Abolição: para Paim, a luta pela libertação ainda não está completa

Paulo Paim, único negro do Senado Federal, lembrou conquistas e apontou necessidades de avanços na busca pela igualdade racial na ocasião da passagem dos 125 anos da promulgação da Lei Áurea.

Senador alerta para preconceito,
discriminação e violência contra os negros

Nesta segunda-feira (13), dia em que é celebrado os 125 anos da abolição da escravatura no Brasil, com a promulgação da Lei Áurea, Paulo Paim (PT-RS), único parlamentar negro no Senado Federal, subiu à tribuna para alertar para o arraigado preconceito ainda existente no Brasil em relação à cor de pele. Segundo Paim, a discriminação salta aos olhos quando se analisam os dados da violência contra os negros. A taxa de homicídio dos negros supera a dos brancos em 138%. “O preconceito racial continua profundamente entranhado em nosso tecido social e constitui efetivamente uma das faces mais perversas da desigualdade que tristemente ainda marca o nosso País”, disse.

Para Paim, o caminho pela conquista da igualdade racial, que tem sido longo, ainda não chegou ao fim e todos devem continuar na busca dos instrumentos que fortalecem a luta contra todos os preconceitos. “Essa luta é minha companheira desde sempre e vamos seguir sempre nessa caminhada, buscando, cada vez mais, alcançarmos o fim da discriminação. Temos diante de nós a incumbência de fortalecer todas as políticas públicas e mesmo da área privada, que vão na linha de combater todo tipo de preconceito, seja religioso, seja por cor da pele, seja pela orientação sexual”, disse.

“Não é fácil para um País com uma história e uma formação social como a nossa apagar seu passado comprometido com a escravidão. Essa instituição deixou traços profundos em nossa sociedade. O movimento de libertação, que começou com os escravos negros no século XIX, de certa forma ainda não se completou: precisamos ainda continuar lutando contra todos os preconceitos, seja contra negros e brancos, libertar nossa sociedade do preconceito e da discriminação”, concluiu.

Cor de pele
Pesquisa, citada por Paim, aponta que 63% dos entrevistados reconhecem que a vida das pessoas é influenciada pela cor da pele. Para 70% dos entrevistados, a cor da pele tem impacto nas relações de renda e trabalho e afeta as relações com a Justiça e a Polícia. De acordo com o senador, esses dados se refletem nas estatísticas de violência. Nos últimos dez anos, as taxas de homicídio para a população total e a população não negra decresceram. No mesmo período, as mesmas taxas apresentaram elevação de 2% para a população negra. “Essas diferenças ficam ainda mais distantes e estarrecedoras quando olhamos para os detalhes considerando a população jovem entre 15 e 29 anos. Como se sabe, os jovens nessa faixa etária são as principais vítimas da violência no nosso Brasil”, enfatizou.

Para o senador, os números são mais do que suficientes para que sejam pensadas políticas públicas especialmente voltadas para o enfrentamento da desigualdade alimentada pelo viés racial.

Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2010, ressalta que a maior parte da população brasileira hoje, assume a sua “negritude”. O que, para Paim, não representa uma mudança demográfica na população brasileira. Para ele, significa que as pessoas diminuíram a sua vergonha em se reconhecerem negras. “No entanto, mesmo que a identidade negra seja mais fortemente afirmada, a realidade do preconceito e da discriminação continua pesando sobre homens e mulheres no nosso País”, apontou.

Ações afirmativas
Paulo Paim aproveitou para destacar algumas ações afirmativas instituídas nos últimos anos, aprovadas pelo Congresso Nacional e implementadas pelo Governo Federal. Entre essas políticas estão à criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), a política de cotas nas universidades e a política para os quilombolas. “A boa notícia é que as políticas afirmativas, que sofreram e ainda sofrem algum tipo de resistência, alimentada pelo preconceito, mostraram-se, ao longo desses dez anos, como acertadas e eficazes”, ressaltou. “Entendo que as ações afirmativas, na forma que estão sendo implantadas no Brasil, acabaram introduzindo um viés – ao contrário do que se imaginava – de combate ao racismo, cuja existência em nosso País tende a ser amenizado, principalmente a partir das políticas afirmativas”.

