baseia a produtividade agrícola nacional e a segurança alimentar da população. É um patrimônio público que funciona como um multiplicador da renda e da produtividade. Jamais gerou e jamais gerará prejuízos.

Com seus produtos e tecnologias inovadoras, que aumentam a produtividade da agricultura e da agroindústria brasileira e diminuem os preços relativos dos alimentos, multiplicando a renda disponível da população, a Embrapa ofereceu ao país, somente no ano passado, um lucro social de R$ 34 bilhões, de acordo com cálculos da empresa. Isso é muito mais que os gastos e investimentos que a Embrapa faz anualmente, os quais ascendem a cerca de R$ 3,5 bilhões. Assim sendo, a Embrapa dá muito lucro ao Brasil.

Achar que a Embrapa precisa vender esse precioso patrimônio para gerar lucro é de uma miopia de fazer chorar.

Mas quem está rindo de orelha a orelha com essa falta de visão estratégica do governo do golpe são as grandes multinacionais do setor, que criaram um gigantesco oligopólio da produção de alimentos. Com efeito, seis grandes empresas, chamadas de Gene Giants (gigantes da genética), controlam atualmente 59,8% do mercado mundial de sementes comerciais e 76,1% do mercado de agroquímicos, além de serem responsáveis por 76% de todo o investimento privado no setor. Essas empresas, Monsanto (Estados Unidos), Syngenta (Suíça), Dupont (EUA), Basf (Alemanha), Bayer (Alemanha) e Dow (EUA), estão de olho no patrimônio genético da Embrapa, a única empresa que lhes faz concorrência no Brasil. De fato, à exceção dos produtos da Embrapa, todos os cultivos liberados no início deste século no Brasil utilizam tecnologia transgênica e defensivos agrícolas produzidos por essas grandes empresas, que almejam dominar todo o ciclo econômico da produção de alimentos, dos fertilizantes às sementes, passando pelos agrotóxicos.

Por conseguinte, a criação da EmbrapaTec insere-se numa estratégia suicida de desnacionalização total da agropecuária brasileira. Já desnacionalizamos a produção do potássio, depois que a Vale vendeu suas jazidas. A produção de fertilizantes já está quase que totalmente entregue a estrangeiros, assim como a de agroquímicos. Com a venda de unidades petroquímicas da Petrobras para a Yara norueguesa, entregamos também a produção de nitrogênio, vital para a produtividade agrícola. Com a entrega das hidrelétricas da Eletrobrás para estatais estrangeiras, perderemos também, ao menos parcialmente, a gestão da água doce, essencial para a agropecuária. Com a prometida venda de terras a estrangeiros, esse insumo fundamental para agricultura será, da mesma maneira, parcialmente desnacionalizado.  Só falta a venda da joia da coroa, o patrimônio genético da Embrapa, para que essa obra antinacional se complete.

Para quem tem um mínimo de discernimento, não há dúvida que a criação da EmbrapaTec acarretará, inevitavelmente, os seguintes efeitos negativos:

  1. a)O patrimônio tecnológico público da Embrapa será apropriado, a preços aviltados, pelas grandes multinacionais do setor, aumentando, assim, o oligopólio tecnológico que já se verifica na produção de alimentos em todo o mundo.
  2. b)O apoio que a Embrapa dá atualmente à agricultura familiar, responsável por 70% da produção de alimentos para o mercado interno, e à agricultura orgânica certamente minguará, já que o foco da empresa deverá ser unicamente o apoio e a venda de produtos para grandes empresas do agronegócio, que realizam agricultura de exportação.
  3. c)A tecnologia de ponta a Embrapa em agricultura tropical deverá ser transferida pelas multinacionais do setor para outras regiões do mundo, como a África, por exemplo, o que poderá criar polos de produção que competirão com a agricultura brasileira de exportação.
  4. d)A exacerbação do oligopólio tecnológico agrícola, somada ao abandono do apoio à agricultura familiar, deverá aumentar os custos relativos dos alimentos no mercado interno e gerará insegurança alimentar, em especial para a população mais vulnerável.

Com esse projeto nefasto, o poder destrutivo do golpe chegará às mesas dos brasileiros, sob a forma de alimentos menos saudáveis, menos diversificados e provavelmente mais caros. Com esse projeto antinacional, o destino da agropecuária brasileira estará definitivamente entregue ao capital internacional. Como no Brasil colônia, a produção das commodities e dos alimentos estará sob o domínio das metrópoles.

E, quando, a insegurança alimentar bater à porta dos brasileiros, talvez os golpistas, parafraseando Maria Antonieta, digam: Se não têm pão, que comam brioches transgênicos.

Não há dúvida. O golpe chegou à Embrapa e ao alimento de brasileiras e brasileiros.

Wilmar Lacerda, empregado da Embrapa, ex-presidente do Sinpaf (Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário); suplente de Senador e atual chefe de Gabinete da Liderança do PT no Senado. 

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