Alessandro Dantas

Senador tem alertado para o risco de perda de direitos e aumento da judicialização nessa forma de contratação
A pejotização é uma prática injusta que vem ganhando força no Brasil. Trata-se de transformar trabalhadores em falsos empresários – os chamados PJs – para driblar as leis trabalhistas e negar direitos básicos garantidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Essa modalidade de contratação é, muitas vezes, uma verdadeira fraude, encobrindo relações e precarizando ainda mais o mundo do trabalho.
Imagine uma pessoa que trabalha todos os dias com hora para entrar e sair, sob ordens diretas de um chefe, recebendo um salário fixo. No papel, ela é uma empresa, mas na prática é um empregado. Essa é a realidade de milhares de trabalhadores que são obrigados a abrir uma pessoa jurídica para conseguir emprego, perdendo benefícios como férias, 13º salário, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e seguro-desemprego.
O Supremo Tribunal Federal (STF), em uma decisão recente, suspendeu a tramitação de processos que envolvem essa prática, alegando insegurança jurídica e a falta de consenso sobre qual justiça é competente para julgar esses casos. Na realidade, essa medida só aumenta a sensação de impunidade e enfraquece a CLT, um dos pilares da proteção dos trabalhadores brasileiros.
Não é de hoje que alertamos sobre os perigos da pejotização e outras formas de precarização do trabalho, como a terceirização irrestrita e a “uberização”. Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostram que a pejotização saltou de 8,5% em 2015 para 14,1% em 2023, afetando cerca de 18 milhões de trabalhadores. O impacto é devastador: segundo a Fundação Getúlio Vargas, essa prática já causou um prejuízo de R$ 89 bilhões aos cofres públicos desde a reforma trabalhista, ameaçando diretamente a Previdência Social.
E o cenário fica ainda mais sombrio quando olhamos para os trabalhadores de aplicativos. Motoristas, entregadores, faxineiros, repositores de supermercados. Todos submetidos a jornadas exaustivas, sem vale-transporte, auxílio-alimentação ou segurança social. Alguns precisam pagar pelo próprio uniforme e aceitam trabalhos extenuantes por valores que mal cobrem o custo de sobrevivência. Como disse o jornalista Carlos Juliano Barros: “Depois de motoristas, entregadores, faxineiros e garçons, agora é a vez de estoquistas e repositores de mercadorias usarem aplicativos para conseguir bicos, sem direitos trabalhistas, em supermercados de todo o país.”
Essa é a escravidão moderna. Os trabalhadores não têm liberdade para negociar suas condições, são explorados e descartados, como se fossem apenas engrenagens de uma máquina que lucra bilhões.
É importante lembrar que a CLT não é apenas um conjunto de leis. Ela é o resultado de anos de lutas, greves e manifestações que custaram o sangue, o suor e as lágrimas de gerações de trabalhadores. Abandoná-la é abandonar também o sonho de um Brasil mais justo e igualitário.
Defendemos que a Justiça do Trabalho continue sendo o órgão competente para julgar esses casos. Afinal, ela é especializada em questões trabalhistas e representa um ponto de equilíbrio entre capital e trabalho. Transferir esses processos para a Justiça Comum significaria um retrocesso, com consequências desastrosas para os trabalhadores.
A luta contra a pejotização, a uberização e outras formas de precarização não é apenas uma questão jurídica ou econômica. É uma luta por dignidade, por respeito e pela manutenção de direitos que são essenciais para garantir uma vida minimamente digna aos trabalhadores brasileiros.
Como diria o poeta Affonso Romano de Sant’Anna: “Que país é este? Uma coisa é um país, outra um aviltamento.” O Brasil precisa decidir de que lado quer estar: do lado dos direitos humanos, da justiça e da dignidade, ou do lado da exploração e da desigualdade.
No dia 29 de setembro, o Senado Federal irá debater esse tema em uma sessão temática. Que essa discussão traga luz e avanços para a proteção dos trabalhadores. O Brasil não pode permitir que os direitos conquistados com tanto esforço sejam destruídos por interesses econômicos e corporativos. Essa luta é de todos nós.
Artigo originalmente publicado no Jornal do Brasil