O atual ministro da Saúde Marcelo Queiroga prestou depoimento à CPI da Covid nesta quinta-feira (6) e foi alvo de questionamentos acerca da posição de Bolsonaro no uso da cloroquina no tratamento de pacientes com Covid-19 e nas interferências do presidente na gestão do ministério.
Queiroga foi questionado diversas vezes sobre a utilização da cloroquina e na maioria das oportunidades evitou entrar em conflito com a posição de seu chefe, ferrenho defensor do famigerado “tratamento precoce”.
Numa das poucas vezes em que o ministro se expôs acerca do tema, ele enfatizou que decisivo no enfrentamento à pandemia é “a vacinação e as medidas não farmacológicas” como distanciamento social, utilização de máscaras e o uso de álcool em gel, além da lavagem frequente das mãos. “Toda aglomeração deve ser dissuadida, independente de quem a faça”, disse o ministro.
O senador Humberto Costa (PT-PE), ex-ministro da Saúde, afirmou que o papel de Marcelo Queiroga no cargo de principal autoridade de saúde pública do país é ser claro na coordenação do processo e apontar com clareza para a população o caminho correto a ser seguido.
“O ministro defendeu o uso de máscaras. Mas o presidente sempre combateu o uso de máscaras e incentivou aglomerações. A queda recente do número de casos e de mortes não caiu do céu. Isso é resultado de um processo de isolamento que aconteceu por iniciativa única e exclusivamente dos governadores e prefeitos. O ministro passou o tempo todo se esquivando de dizer o que seu pensamento leva como consequência. Na verdade, o presidente da República tem sido um aliado do vírus e não um aliado no enfrentado ao vírus”, disse o senador.
Na avaliação do senador Rogério Carvalho (PT-SE), além de atrapalhar o trabalho do ministro da Saúde, Bolsonaro foi um aliado do novo coronavírus ao ser um “sabotador” das medidas de isolamento social propostas visando a diminuição do ritmo de contágio da doença no país.
Além disso, o senador destacou que as grandes medidas de enfrentamento à pandemia foram tomadas pelo Congresso Nacional desde o ano passado. Como, por exemplo, o auxílio emergencial no valor de R$ 600.
“O senhor [ministro] terá o apoio do Congresso Nacional. Como no ano passado foi o Congresso Nacional que adotou o auxílio emergencial de 600 reais, foi o Congresso que aprovou a lei que obrigava o uso de máscara e foi vetada pelo presidente. Foi o Congresso que tomou todas as iniciativas que ajudaram a combater a pandemia, junto com a pressão da sociedade, com a mídia e com o Judiciário. Mas tivemos um grande sabotador, um grande adversário, um grande promotor da pandemia: Jair Bolsonaro. Foi ele que proibiu o uso de máscaras, aglomerou e se negou a comprar vacinas”, enfatizou o senador.
Limites na autonomia médica
O senador Jean Paul Prates (PT-RN), líder da Minoria, questionou se existe limite na liberdade ou, autonomia médica, para utilização de medicamentos no tratamento de pacientes de Covid-19.
Jean Paul relatou que o prefeito da capital do Rio Grande do Norte, Natal, é adepto do “tratamento precoce” e receita medicamentos ineficazes para a população da cidade.
“Se a orientação está limitada a dar uma dose segura [do medicamento]. Então a autonomia médica tem limite”, disse o senador
“A autonomia médica tem limite. Está limitada ao que é comprovado cientificamente e pela legislação. Assim diz o Código de Ética Médica”, respondeu o ministro.
Guerra química
Ao ser questionado sobre as declarações do presidente em haver uma “guerra química”, o ministro da Saúde alegou que desconhece os indícios dessa situação.
Nessa quarta-feira (5), Bolsonaro insinuou, sem mencionar a China, que o novo coronavírus pode ter nascido “em laboratório”. Em seguida, questionou se “não estamos enfrentando uma nova guerra”.
O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, disse na manhã desta quinta-feira que a redução da quantidade de matéria-prima para as vacinas que o instituto receberia da China, e os adiamentos de prazo, são uma consequência da “falta de alinhamento” do governo federal.
O senador Rogério Carvalho apresentou à CPI um voto de censura à fala do presidente da República que, segundo ele, “mais uma vez ataca a China sem respeito ou preocupação com o nosso principal parceiro comercial, além de principal fornecedor de insumos e vacinas na pandemia”.
Assessoria paralela
O ministro também afirmou aos senadores que não participou e não foi consultado sobre um possível decreto contra as medidas restritivas de estados e municípios mencionado como uma possibilidade por Bolsonaro.
“Se não foi o senhor que sugeriu o decreto, então tem um aconselhamento paralelo”, rebateu Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI.
O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta afirmou à CPI, na última segunda-feira (04), que teve acesso ao que seria uma proposta de decreto presidencial para alterar a bula da cloroquina. A medida seria feita de uma forma que passasse a indicar o remédio no tratamento da Covid-19.
“Ele (Bolsonaro) tinha um assessoramento paralelo. Havia sobre a mesa um papel não timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido naquela reunião mudar a bula da cloroquina na Anvisa para que na bula tivesse a indicação do medicamento para o coronavírus. O presidente da Anvisa disse que não. Jorge Ramos disse que era uma sugestão”, afirmou Mandetta.
O senador Humberto Costa então questionou ao ministro Marcelo Queiroga acerca de sua autonomia à frente do ministério. Queiroga reiterou que não tinha sido conhecimento prévio acerca da edição de um decreto que pudesse proibir estados e municípios de adotarem medidas de restrição.
“Essa é uma demonstração de que sua autonomia está mais na sua cabeça do que na do presidente”, criticou o senador Humberto.
Imunidade de rebanho
O senador Humberto Costa apresentou junto à CPI para ouvir o vice-governador do Amazonas, Carlos Almeida Filho. Em entrevista à Folha de S. Paulo, ele relacionou o alinhamento do governador Wilson Lima (PSC) com Bolsonaro nas políticas de combate à pandemia com o surgimento da nova cepa de coronavírus no estado.
“O vice-governador que deu uma declaração gravíssima em que deixa absolutamente clara uma insinuação de que teria havido uma aliança entre o presidente e o então governador para que, em Manaus, fosse feita a experiencia da imunidade de rebanho. Não fazer nada para que as pessoas se contaminassem em grande escala, adquirissem imunidade naturalmente e assim não se gastasse dinheiro público. É mais um que corrobora com a nossa tese de que a estratégia do presidente para enfrentar a pandemia foi a constituição da imunidade de rebanho, o que constitui um crime com dolo eventual. Com essa orientação se arriscou a provocar a tragédia que estamos vivendo no Brasil hoje”, disse o senador.
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