Adams admite que “houve relacionamento promíscuo entre agentes públicos”

Ministro diz que vai passar um pente-fino nas ações que envolveram a AGU com a Ana e a Antaq

O  ministro da Advocacia Geral da União (AGU), Luis Inácio Lucena Adams reconheceu, nesta quarta-feira (05/12), em audiência pública de três no Senado Federal para esclarecer investigações da Operação Porto Seguro, que  houve um “relacionamento promíscuo” entre agentes públicos. “Por conta desse relacionamento, detectamos a necessidade de revisão ampla das decisões tomadas, não porque estivessem totalmente erradas, mas porque elas tinham sido adotadas por meio de um processo promíscuo”, disse.

Adams referia-se aos três casos que, notoriamente ligam o ex-advogado-geral-adjunto da União, José Weber Holanda, e o grupo desvendado pela Polícia Federal durante as investigações que acusam Weber de ter usado um parecer jurídico elaborado pelo grupo acusado pela Polícia Federal, entre outros ilícitos,  de montar um esquema de tráfico de influência no governo. Enviado a Weber pelo  ex-diretor da Agência Nacional de Águas Paulo Rodrigues Vieira no dia 30 de outubro o parecer sustentava que um projeto de transportes deveria ser decretado de utilidade pública.

O documento, de acordo com a PF, defendia os interesses de um grupo ligado ao ex-senador Gilberto Miranda, que aparece nas investigações fazendo lobby para que a União ceda a ilha de Bagres, que fica na entrada do porto de Santos, para a construção de um complexo portuário privado de R$ 2 bilhões.

A AGU incorporou o parecer e só o suspendeu quando a PF colocou o documento sob suspeição. Vieira queria que a AGU sustentasse que um ministério poderia decretar a utilidade pública. O parecer não cita a ilha, mas a AGU reconhece que o porto seria beneficiado pelo documento. A declaração era necessária porque a ilha de Bagres fica em uma área de proteção permanente. A mata atlântica que cobre a ilha só pode ser suprimida se a obra fosse declarada de utilidade pública. “Precisamos apurar onde há portas abertas, descobrir como fechá-las e estabelecer rotinas que orientem o relacionamento da AGU com órgãos públicos”, afirmou Luis Inácio Adams.

 

Entre essas “fechaduras”, Adams citou uma nova portaria baixada pela AGU que vai exigir que , quando um órgão público fizer uma consulta à entidade, deverá identificar qual o servidor encarregado da questão.  “Esse servidor deve ser indicado pelo chefe da instituição para tratar do assunto que é objeto da consulta. Essa é uma medida essencial para garantir que esse relacionamento não está contaminado por desvios”, disse, acrescentando que, se existe uma fragilidade na instituição, ela precisa ser corrigida. “É preciso dar maiores e mais efetivas garantias para que a instituição possa cumprir seu papel: aconselhar o Estado em questões efetivas”, disse.

O ministro da AGU também disse que será promovida uma “ação correcional” nas Agências Nacional de Águas (Ana), Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e na própria  AGU para verificar a lisura desses processos (desvendados pela Operação Porto Seguro).

cardoso_interna01423pf

Investigações republicanas

Antes de Adams, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que já havia falado ontem na Câmara dos Deputados por cerca de nove horas sobre a Operação Porto Seguro, voltou nesta quarta-feira ao Senado. Fez questão de esclarecer informações equivocadas publicadas hoje pela imprensa, que, por exemplo, chegou a dizer que houve blindagem para que a ex-chefe de gabinete da presidência da República em São Paulo, Rosemary Nóvoa de Noronha não fosse investigada, grampeada ou indiciada. “Quando a investigação da Polícia Federal é sobre alguém ligado à oposição, dizem que o ministro da Justiça está instrumentalizando a PF para o próximo período eleitoral. Agora, como é gente ligada à base do governo, dizem que o ministro perdeu o controle da PF”, ironizou.

E garantiu que não houve nada de ilícito, aético ou não republicano no comportamento da Polícia Federal em relação à  Operação Porto Seguro.  “Garanto que nada disso aconteceu. O que houve foi o cumprimento fiel das regras do Estado de direito, onde, mesmo que um ministro tentasse inflamar ou atenuar uma investigação, isso não seria possível. Nossas instituições são tão sólidas que não temos mais uma República que não é republicana”, afirmou.

Cardozo traçou um detalhado panorama da Operação Porto Seguro e lembrou que Rosemary Noronha foi indiciada em três delitos: tráfico de influência, corrupção passiva e falsidade ideológica. “Ela não foi indiciada por formação de quadrilha porque não a integrava, apenas atuava em vários dos crimes que a quadrilha efetivava. Ela prestava alguns favores, mediante suborno e corrupção”, explicou, insistindo que o inquérito não está concluído e que, a qualquer momento, podem haver novas investigações e novos indiciamentos

Operação Porto Seguro

Deflagrada no dia 23 de novembro pela Polícia Federal (PF), a operação Porto Seguro realizou buscas em órgãos federais no Estado de São Paulo e em Brasília para desarticular uma organização criminosa que agia para conseguir pareceres técnicos fraudulentos com o objetivo de beneficiar interesses privados. A suspeita é de que o grupo, composto por servidores públicos e agentes privados, cooptava servidores de órgãos públicos também para acelerar a tramitação de procedimentos.

Na ação, foram presos os irmãos e diretores Paulo Rodrigues Vieira, da Agência Nacional de Águas (ANA), e Rubens Carlos Vieira, da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Além das empresas estatais em Brasília, como a Anac, a ANA e os Correios, foram realizadas buscas no escritório regional da Presidência em São Paulo, cuja então chefe, Rosemary Nóvoa de Noronha, também foi indiciada por fazer parte do grupo criminoso. O advogado-geral adjunto da União, José Weber de Holanda Alves, também foi indiciado durante a ação.

Exonerada logo após as buscas, Rosemary ela teria recebido propina. De acordo com o jornal Folha de S.Paulo, em troca do tráfico de influência que fazia, ela chegou a ganhar um cruzeiro com a dupla sertaneja Bruno e Marrone, cirurgia plástica e um camarote no Carnaval do Rio de Janeiro.

O inquérito que culminou na ação foi iniciado em março de 2011, quando, arrependido, Cyonil da Cunha Borges de Faria Jr., auditor do Tribunal de Contas da União (TCU), procurou a PF dizendo ter aceitado R$ 300 mil para fazer um relatório favorável à Tecondi, empresa de contêineres que opera em Santos (SP). O dinheiro teria sido oferecido por Paulo Rodrigues Vieira entre 2009 e 2010. Vieira é apontado pela PF como o principal articulador do esquema. Na época, ele era ouvidor da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e conselheiro fiscal da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp).

Em decorrência da operação, foram afastados de seus cargos o inventariante da extinta Rede Ferroviária Federal S.A., José Francisco da Silva Cruz, o ouvidor da Antaq, Jailson Santos Soares, e o chefe de gabinete da autarquia, Enio Soares Dias. Também foi exonerada de seu cargo Mirelle Nóvoa de Noronha, assessora técnica da Diretoria de Infraestrutura Aeroportuária da Anac. O desligamento ocorreu a pedido da própria Mirelle, que é filha de Rosemary.

Giselle Chassot

Leia mais:

“Não há gravações que envolvam Rosemary”, diz ministro Cardozo

Operações da PF não tiveram interferência política, diz ministro

Operação Porto Seguro: já são 11 demitidos por ordem de Dilma


To top