A falta de médicos e a atual situação do Sistema único de Saúde (SUS) foram tema da Audiência Pública da Comissão de Direitos Humanos desta terça-feira (11). De acordo com os especialistas, a saída dos médicos cubanos do Programa Mais Médicos agravou a situação, deixando 28 milhões de pessoas sem assistência médica, especialmente em regiões mais desfavorecidas e de difícil acesso.
Segundo dados da Confederação Nacional dos Municípios, dos 5.570 municípios brasileiros, 3.228 contavam apenas com os profissionais do Mais Médicos. Depois da determinação do governo Bolsonaro em contratar somente médicos brasileiros para atuar no programa, cerca de 2000 municípios estão praticamente sem assistência. A situação é ainda mais grave nas populações indígenas , cujo atendimento chegava a ser de até 90% realizado pelo Mais Médicos.
O Senador Paulo Paim (PT-RS), questionou sobre o número de mortes causadas pela falta de assistência médica no Brasil, mas não obteve resposta, pois o Ministério da Saúde não tem esses dados. “É uma pergunta cruel, mas nós precisamos saber, até mesmo para que o governo assuma a responsabilidade pela decisão de desestruturar o Mais Médicos, especialmente com a retirada dos cubanos do programa”.
Paim também lembrou que é tempo de o Brasil e o mundo se voltarem para as questões humanitárias, pois mesmo o mercado financeiro, para funcionar, precisa de pessoas. “Educação, emprego, trabalho, são importantes, mas a saúde tem que ser o foco principal dos governos. Investir em saúde é ação inteligente, porque diminui gastos e permite que haja desenvolvimento social”, completou.
Para a senadora Zenaide Maia (PROS-RN), que é médica, o Brasil corre risco de falência social quando relega a saúde pública a último plano: “Nenhum país do mundo teve coragem de colocar em sua Constituição Federal um congelamento de gastos na saúde por vinte anos, isso é muito mais que um tiro no pé, isso é suicídio”, criticou, citando Emenda constitucional 95, conhecida como a “PEC de gastos”.
Jorge Alves Venâncio, representante do Conselho Nacional da Saúde, disse que o Ministério da Saúde está passando por um estrangulamento financeiro, pois o orçamento da pasta conta hoje com R$ 300 milhões a menos. “E esse valor é o que está definido no orçamento anual, sem contar com nenhum contingenciamento”.
Ele explicou que, mesmo com menos dinheiro para a área, os municípios estão tentando suprir a deficiência deixada pelos estados, mas o corte no Mais Médicos só tem agravado a situação. “Alguns municípios estão usando até 40% do seu orçamento para a saúde mas, apesar disso, na maioria das cidades brasileiras, o setor está destruído.”
Também, segundo ele, a distribuição dos médicos contribui para piorar a situação, pois a maioria dos profissionais formado pelas universidades brasileiras não quer trabalhar no interior do país. “É preciso ter faculdades nas periferias e incentivar que jovens das escolas públicas se formem, permanecendo nas suas localidades de origem para atender a essas populações.”
Já o representante da Confederação Nacional dos Municípios, Denílson Magalhães, ressaltou que o Mais Médicos chegou a cobrir 70% do território brasileiro, tendo a adesão de praticamente todos os municípios, que também investiram no programa. “Os prefeitos de todo o país aceitaram o desafio de implantar o Mais Médicos pois eles tinham consciência da importância da saúde para a população. O Mais Médicos trouxe alívio para os grandes hospitais, pois a saúde era tratada nos postos ambulatoriais e nas cidades pequenas”.
Segundo ele, a desestruturação do Mais Médicos também está refletindo no programa Saúde da Família, que está com mais de 8 mil vagas em aberto porque os profissionais foram ocupar as vagas do Mais Médicos oferecidas nas cidades maiores. “Os médicos brasileiros não querem trabalhar no interior, muito menos onde não há cinema ou shopping center”, lamentou.
Também para Antônio Gonçalves, do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior, a PEC do teto de gastos não oferece trégua para a crise no setor. “Esse congelamento nos investimentos está sufocando todo o sistema de saúde, é impossível gerir um problema que cresce todos os dias, com um orçamento paralisado”.
Donizetti Dimer, do Conselho Federal de Medicina criticou as políticas públicas atuais que, em sua visão, aumentam as desigualdades sociais. “Empobrecer a população, retirar direitos básicos e ainda congelar o orçamento em setores primordiais da sociedade em nada vão ajudar para melhorar a condição da saúde pública e do país como um todo”. D
Na avaliação do professor do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde da Universidade de Brasília, Heleno Correa, há uma contradição social na formação dos médicos brasileiros. Segundo ele, os pais investem pesado para que seus filhos tenham acesso ao ensino de alto nível das universidades públicas brasileiras, mas não querem que seus filhos se formem e vão trabalhar no SUS. “Isso representa um grande problema porque o país não recebe de volta o investimento feito em anos de preparação desses profissionais”.
O Senador Paulo Paim, que é presidente da Comissão de Direitos Humanos, se comprometeu a realizar outras reuniões para debater o tema da saúde pública no Brasil.