Ao longo da história, a escola deixou de ser apenas um lugar constituído como espécie de linha auxiliar da produção, liberando trabalhadores e trabalhadoras para jornadas de trabalho muitas vezes exaustivas, e passou a ser um locus privilegiado da construção coletiva do conhecimento, da socialização, do preparo para o exercício da cidadania, da qualificação para o mundo do trabalho, da desconstrução de preconceitos e variadas formas de opressão.
No Brasil, a luta em defesa de uma escola pública e de qualidade tem longa trajetória de conquistas, mas também de obstáculos impostos pelas elites econômicas, sabedoras de que o acesso a uma educação de qualidade é o primeiro passo para a construção da igualdade de oportunidades e para a emancipação política das classes trabalhadoras.
As mesmas elites que impedem o necessário financiamento da educação pública encastelam suas crianças e adolescentes em escolas privadas de elevado padrão, para que no futuro possam ocupar os melhores espaços no mercado de trabalho e no serviço público. Até pouco tempo atrás, eram estudantes de escolas com alto nível de educação que ocupavam a maioria das vagas das universidades públicas, reconhecidas como instituições de excelência, mas a Lei de Cotas (2012) veio para corrigir essa injustiça.
Ocorre que a crise do capitalismo e a emersão de forças políticas de extrema direita em diversos recantos do planeta estão nos impondo lutas que julgávamos superadas, em especial nos países em que a extrema direita conquistou o governo nacional, como no Brasil. Recordemos a luta que travamos contra o negacionismo científico na ainda vigente pandemia da covid-19. A luta que enfrentamos em defesa do distanciamento social e da vacinação. O resultado do negacionismo são mais de 666 mil vidas perdidas somente em nosso país.
Agora, estamos enfrentando outro tipo de negacionismo, propagado por um pequeno número de famílias da elite brasileira: o negacionismo da escola, da socialização, da alteridade, da convivência com a diversidade. Uma parcela ainda diminuta da elite brasileira está insatisfeita com o encastelamento de suas crianças e adolescentes em escolas privadas de elevado padrão e reivindica o direito de encastelar os filhos em suas casas, de educar os filhos de acordo com a própria ideologia e convicções, em detrimento do direito de crianças e adolescentes à educação escolar.
O governo Bolsonaro, com sua propensão ao negacionismo e seu descompromisso com as metas e estratégias do Plano Nacional de Educação, abraçou a causa do ensino doméstico e está explorando o aluguel do Centrão via orçamento secreto para fazer a pauta avançar no Congresso Nacional. Enfrentará, no entanto, uma vigorosa resistência no Senado Federal.
No julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 888.815, o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou uma tese majoritária, de que o ensino doméstico é passível de regulamentação no plano infraconstitucional. Em seu voto divergente, no entanto, o ministro Luiz Fux ressaltou que “a obrigatoriedade de os pais matricularem os filhos em idade escolar em instituições de ensino encontra amparo na literalidade do texto constitucional, desde 1934”, citando, por exemplo, o § 3º do art. 208 da Constituição Federal. O ministro Ricardo Lewandowski, em sintonia com Fux, verbalizou que “a alienação do indivíduo da sociedade, sobretudo daquilo que ela tem de comum a todos os seus membros, como demonstra a história, constitui uma ameaça ao progresso da coletividade e até mesmo à liberdade individual”.
A bancada do PT no Senado ocupará, como sempre o faz em processos que buscam desconstituir os direitos sociais, a trincheira da resistência democrática, entendendo que a defesa da escola é parte fundamental da defesa da democracia.
Vamos lutar contra toda e qualquer tentativa de promover a desescolarização de crianças e adolescentes, que são os titulares do direito fundamental à educação e não cobaias de experiências alienadoras. Vamos fazer a defesa intransigente dos professores como mediadores do conhecimento organizado em currículos, e da formação específica necessária ao exercício da docência. Vamos continuar nossa luta em defesa da educação pública, gratuita e de qualidade social, da creche à pós-graduação, com ampliação gradativa do acesso rumo à universalização.
Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense