ARTIGO

Paulo Paim: Sobre 13 de Maio

A escravidão de ontem é o martírio cotidiano, da humilhação e do descaso, do prato vazio, do "não" recebido a uma resposta de emprego
Paulo Paim: Sobre 13 de Maio

Foto: Alessandro Dantas

O Brasil é o país, fora do continente africano, que concentra a maior população negra do mundo. Dos 211,8 milhões de habitantes totais, 56,2% se declaram negros, o que equivale a 118,6 milhões de pessoas, segundo o IBGE. Mesmo assim, a realidade e os fatos mostram que os que mais sofrem, morrem e são excluídos das mínimas condições sociais e de cidadania é esse povo. Assinaram papéis em 13 de maio de 1888. Mas não romperam as correntes e mantiveram os açoites do chicote.

A escravidão de ontem é o martírio cotidiano de hoje, da humilhação e do descaso, do prato vazio, do “não” recebido a uma resposta de emprego, da falta de Educação, da violência e do ódio, das mães que se ajoelham e choram o assassinato do filho. O sangue jorra nas ruas e vielas de comunidades carentes, no asfalto, no ônibus, no supermercado, na escola, no vil ato de abordar uma pessoa se utilizando das práticas mais desumanas e infames que um ser humano pode receber.

As pesquisas e as estatísticas confirmam a tragédia. Segundo dados do Atlas da Violência 2020, os homicídios de pessoas negras tiveram um crescimento 11,5% em 11 anos; o dos demais caiu 13%. Para estar na mira basta ser pobre e negro. Em nosso país, 71% dos mortos por assassinato são pessoas negras e 76% dos mortos em ações policiais são negros.

Algo está muito errado. É só lembrar o recente massacre no Jacarezinho, no Rio, e os assassinatos do Beto, no Carrefour, em Porto Alegre, e do Bruno e do Yan no Atakarejo, em Salvador.

O Ipea adverte que um homem negro tem oito vezes mais chances de ser vítima de homicídio do que um homem branco. A cada 23 minutos, um jovem negro é morto. As mulheres negras sofrem ainda mais. Elas têm 64% mais risco de serem assassinadas do que brancas. Duas em três vítimas de feminicídio são negras.

A professora Zélia Amador de Deus, da Universidade Federal do Pará, analisa da seguinte forma: “Ela está sofrendo assédio pelo fato de ser mulher e negra. No primeiro caso é o gênero, no segundo, racismo e ainda por ser pobre, que é o terceiro caso, classismo. Ela sofre a partir desses três pilares”.

O analfabetismo para a população negra é de 11,8% – maior que a média de toda população brasileira (8,7%). Dos jovens entre 15 e 29 anos que não estudam nem trabalham, 62,9% são negros, de acordo com o IBGE. Levantamento da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade aponta que 67% dos brasileiros que dependem do SUS são negros. Eles também são a maioria dos pacientes. São pessoas com diabetes, tuberculose, hipertensão e doenças renais crônicas.

A pandemia está mostrando que o povo negro é refém das desigualdades sociais, das injustiças e da violência. O racismo é estrutural no Brasil. Uma das formas de combatê-lo é por meio da ação legislativa. O Congresso precisa aprovar o PL 5.231/2020, que trata da abordagem dos agentes de segurança públicos e privados e o PL 4.373/2020, que tipifica o crime de injúria racial como crime de racismo, entre outros.

Nosso canto há de girar o país inteiro com o enredo que não sai das nossas mentes e faz da esperança o nosso grito de resistência: “Oh pátria amada, por onde andarás? Seus filhos já não aguentam mais!”.

Artigo originalmente publicado no jornal O Dia

To top