A crueldade do atual governo federal parece não ter limites. Nesta segunda-feira (6), senadores reagiram com indignação aos dados que mostram a destruição do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) da agricultura familiar, um dos pilares do combate à fome nos governos Lula e Dilma. O programa que chegou a receber R$ 586 milhões em 2012, fechou 2021 com menos de R$ 59 milhões. E em 2022, até maio, o valor não chegou a insignificantes R$ 90 mil, de acordo com reportagem publicada pela Folha de S.Paulo.
“Bolsonaro destruiu o Programa de Aquisição de Alimentos da agricultura familiar, que ajudava no combate à fome. Não é apenas incompetência, mas crueldade. Uma das metas do PT, reassumindo o governo, é retomar o programa. O combate à fome é fundamental não apenas no aspecto humanitário, mas para qualquer país que pense em desenvolvimento social e econômico”, declarou o líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA).
A redução acontece exatamente no momento em que a população mais necessita – o país voltou ao Mapa da Fome da ONU, de onde havia saído em 2014, após 12 anos ininterruptos de combate à fome com o Bolsa Família, o PAA e a política de reajuste real do salário mínimo, entre outras medidas articuladas pelo PT à frente do governo federal.
“Absurdo! Mesmo com a fome atingindo patamares recordes no Brasil, o governo federal destruiu o principal programa de aquisição de alimentos, que também promove doação de comida para pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional”, lamentou o senador Humberto Costa (PT-PE), presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado.
Ele comparou a redução dos recursos para combater a fome à gastança desenfreada no cartão corporativo pelo presidente, que chegou a R$ 21 milhões nos últimos dois anos, segundo auditoria do TCU. “Enquanto anda de moto e torra milhões no cartão corporativo, Bolsonaro acaba com projeto de combate à fome no país. Nada pode representar melhor a crueldade e a incompetência deste governo do que isso”, resume Humberto.
Para o senador Paulo Paim (PT-RS), a informação demonstra a total ausência de humanismo do atual governo. “O programa de aquisição de alimentos é utilizado para combater a fome e a miséria. Mas o atual governo simplesmente está acabando com esse avanço social. É muita desumanidade. Um ato vil”, afirmou.
Já o senador Rogério Carvalho (PT-SE) lembrou que é esse tipo de decisão política que resulta em cenas deprimentes como a “fila do osso”, que vem se repetindo no país. “Ter o direito a fazer 3 refeições por dia é o mínimo que nosso povo merece. Não podemos aceitar enquanto sergipanos lutam para se alimentar na fila do osso, alguns poucos tenham acesso a picanha. É com Lula que iremos sair do Mapa da Fome de novo”, previu.
Desmonte generalizado
De acordo com o agrônomo Silvio Porto, que foi diretor da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) entre 2003 e 2011, o Programa de Aquisição de Alimentos sempre foi parte da solução para reduzir a fome no país. Em entrevista ao Jornal PT Brasil nesta segunda (6), ele lembrou que o desmonte promovido pelo governo atinge toda a estrutura de combate à fome criada desde 2003.
Ele lembra que os dados da matéria da Folha, que também o entrevistou, desconsideram os repasses diretos do governo a estados e municípios. Contando esses valores, o país investiu em 2012 R$ 840 milhões. “Então, o programa que chegou a ter R$ 1,2 bilhão não chegou a R$ 60 milhões no ano passado. Essa é a situação atual, exatamente quando esse programa poderia ser parte da solução da segurança alimentar e combate a fome”, afirmou.
Silvio Porto destacou ainda a importância da Conab e do PAA no controle da inflação, uma vez que os governos do PT atuavam na regulação de estoque de alimentos, impedindo impactos imediatos na inflação provocados por quedas de safra e de preço, ou por redução de demanda e aumento de preços. O programa comprava de agricultores familiares e doava os alimentos para entidades destinadas a garantir a alimentação da população mais vulnerável, incluindo creches e asilos.
“Hoje temos um modelo que nos torna suscetíveis. O Brasil é uma potência agrícola com enorme fragilidade, fruto da dependência de pouquísimos produtos – soja e milho formam 89% da produção de grãos – e enorme dependência da exportação para a China – 60% da produção. Além disso, depende de fertilizantes importados, e parte deles vem da Rússia”, apontou, mencionando os efeitos da guerra na Ucrânia.
“Rússia e Ucrânia são relevantes na produção de trigo e o Brasil é importador líquido, pois produzimos 60% do que consumimos. O trigo importado é da Argentina, mas a guerra impacta o mercado todo e o contexto interno do país. Além disso, a Ucrânia é fornecedora de soja para a Europa, e com a crise o Brasil é o principal substituto. Isso aumenta a demanda por soja brasileira e gera uma tendência de aumento de área, ou seja, teremos mais problemas na produção de alimentos básicos como arroz, feijão e mandioca, que têm perdido área para soja, e portanto aumento de preços e inflação”, advertiu.
Para Silvio Porto, a solução para acabar novamente com a fome no país é retomar o rumo dado pelos governos do PT: retomada do PAA e do Bolsa Família, revalorização do salário mínimo, política de emprego sem precarização nas relações do trabalho, migração para um sistema de produção agroecológica que priorize o mercado interno, estímulo à alimentação saudável e, por fim, um programa de reforma agrária. “É escandaloso o nível de concentração fundiária: 1% dos estabelecimentos rurais detém quase 50% da área, enquanto 50% dos estabelecimentos, vinculados à agricultura familiar, têm 2,5% da área. Essa é a magnitude do problema”, afirmou.
Golpe gerou fome
Em artigo recente, as economistas Tereza Campello e Sandra Brandão restauraram a realidade da crítica situação de insegurança alimentar no Brasil, que dobrou nos últimos sete anos. Elas citam estudo do FGV Social, com dados do Gallup World Poll, para mostrar que a fome voltou no país a partir do golpe de 2016, “que a um só tempo solapou a democracia e deu fim a um auspicioso período de construção de políticas de combate à fome e à pobreza e garantia de segurança alimentar”.
As economistas afirmam que a situação retrocedeu a partir da emenda do Teto de Gastos e da reforma trabalhista, ambas medidas do governo Temer, e piorou ainda mais sob Bolsonaro, que extinguiu o Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar), não elaborou o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional para 2020-23, destruiu o PAA, reduziu os recursos do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) e eliminou o a política de valorização do salário mínimo.
“A fome está de volta porque os governos Temer e Bolsonaro desmontaram toda a estratégia que sustentava a histórica conquista civilizatória brasileira registrada pela ONU em 2014”, afirmam.