Ao longo dos séculos 20 e 21, o Brasil levou ao mundo as cores da nossa bandeira pelas vias artísticas. Na música, revelamos ao planeta a bossa nova. À sétima arte, legamos o cinema novo. Na literatura contemporânea, autores nacionais deixaram obras consagradas e reconhecidas no exterior. E não podemos esquecer, claro, da produção diária de anônimos que enriquecem e formam a cultura popular brasileira.
Pois a classe artística, responsável por levar o nome do país a todo o planeta, agora pede socorro. De personalidades consagradas a cantores de bares, todos estão entre os profissionais mais afetados pelos efeitos da pandemia, sendo muitas vezes impedidos de exercer a profissão devido à nova realidade de distanciamento social.
As consequências são gravíssimas, com artistas tendo que vender instrumentos de trabalho para sobreviver e até mesmo passando fome.
A dificuldade de obter apoio do governo não é em vão. Vem desde 2016, quando artistas denunciaram o atentado contra a democracia que ocorria no Brasil com o impeachment de Dilma Rousseff (PT). No Festival de Cannes, o diretor Kleber Mendonça e a equipe de “Aquarius”, estrelado por Sônia Braga, exibiu no tapete vermelho do Grande Teatro Lumiére cartazes como “Um golpe ocorreu no Brasil”. O dedo na ferida jamais foi perdoado.
Desde Michel Temer (MDB), o auxílio ao setor apenas declinou, começando pela extinção do Ministério da Cultura. Já quando Bolsonaro chegou ao Palácio do Planalto, imediatamente o novo presidente mirou na classe artística para deflagrar uma guerra ideológica suja e desonrosa, extirpando as artes das políticas públicas.
Isso se materializou no esvaziamento do orçamento da União. Entre 2016 e 2021, a verba federal para a área caiu mais de 80%, sendo atualmente de míseros R$ 43 milhões.
Por isso, junto com a bancada do PT, apresentei uma proposta que cria a Lei Paulo Gustavo, uma homenagem póstuma ao grande artista que deu vida à Dona Hermínia. O texto prevê a liberação de verbas que totalizam R$ 4,3 bilhões para a área até o final de 2022. A matéria deve ser votada no plenário do Senado ainda neste mês de agosto.
E deixemos claro: os recursos não são governamentais, mas do Fundo Nacional da Cultura (FNC) e do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). Esses instrumentos são apenas geridos pelo governo e encontram-se bloqueados. A ideia é repassar os valores para que estados e municípios possam garantir apoio aos mais diversos campos, que vão de produções audiovisuais a pequenas produções locais.
Não é possível desprezar a cultura, responsável por movimentar 2,67% do PIB brasileiro e envolver quase 6 milhões de pessoas direta ou indiretamente.
Demos ao mundo gênios que vão de Tom Jobim, Chico Buarque e Martinho da Vila a Dona Onete, cantora de carimbó do Pará, e Mestre Vitalino, famoso artesão nordestino. Mas, além deles, temos ainda os anônimos no esteio da nossa diversidade. Todos merecem nosso respeito. Mesmo diante do descaso, a cultura brasileira resiste.
Artigo originalmente publicado na Folha de S. Paulo