O senador Paim ressaltou que, ao contrário do que propagam os opositores das cotas, o regime não introduziu o racismo nas universidades e nem causou o declínio no ensino. O número de negros com diplomas de curso superior triplicou – há quinze anos, eram apenas 2%; hoje, são 6%. “É muito pouco ainda, é verdade. E o fato de festejarmos, esses números, é porque entendemos que foi um avanço significativo dentro da nossa realidade. Isso mostra quão profundo é o abismo da desigualdade, quão longo ainda será o caminho que nos levará à superação da exclusão. Mas os primeiros passos foram dados e começamos a sentir os efeitos positivos”, ressaltou.

Entre os destaques citados pelo senador, está o Estatuto da Igualdade Racial, aprovado em 2010 pelo Congresso Nacional. “Ao final da longa tramitação, acabaram ficando de fora do Estatuto algumas previsões importantes no que se refere, sobretudo, ao financiamento e à gestão das políticas afirmativas da igualdade racial”, disse Paim exemplificando a ausência da criação do Fundo de Promoção da Igualdade e a regulamentação das terras quilombolas e a criação do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade.

A aprovação da PEC das Domésticas, neste ano, foi considerada pelo senador petista como a quebra de um dos últimos grilhões da escravatura. “A maioria das domésticas é composta por negros, mas a realidade que cabia a esse setor nós não desejamos para ninguém, nem para negros nem para brancos que sejam discriminados até em relação a sua CLT”, ressaltou.

Paulo Paim ainda aproveitou a oportunidade para pedir a aprovação da PEC do Trabalho Escravo, que prevê a expropriação de propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo. Essas terras serão destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular sem qualquer indenização ao proprietário. “Não se admite que alguém possa querer que outro ser humano esteja sob o seu domínio, sob o regime da escravidão. Por isso, quem mantiver escravizandos homens e mulheres, perderá a sua propriedade e ainda sofrerá outras sanções previstas em lei. Espero que a aprovação desta PEC aconteça este ano”, disse.

lei_aureaLei Áurea
Ao lembrar a promulgação da Lei Áurea, Paulo Paim ressaltou a importância do marco histórico que encerrou um “capítulo especialmente vergonhoso” da do Brasil. “Com esse fato, marcou-se o fim da barbárie da escravidão e abriu-se também um novo capítulo: o da luta dos negros contra os efeitos subterrâneos e persistentes, entranhados na sociedade brasileira do longo período de cativeiro a que estiveram submetidos homens e mulheres pela cor da pele”, disse o senador.

Em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel escreveu um bilhete ao pai: “Acabo sanccionar a lei da extincção da escravidão. Abraço Papae com toda a effusão do meu coração.” Na condição de princesa regente, Isabel acabara de libertar os escravos brasileiros e comunicava a decisão ao imperador Dom Pedro II, que na época fazia tratamento de saúde na Europa.

Isabel era uma defensora da causa abolicionista. Durante a primeira viagem do pai à Europa, em 1871, foi ela que, como regente pela primeira vez, e com 24 anos de idade, assinou a Lei do Ventre Livre, que libertava todos os filhos recém-nascidos de escravos.

Histórico
Foi para as matas fechadas de Serra da Barriga, que alcança até 500 metros de altitude, que milhares de escravos negros rebelados fugiram durante o período de dominação holandesa, lá fundando a República Livre de Palmares – o maior, mais duradouro e mais organizado quilombo das Américas, onde viveram mais de 20 mil pessoas, entre 1597 a 1695.

Tendo sobrevivido por quase um século, o Quilombo dos Palmares foi dizimado, e seu maior líder, Zumbi, assassinado, em 20 de novembro de 1695. Neste cenário original da luta, em 2007, foi construído o Parque Memorial Quilombo dos Palmares – uma espécie de maquete viva, em tamanho natural, instalada em um platô, no alto da Serra, para onde milhares de pessoas acorrem, principalmente, em 20 novembro, quando se comemora o Dia Nacional da Consciência Negra.

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