A bancada armamentista do Congresso entrou em campo com força nesta semana para aprovar no Senado e enviar à sanção, a toque de caixa, o PL das Armas, adormecido desde que foi aprovado pela Câmara há dois anos. Segundo especialistas ouvidos nesta terça-feira (14) pela CCJ, o projeto (PL 3.723/2019) é duplamente prejudicial ao ampliar a circulação de armas no país e, ao mesmo tempo, reduzir os mecanismos de controle por parte do Estado.
“São dois ingredientes explosivos”, resumiu Isabel Figueiredo, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Ela pediu desculpas pela analogia da frase, mas a definição se alinha ao tamanho da bomba que o projeto representa. “Estamos falando de um assunto muito sensível, que produz criminalidade e sobre o qual o Estado brasileiro sempre foi frágil no processo de fiscalização e aprimoramento de políticas públicas”, afirmou.
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) apresentou requerimento para que o texto seja analisado também pela Comissão de Segurança Pública do Senado. Mas o objetivo dos defensores proposta é aprovar o projeto na CCJ e no Plenário já nesta quarta-feira (15).
Os especialistas demonstraram preocupação com três pontos específicos do PL das Armas:
1) Elimina a obrigatoriedade de marcação de munições prevista no Estatuto do Desarmamento;
2) Autoriza o porte de arma de fogo aos CACS para qualquer itinerário e horário, sob a justificativa de que está se deslocando para um clube de tiro ou evento esportivo;
3) Proíbe o Exército de reduzir a menos de 16 o limite máximo de armas por CAC. Hoje, por decreto, o limite máximo é de 60 armas.
4) Apesar de ampliar o acesso às armas de fogo pela população civil, o projeto não prevê ampliação equivalente da capacidade do Estado de fiscalizar CACs, lojas, entidades ou clubes de tiro, que já é frágil.
Para a senadora Zenaide Maia (Pros-RN), o simples fato de o Senado debater esse assunto no meio de uma pandemia já é absurdo. “Num país que tem mais de 20 milhões de pessoas com fome e uma quantidade imensa de desempregados, o que por si só já favorece a violência, armar a população civil não vai ajudar em nada”, afirmou. “Quem tem obrigação de fazer a segurança pública no país é o Estado. Nunca foi armando a população que se resolveu a violência”, defendeu.
Além disso, a Zenaide Maia alertou para o efeito bumerangue da medida. “Quem vai pagar o preço é a própria segurança pública. Quando a polícia for abordar qualquer carro, a chance de o condutor estar armado é grande. E não tenham dúvida de que a maioria dessas armas vai chegar às mãos das pessoas que usam para assaltar”, disse.
Para Michele Gonçalves dos Ramos, do Instituto Igarapé, o projeto oficializa ilegalidades cometidas pelo governo Bolsonaro por meio de mais de 30 decretos, portarias e resoluções que extrapolaram a competência do Poder Executivo para ampliar o acesso e o uso de armas de fogo e munições no país.
Ilegalidade oficial
Segundo ela, o resultado foi um aumento considerável na quantidade de armas em circulação. Levantamento do Igarapé mostra que o Brasil saiu de um patamar de 35 mil armas novas registradas em 2018 para mais de 122 mil em 2020. “Só primeiro semestre de 2021, tivemos mais de 70 mil armas novas registradas, mais do que o dobro do total de 2018”, afirmou.
No caso específico dos chamados CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores), o número de certificados de registros na Polícia Federal saltou de 255 mil em dezembro de 2018 para mais de 465 mil outubro de 2021.
“A solução de um problema criado pelo Executivo não pode ser a flexibilização da legislação atual. A gente não pode usar um processo legislativo para legalizar decretos publicados ao arrepio da lei, assegurar privilégios a algumas categorias e desconsiderar os riscos desses privilégios. O que deve pautar o debate é o intere”, defendeu.
“Apesar de direcionados aos CACs, as previsões do projeto impactam a vida e toda a sociedade, e de forma ainda mais grave a vida de grupos mais expostos à circulação de armas de fogo, como mulheres, jovens e pessoas negras”, denunciou.
Já Felippe Angeli, do Instituto Sou da Paz, o argumento dos defensores do projeto de que ele é necessário para acabar com a insegurança jurídica do setor não se sustenta. “Os registros de armas de fogo na Polícia Federal dobraram em três anos, passando de 638 mil em 2017 para 1,28 milhão em 2020.
Angeli também alerta para a falsa ideia propagada por apoiadores do projeto de que as medidas armamentistas do governo Bolsonaro representaram benefícios para a segurança pública.
“Em 2020, quando começamos a sentir os efeitos das primeiras medidas, de 2019, a tendência de queda da criminalidade começa a se inverter e a gente tem de volta o aumento dos homicídios. Ou seja, não há melhoria. Pior: crescem as mortes violentes sem causa determinada”, afirmou.
Além disso, com o aumento do número de armas em circulação – já são hoje 400 mil CACs registrados –, está crescendo também o número de armas perdidas, chegando a três por dia, que vão cair nas mãos da criminalidade e aumentar o índice de violência.