O Brasil não é campeão de ações trabalhistas, mas de descumpridores da legislação. O resultado é que, mesmo quando os trabalhadores vencem na Justiça contra empregadores, apenas 33% deles recebem devidamente os seus direitos. Os dados foram informados pela ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Delaíde Alves Miranda, nesta segunda-feira (15), no Senado.
“Na reforma trabalhista, diziam muito que o Brasil é campeão de ações trabalhistas. Não é verdade. Quem pegar o relatório de Justiça e os números do Conselho Nacional de Justiça, vai chegar à conclusão que o Brasil é um país de transgressores da legislação trabalhista e, não, campeão de reclamações”, criticou a ministra.
Ela ainda apontou um dado estarrecedor sobre o resultado das ações trabalhistas no país: apenas um terço dos processos da área no Brasil, com trânsito em julgado, resultam no pagamento dos direitos dos trabalhadores.
“Pasmem, na execução, quando o processo transita em julgado, que não cabe mais nenhum recurso, apenas 33% é efetivamente executado. Ou seja, 33% dos trabalhadores recebem efetivamente os seus direitos trabalhistas depois de transitado em julgado”, afirmou Delaíde.
De acordo com o relatório mais recente da Justiça do Trabalho, o total de processos julgados por todas as instâncias da área no Brasil somaram 2,8 milhões apenas em 2021.
Audiência
A discussão ocorreu durante audiência pública na Comissão de Direitos Humanos (CDH), que debateu o ambiente de trabalho com o intuito de instruir a criação de um Estatuto do Trabalho.
Durante a audiência, o presidente da CDH, senador Paulo Paim (PT-RS), destacou que o Estatuto será uma alternativa ao processo de flexibilização das leis promovidas pela reforma trabalhista, aprovada durante o governo Michel Temer.
“Queremos que o Brasil volte a respeitar a sua classe trabalhadora, que gere emprego e renda, salários dignos. Não há felicidade quando a dignidade da pessoa humana é atingida. Direitos sociais e trabalhistas são fundamentais em todo o processo de garantias civilizatórias, de políticas humanitárias”, afirmou o parlamentar.
Para a auditora fiscal do Trabalho, Ana Luiza Horcades, é preciso pensar num Estatuto que não fique apenas no papel e seja uma ferramenta de promoção da dignidade e equilíbrio nas relações de trabalho.
“Não é uma lei que busque simplesmente proteger o trabalhador. É para proteger as relações de trabalho. E a importância que isso tem numa sociedade que quer andar pra frente, que quer evoluir”, colocou.
Aplicativos
Um dos principais questionamentos dos debatedores na CDH foi quanto à falta de regulamentação das empresas que atuam em aplicativos. Especialmente sobre a suposta “liberdade” que elas oferecem aos trabalhadores e trabalhadoras que atuam no serviço.
“Essas empresas se colocam como se fossem intermediárias. Vão dizer que os trabalhadores têm liberdade para gerenciar seus horários e seus ganhos, além dos métodos de avaliação dos seus aplicativos serem meros elementos de conveniência, tanto para trabalhadores quanto clientes. Porém, quando vamos além da superfície sobre como esse trabalho aconteceu, vamos perceber que empresas têm amplo controle sobre o que irão fazer”, explicou o procurador do Trabalho, Renan Bernardi Kalil.
As empresas por aplicativo possuem sistemas de avaliação, que afetam os dados (algoritmos) da plataforma. Segundo Kalil, esse método acaba influenciando até mesmo na jornada de trabalho.
“Esse conjunto de ordens vai ser programado por quem é dono do algoritmo, por quem é proprietário da plataforma digital. Não é ente abstrato que tem vontade própria e que surge do nada. Ele tem uma série de ordens e de políticas que vão refletir como o seu proprietário vai querer organizar a atividade econômica. Isso é importante a gente identificar para saber como os trabalhadores serão controlados por essas empresas”, disse.
“Hoje são algoritmos que fazem a distribuição de oferta de trabalho, precificação da atividade, como trabalho tem que ser realizado, aplicação de punições, verificar se trabalhadores estão realizando suas atividades como as empresas querem que eles realizem”, acrescentou.
Para Paulo Paim, é preciso aprender a lidar com essa nova realidade no mercado para proteger os trabalhadores. “É o empregador na outra parte do mundo. É um aprendizado. Temos que enfrentar esse debate. Temos que entender o que está acontecendo”, apontou.
Autor do livro “A plataformização do trabalho subordinado”, Rosildo Bonfim acredita que estamos na era do “capitalismo de plataforma” – algo que, na verdade, nada mais é do que uma nova forma de forma de terceirização das atividades trabalhistas.
“As empresas trazem as suas atividades para dentro das plataformas digitais e terceirizam essa prestação de trabalho a milhares de pessoas”, explicou.
Para ele, é preciso entender os algoritmos dessas empresas. “Se são apenas horizontais, que apenas colocam em contato quem quer prestar serviço e quem quer utilizá-lo, sem ingerência sobre essa relação, ou plataformas verticais, hierarquizadas, onde a empresa intervém nessas relações, de modo que ela comanda o trabalho desses trabalhadores. Logo, passam a ser trabalhadores terceirizados dessas empresas”, enfatizou.
Capacitação de profissionais
As novas tecnologias no mercado de trabalho também levantam a preocupação sobre a capacitação profissional. Para o diretor do Departamento de Segurança e Saúde do Ministério do Trabalho, Henrique Mandagará de Sousa, esse é o caso, por exemplo, dos atendentes de telemarketing.
Ele afirma que a tecnologias como a inteligência artificial, por exemplo, tem potencial de acabar com postos de trabalho, como os profissionais que atuam em teleatendimento.
“Temos que pensar numa forma de capacitar esses trabalhadores, que hoje é uma mão de obra grande. E que também migrou muito para o teletrabalho. Temos que cuidar como é que esse trabalhador e trabalhadora tá conseguindo lidar no ambiente doméstico dele”, destacou.
Segundo ele, o governo Lula, por meio do Ministério do Trabalho, já analisa a atuação das plataformas digitais para garantir segurança aos trabalhadores.