O ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde durante a gestão do ex-ministro Eduardo Pazuello, Élcio Franco, disse à CPI da Covid nesta quarta-feira (9) que “incertezas” e o medo de que a CoronaVac terminasse num “cemitério de vacinas” levaram o governo a não comprar doses do imunizante ainda em 2020.
Apesar da tentativa de justificar as decisões apenas em questões técnicas, Franco deixou claro em seu depoimento sua simpatia pelo tratamento precoce contra a Covid-19. Na oitiva desta terça (8), o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, foi taxativo ao afirmar que os medicamentos do famigerado tratamento não possuem eficácia científica comprovada.
Élcio Franco também teve dificuldade em explicar os motivos que levaram o Ministério da Saúde, durante a gestão Pazuello, a investir no desenvolvimento da vacina Oxford/Astrazeneca, em detrimento da vacina desenvolvida no Brasil pelo Instituto Butantan em parceria com a chinesa Sinovac.
“A fase 3 também é considerada um cemitério de vacinas. Isso cabe para destacar que o desenvolvimento das vacinas gera muitas incertezas. Esse é um aspecto que permeou as negociações de todas as vacinas. Pode haver o insucesso no desenvolvimento da vacina. A vacina, na fase 3, pode não lograr êxito e não ser aprovada”, disse.
Ainda como número dois de Pazuello, em 21 de outubro do ano passado, Élcio Franco afirmou numa entrevista coletiva do Ministério da Saúde, que não havia “intenção de compra de vacinas chinesas”. Além disso, na mesma oportunidade, ele afirmou que “a vacinação não seria obrigatória”, fazendo coro com o discurso negacionista de Bolsonaro à época.
O senador Humberto Costa (PT-PE), ex-ministro da Saúde do governo Lula, afirmou que o depoimento de Élcio Franco foi muito esclarecedor de que fatores políticos impediram o avanço das tratativas das negociações do governo federal com o Instituto Butantan.
O próprio diretor do Butantan, Dimas Covas, em depoimento à CPI, afirmou que as críticas de Bolsonaro à vacina produzida pelo instituto travaram as negociações, que poderiam ter sido concluídas em outubro.
“A fala do senhor é muito clara. O senhor disse ‘não vamos comprar vacina de São Paulo. Não vamos comprar vacina do governador de São Paulo’. E no final o senhor disse ‘não vamos comprar vacina chinesa’. Será possível que é outra vacina? Não é a do Butantan? Qualquer criança é capaz de ter essa leitura. Pelo amor de Deus”, disse o senador. “O senhor e o ministro Pazuello vieram aqui fazer a mesma coisa. Proteger o responsável por tudo isso, que é o presidente da República. Os senhores não fizeram nada além de cumprir as ordens e os desejos dele”, emendou Humberto.
Para o senador, era fundamental investir nas instituições nacionais, mas, em meio à pandemia, Bolsonaro priorizou as preocupações políticas em detrimento do sofrimento dos milhares de brasileiros que, à época, já eram acometidos pela Covid-19 e eram enganados por membros do governo com as promessas de cura com medicamentos ineficazes.
“Era tão seguro investir na Fiocruz como investir no Butantan. Por que não aconteceu? Resposta: política de Bolsonaro. Ele não estava preocupado em vacinar o povo brasileiro. Ele não queria era que o governador de São Paulo capitalizasse politicamente por ter feito o que ele [Bolsonaro] não fez. A verdade é essa. Não se colocou um centavo no desenvolvimento da Coronavac por razões políticas”, disse o senador, que ainda ressaltou o fato de 75% da população brasileira ter sido vacinada com Coronavac. “Não podia ter o preconceito político para fazer isso”.
Governo Bolsonaro foi negligente
Para o senador Rogério Carvalho (PT-SE), o depoimento de Élcio Franco demonstrou que o governo Bolsonaro sabotou o combate à pandemia no Brasil ao ser negligente na compra de vacinas, não adotar medidas para controle da disseminação do coronavírus e disseminar a cura por meio de medicamentos ineficazes.
“Eu não tenho dúvidas, diante dos fatos, de que houve uma negligência deliberada por parte do governo no que diz respeito à não aquisição e não contratação de vacinas. Este governo negligenciou medidas não farmacológicas, a compra de vacinas, a testagem e agiu de forma temerária e dolosa ao adotar como medida de controle sanitário o uso da cloroquina para tratar a Covid-19”, disse o senador.
Humberto ainda destacou que, durante a epidemia de H1N1, o Brasil comprou as doses das vacinas que viriam a ser aplicadas um ano antes do início do processo de vacinação começar.
