Com mais de 350 anos e uma origem que remonta à criação do cargo de Correio-mor em 1663, no Rio de Janeiro, os Correios do Brasil têm um papel antes de mais nada social, como define a Constituição. Sua capilaridade é prova inquestionável de sua relevância social e papel integrador na economia nacional: está presente em mais de 5.500 municípios.
Por ser um serviço essencial como a água e a luz, sua tarifa faz parte das despesas obrigatórias de grande parte das famílias. Daí a importância de praticar preços justos e garantir a universalidade de um serviço essencial como o registro do CPF, a distribuição de urnas eleitorais, o alistamento do serviço militar e a correspondência judicial, entre outros.
O governo justifica sua privatização com argumentos falsos: superioridade do sistema proposto, situação precária da ECT com risco para as contas públicas e incapacidade da empresa de investimentos para sua modernização tecnológica que exigiria, por ano, R$ 2,5 bilhões dos cofres públicos.
Dados de 2016 da União Postal Universal indicam que, naquele ano, em apenas 8 de 195 países a prestação desse serviço era privada: Reino Unido, Portugal, Países Baixos, Líbano, Malásia, Cingapura e Aruba.
O modelo proposto pelo governo para privatizar os Correios não vai acabar com o monopólio. Vai transferi-lo para o setor privado por um período mínimo de 5 anos, sem teto máximo. Nos países onde se privatizou o serviço não houve aumento da concorrência. Ao contrário, o índice de concentração na maioria dos casos é de 70% pela simples razão de que o setor se caracteriza pelo ganho de escala.
Na maioria dos países, o escopo do serviço universal envolve correspondência, encomendas e serviços adicionais. Também a agência reguladora atua até sobre as encomendas. Muitos países incluem como serviço essencial a entrega de jornais e revistas, serviços comunitários e públicos.
A experiência internacional comprova que a privatização é sinônimo de aumento das tarifas postais e de encomendas. No Brasil, o fim do subsídio tributário dos Correios provocará aumento de preços ao consumidor nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Lembrando que os preços da ECT nas encomendas é 2/3 do preço dos concorrentes privados.
Modelo de privatização
Os países que decidiram pela privatização o fizeram de forma gradual. Primeiro transformaram os Correios em S.A. com participação majoritária do governo, criaram uma agência reguladora e aprovaram uma regulamentação para o setor. Em 2º lugar, definiram a universalização do serviço postal suportada pela criação de um fundo. Então, quebraram o monopólio postal e deram um prazo de 5 a 10 anos para a transição que se iniciou com a venda de ações do governo.
Nosso modelo de privatização está na contramão da experiência mundial. Determina a venda integral da empresa para o capital privado, manutenção do monopólio privado por no mínimo 5 anos sem definir o prazo máximo, não cria uma agência específica, sobrecarregando a Anatel, e deixa a seu critério definir regras de universalização, tarifação e objetos postais. Caberá também à Anatel definir por localidade os preços que hoje são nacionais – o que é questão crítica e sensível.
Apenas Argentina e Portugal adotaram este modelo de privatização. E, em ambos os casos, ele foi mal sucedido.
O que são os Correios do Brasil? São: 14,5 milhões de mensagens entregues por dia, 1,5 milhão de encomendas nacionais e internacionais por dia, 9 linhas aéreas com 246,6 toneladas de carga aérea transportadas por dia, 11,5 mil unidades de atendimento, 180 milhões de atendimentos, 1,5 milhão de km de rodovia rodados por dia (950 mil km interestaduais e 600 mil intermunicipal), 5.558 municípios atendidos, 8.763 distritos, 24 mil veículos próprios, 53 mil carteiros, 20 mil atendentes, 39 unidades de tratamento, capacidade para tratar 27,5 milhões de objetos/dia. Em 58% (3.200) municípios do Brasil só existem os Correios prestando serviço de coleta/entrega de encomendas.
Os Correios mantêm 4.500 agências comunitárias em convênio com as prefeituras locais, que serão fechadas com a privatização; são eles também que fazem a distribuição de livros didáticos do FNDE – como a maior parte das cidades do Brasil não tem livraria, com a privatização o custo vai subir, e muito.
