De ativista anticorrupção à condição de investigado pela CPI. Esta foi a síntese do depoimento prestado pelo lobista da Precisa Medicamentos, Marconny Faria, à CPI da Covid nesta quarta-feira (15). O lobista, que participou de diversas manifestações do movimento Vem Pra Rua e se mostrou muito próximo da família Bolsonaro, entrou na mira das investigações após ter intermediado as negociações entre a Precisa Medicamentos e o Ministério da Saúde para a compra de testes rápidos para detectar a Covid-19 e da vacina indiana Covaxin, numa operação que custaria R$ 1,6 bilhão aos cofres públicos.
O lobista negou ter participado de qualquer tipo de negociação para compra de vacinas e disse que seu relacionamento com a empresa de Francisco Maximiano durou cerca de 30 dias.
Apesar de não ter conseguido explicar o tipo de trabalho prestado à Precisa, Marconny admitiu ter recebido da “área técnica” da empresa uma espécie de manual para fraudar licitações do Ministério da Saúde. O passo-a-passo dava instruções ao lobista de como prejudicar outras empresas no certame e beneficiar a Precisa na licitação para venda dos testes para Covid-19.
“A maior contribuição que o senhor poderia dar foi confirmar que aquela cartilha de como agir numa licitação para fraudá-la quando se tratar de testes na área de saúde. E ali estão vários crimes evidentes”, destacou o senador Humberto Costa (PT-PE).
As informações da CPI dão conta de que Marconny atuou em conluio com Francisco Maximiano, sócio-diretor da Precisa, Danilo Trento, diretor da empresa, Roberto Dias, então diretor de Logística do Ministério da Saúde, e José Ricardo Santana, então diretor da Anvisa. Dias e Santana também são apontados pela CPI como participantes do jantar da propina, no qual Dias teria feito a pedido de propina de US$ 1 por dose do imunizante da AstraZeneca na negociação com a Davati.
O senador Jean Paul Prates (PT-RN), líder da Minoria, destacou a importância da CPI para desnudar os crimes cometidos pelo governo Bolsonaro ao longo da pandemia. Para ele, se não fossem os trabalhos da investigação, muitos crimes seriam descobertos somente daqui a alguns anos.
“Essa CPI está começando a colher provas que servirão de base para processos criminais, cíveis, crime de responsabilidade do presidente. Se não tivesse tido a CPI, muitas coisas só começariam a aparecer daqui a dois ou três anos. Essa fase mostra que o presidente, ministros, secretários, família do presidente estão enovelados nesse processo”, destacou o senador.
Quem é o senador?
Marconny irritou os senadores diversas vezes ao longo do depoimento ao evitar responder quem seria o senador responsável por destravar a compra dos testes rápidos junto ao Ministério da Saúde.
Mensagens em poder da CPI mostram imagens trocadas entre Marconny e José Ricardo Santana na qual eles falam sobre uma reunião no Ministério da Saúde para “desatar o nó” da venda dos 12 milhões de testes. Santana ainda afirma que seu “amigo” senador estaria nessa reunião.
Marconny então respondeu Santana: “Amanhã, vamos marcar às 10h30 para falar com eles aqui em casa. Pode ser?”. O encontro na casa do lobista se daria logo após a reunião no Ministério da Saúde, marcada para 8h do mesmo dia, com a presença do misterioso senador que “desataria o nó”.
Apesar dos esforços dos senadores, Marconny passou todo o depoimento afirmando não saber quem seria esse senador.
O senador Rogério Carvalho (PT-SE) ironizou o suposto esquecimento do depoente e expôs uma mensagem extraída do celular de Marconny, na qual ele combina reunião com outro membro da família Bolsonaro.
“Uma pista. [Ele] chama para uma reunião com a Karina [Kufa] e Eduardo Bolsonaro”, mostra o senador. “O senhor atuou neste forte esquema de corrupção do Bolsonaro, repleto de comparsas e que mostra a formação de uma quadrilha instalada no coração da República”, afirma Rogério.
Questionado se ele tinha relações com políticos, o lobista afirmou prestar serviços para alguns parlamentares. Mas negou dar nomes baseado num suposto sigilo contratual. A resposta também causou estranhamento nos membros da CPI.
“Estamos diante do mais cínico dos depoimentos. Esse senhor que está depondo aqui era um militante político no combate à corrupção no Brasil. E depois se destacou num trabalho de bastidor, de lobby, de defesa de interesses escusos para várias empresas. Veja o estado de degenerescência a que nos expomos nos últimos anos no país”, disse o senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI.
Envolvimento com Jair Renan
O lobista confirmou durante o depoimento que mantém uma relação de amizade com o filho caçula de Bolsonaro, Jair Renan, e o ajudou a abrir uma “empresa de influencer” em 2020, em plena pandemia.
Marconny Albernaz negou manter qualquer negócio com o filho de Bolsonaro, mas admitiu ter usado o escritório da empresa de Jair Renan, localizado no estádio Mané Garrincha, para realizar sua festa de aniversário em dezembro do ano passado, já durante a pandemia.
Ele também admitiu conhecer outras duas pessoas próximas à família Bolsonaro. Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher de Bolsonaro, mãe de Jair Renan e apontada como operadora do esquema da “rachadinha”, e Karina Kufa, advogada do presidente da República.
Relacionamento com a advogada do presidente
Os senadores apontaram uma articulação entre o lobista, Ana Cristina e Karina Kufa para indicações de pessoas a cargos no governo federal.
De acordo com o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a ex-mulher de Bolsonaro é responsável por encaminhar currículos de indicados pelo lobista para ocupar cargos no governo Bolsonaro.
Um desses currículos era o de Marcio Roberto Teixeira Nunes. O lobista enviou para Karina Kufa, que respondeu ter feito o arquivo chegar até Bolsonaro. Dias depois, Marcio foi empossado na direção do Instituto Evandro Chagas (IEC), em Belém, órgão vinculado ao Ministério da Saúde.
Meses depois, em outubro de 2020, a Polícia Federal deflagrou a Operação Parasita, no âmbito de uma investigação de desvio de recursos públicos do IEC. Durante a ação, Marcio Roberto foi preso e acusado de repassar cerca de R$ 300 mil em propinas a outros investigados para assegurar sua nomeação no Instituto.
Convocação da ex-mulher de Bolsonaro
A CPI ainda aprovou a convocação de Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro. Ainda não foi definida a data da oitiva.