“Nós vacinamos 80 milhões de pessoas em 100 dias. Essa questão de fazermos a compra é um risco. Mas estamos na gestão pública para que? Se não é para correr riscos e pensar adiante? Foram meses e não tivemos a vacina. Podíamos ter, hoje, um processo de vacinação muito mais avançado”, destacou.
Na avaliação do senador, os governos que vieram após o golpe de 2016 promoveram um verdadeiro desmonte na área de ciência e tecnologia, especialmente na área da saúde. Essa ausência de investimentos no setor impediu o Brasil, hoje, de produzir vacinas contra a Covid-19 e o levou a depender de outros países para importar doses prontas e ou insumos farmacêuticos para imunizar a população.
Tese de imunidade de rebanho é criminosa
Humberto Costa apontou que o “grande responsável” pela tese da imunidade de rebanho é o presidente da República. E desde o início da CPI tem se repetido o mesmo expediente entre os integrantes do governo que tem comparecido para depor. A tentativa de blindar Bolsonaro dos crimes cometidos ao longo da pandemia.
“Se o senhor tivesse apostado na vacina do Butantan, teríamos começado a vacinar em dezembro. Quantas vidas teriam sido poupadas? Não era o senhor para estar sentado aí. Era o presidente Bolsonaro. O responsável por implementar uma tentativa de enfrentamento à pandemia que ninguém no mundo implementou. A tese da imunidade de rebanho é criminosa. Aqui no Brasil ela é responsável, em grande parte, por isso aqui, 477.307 mortes. O relatório precisa dizer que nós temos um grande responsável por isso que vivemos hoje no país. Ele se chama Jair Messias Bolsonaro”, enfatizou Humberto.
Gabinete paralelo
Questionado sobre a existência do “gabinete paralelo” para aconselhamento de Bolsonaro durante a pandemia, o Élcio Franco afirmou que não participava do grupo nem tinha conhecimento do que era tratado nas reuniões.
“Que eu tenha conhecimento, esse grupo não teve nenhuma ação sobre a gestão do ministério ou das suas secretarias finalísticas. Nunca participei nem tomei conhecimento do que era tratado nesse grupo”, disse.
Compra de cloroquina pelo Ministério
Franco disse aos senadores que o Ministério da Saúde comprou cloroquina em 2020 para tratamento de malária. Mas, apesar de o medicamento ser propagandeado por membros do próprio governo como efetivo contra a Covid-19, ele negou que a compra tenha sido feita por conta da pandemia.
“Durante nossa gestão não ocorreu aquisição de cloroquina para o ano de 2020 para o combate a Covid-19. Porém, identificamos que, para atender ao programa antimalária do primeiro semestre desse ano, em 30 de abril de 2020 foi assinado um termo aditivo com a Fiocruz no valor de R$ 50 mil visando à aquisição desse fármaco para entrega posterior. Enfatizo que é para o programa antimalária”.
Mas o senador Rogério Carvalho lembrou que o próprio presidente Jair Bolsonaro anunciou, ainda em 2020, que havia negociado com o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, a aquisição de insumos para a produção de cloroquina no Brasil.
“O próprio presidente da República negociou com o primeiro-ministro da Índia a aquisição de cloroquina. E a secretaria de ciência e tecnologia divulgou que estaria distribuindo três milhões de comprimidos para o tratamento precoce da Covid-19. Portanto, o senhor faltou com a verdade quando disse que o Ministério da Saúde não dispensou cloroquina para o tratamento precoce”, disse o senador.
Ainda no final de 2020, em coletiva do Ministério da Saúde, Élcio Franco aparece recomendando o tratamento precoce aos brasileiros como medida para evitar o aumento de casos de Covid-19 nas festas de final de ano.
“As recomendações que já fizemos e enfatizamos, primeiro, é o tratamento precoce. Ao sentir o sintoma, procure o médico, vá ao posto de saúde e o médico vai prescrever os medicamentos adequados. Temos evidências científicas sobre a efetividade e a eficácia de determinados medicamentos e aqueles que dizem que não há evidências científicas são os verdadeiros negacionistas”, disse o ex-secretário, à época.
Elcio Franco afirmando, em coletiva, que a principal medida recomendada pelo MS para evitar aumento de casos no fim do ano era o “TRATAMENTO PRECOCE”
Ele também chamou de negacionista quem não acredita na eficácia do tratamento. E disse que medidas de isolamento são INEFICAZES. pic.twitter.com/1Z7nw0TTBH
— Tesoureiros do Jair (@tesoureiros) June 9, 2021