Como o serviço de encomendas não será regulado, na privatização podemos ter um apagão na logística para as pequenas empresas com o aumento dos preços. E o aumento das tarifas pesará sobre os governos estaduais e municipais, responsáveis por 20% do total postado.
Boa imagem
A ECT conta com a confiança dos usuários e da sociedade brasileira. Só perde para os bombeiros. Tem melhor imagem que as igrejas e as Forças Armadas. Sua qualidade operacional é bem avaliada e se equipara à daqueles que foram privatizados e os usuários reclamam pouco dos seus serviços. Nos últimos 6 meses, ficaram em 11o lugar no ranking, à frente da Magalu e do Mercado Livre.
Mesmo no mercado concorrencial de envio de objetos, os Correios detêm 95% dos clientes de varejo que não utilizam nenhum outro concorrente.
São 413 mil brasileiros e brasileiras que trabalham diretamente para os Correios e estarão sob o risco de demissão e precarização após 18 meses da privatização.
Nos últimos 5 anos, os Correios fizeram a transição econômica do seu faturamento do segmento postal para o segmento de encomendas e podem diversificar seu portfólio de produtos no mercado com a reabertura das operações do Banco Postal e da Agência Cidadã. O monopólio só representa 30% do faturamento da empresa. O setor concorrencial é o responsável pelo grosso do faturamento e as postagens internacionais crescem em decorrência da importação de produtos da China. A empresa, no entanto, perdeu receita de R$ 1 bilhão por ano com o fim do Banco Postal.
Apesar de ter registrado prejuízos entre 2013 a 2016 (em decorrência do registro de despesa contábil com plano de saúde dos funcionários), os Correios voltaram a ter resultado positivo a partir de 2017. E a previsão é de que de 2021 a 2030 terão um lucro acumulado de R$ 16 bilhões, com pagamento à União R$ 4 bilhões em dividendos, de acordo com documento elaborado pela Federação dos Trabalhadores da ECT. Nos últimos 20 anos, os Correios pagaram à União R$ 7 bilhões (em valores atualizados). De 2006 a 2020, foram investidos R$ 6,9 bilhões, para atender ao crescimento da demanda de encomendas.
O governo superestima a necessidade de investimentos – R$ 2,5 bilhões ao ano – para justificar a privatização. Trata-se de um mito, já que em 2018 e 2019 os Correios foram reconhecidos como o número 1 na categoria de logística em e-commerce pela Associação Brasileira de Comércio Eletrônico. A empresa também iniciou um programa de redução do imobilizado por meio de locação de imóveis, concentrando os investimentos em logística e tecnologia, máquinas de triagem e automação de encomendas, e nova frota de veículos neste ano. Com essas medidas, reduziu em 50% a necessidade de investimentos.
Ao contrário do que diz a propaganda do governo, a modernização dos Correios vem ocorrendo desde 2011 a partir do novo estatuto da empresa que permitiu sua atuação no exterior e no segmento postal eletrônico, financeiro e de logística integrada. E também lhe abriu a possibilidade de firmar parcerias comerciais que agregam valor à sua rede e marca e que lhe possibilitou participar, como sócio minoritário, de outras empresas e até mesmo constituir subsidiárias.
Nada justifica a privatização dos Correios a não ser interesses privados monopolistas. E, claro, a ideologia que permeia o governo Bolsonaro de desmontar as bases do Estado nacional numa negação do caráter de integração nacional que a criação, em 1931, do Correio Aéreo Nacional simbolizou. Com o Correio Aéreo Nacional, o governo integrou as mais distantes regiões do país, levando ações sociais a comunidades antes totalmente abandonadas.
Para minha tristeza, leio agora que o governo gastará R$ 10 milhões em uma campanha publicitária para justificar a privatização dos Correios. Como sei que a maioria dos brasileiros se opõe a esta medida, espero que Senado rejeite este ataque direto a nosso patrimônio nacional – a ECT.