“Talvez 1% ou 2% dos crimes praticados no Brasil tenham como autores adolescentes menores de 18 anos”, diz Humberto CostaNa contramão da onda obscurantista que vem colocando no centro da agenda política propostas como a redução da maioridade penal, os números mostram que os adolescentes pobres, negros e moradores das periferias, principais alvos desse tipo de medida, são muito mais vítimas do que autores de homicídios no Brasil. É o que destaca o senador Humberto Costa (PE), líder do PT, após assistir, na noite da última segunda-feira (25), a apresentação de estatísticas sobre a violência, em audiência pública da Comissão Parlamentar de Inquérito, no Senado, que investiga o assassinato de jovens no País.
“A onda conservadora cresce, constrói um senso comum, mas ignora completamente os números que estamos vendo aqui nesta audiência”, afirmou Humberto. “Talvez 1% ou 2% dos crimes praticados no Brasil tenham como autores adolescentes menores de 18 anos, o que não resta dúvida é que os adolescentes que se quer responsabilizar criminalmente como suposta solução para a violência são muito mais vítimas do que autores dos homicídios”, observou o senador.
A CPI sobre os assassinatos de jovens ouviu, nesta segunda-feira, representantes de entidades que investigam a violência e atuam na formulação de propostas para o enfrentamento do problema. Participaram Natália Damázio Pinto Ferreira, representando a ONG Justiça Global, – advogada e representante da Justiça Global, Raquel Willadino Braga, diretora do Observatório de Favelas, e Samira Bueno Nunes, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Os números apresentados pelas três palestrantes são impactantes. Há cada dez minutos, um homicídio é praticado no Brasil. As vítimas têm raça, idade, gênero e condição social bem definida: em cada grupo de 1.000 adolescentes entre 12 e 19 anos, 35,5% deles serão vítimas de homicídio. Ou seja, quase quatro em cada dez desses meninos não completarão 20 anos, pois serão assassinados pelo tráfico, pelas milícias, por grupos de extermínio e por gangues rivais. Os meninos têm 12 vezes mais chance de integrar essa trágica estatística do que as meninas. E os jovens negros têm três vezes mais chances, na média nacional, de serem assassinados que os jovens brancos. Na Paraíba, essa relação é 13 vezes maior. Em Pernambuco, 11 vezes. Em Alagoas, um menino negro tem oito vezes mais chances de ser assassinado que um branco.
Além do crime, o principal autor desses homicídios é o Estado, por meio da polícia, instituição responsável por 11 mil mortes de brasileiros nos últimos cinco anos — um número que a polícia americana leva seis vezes mais tempo para atingir, registrando 30 mil cidadãos mortos por forças policiais em 30 anos. Esses números só levam em conta as mortes resultantes dos chamados “autos de resistência”, que seriam as situações em que as mortes resultariam de confronto com a polícia. Quatro “autos de resistência” registrados no Rio de janeiro chamaram a atenção da opinião publica, recentemente: Patrick, 10 anos, do Complexo de Lins, Eduardo, 11 anos, do complexo do Alemão, Gilson, 12 anos, do Morro do Dendê, e Maicon, três anos, de Acari são algumas das vítimas que teriam morrido em “enfrentamentos armados” com a polícia.
Os 11 mil assassinatos computam apenas os casos registrados em ações oficiais e não levam em conta as mortes praticadas por policiais fora do serviço.
Apesar da clara percepção de que a violência contra a nossa juventude tem no tráfico de drogas um de seus principais motores, o Brasil não consegue avançar em um debate sobre a descriminalização das drogas, como forma de desarticular os grandes cartéis e quadrilhas que se dedicam a esse tipo de negócio. “As correntes conservadores simplesmente não permitem um debate sério sobre o tema no País”, apontou Humberto Costa.
O relator da CPI, senador Lindbergh Farias (PT-RJ), reiterou sua convicção de que a política de guerra às drogas, o eixo central da política de segurança pública hoje no País, não só é a responsável pela crescente violência policial, como também está completamente falida, na medida em que não consegue deter a atuação dos traficantes.
O senador destaca o conteúdo profundamente discriminatório que norteia essa política, com as intervenções violentas em favelas, onde a polícia chega atirando e uma novidade recente utilizada no Rio, que é o Mandado de Busca e Apreensão coletivo, que dá o direito á polícia de entrar e revistar qualquer residência em uma determinada “área suspeita”. “Alguém consegue imaginar um mandado desses sendo executado em um bairro nobre?”, indigna-se Lindbergh. “Essa é uma situação inconcebível de retirada de direitos”.
Lindbergh é autor de uma Proposta de Emenda à Constituição que pretende desmilitarizar as polícias, construindo uma instituição mais próxima das comunidades, voltada para a prevenção, em lugar da atual ênfase do confronto.
Cyntia Campos
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