A CPI da Covid ouviu nesta terça-feira (28) um dos depoimentos mais impactantes desde o início das investigações, em abril. A advogada Bruna Morato, representante de 12 médicos da rede Prevent Senior, é responsável; pela formulação de um dossiê com mais de 10 mil páginas de documentos de práticas ilegais cometidas pela empresa ao longo da pandemia que, segundo ela, a deixaram “aterrorizada”.
A empresa entrou na mira da CPI após documentos obtidos pelo colegiado apontarem que a empresa adotou a prescrição indiscriminada aos seus usuários de remédios do chamado “kit covid” para o tratamento da Covid-19.
De acordo com a advogada, durante a pandemia, os pacientes da operadora de saúde, geralmente idosos, assinavam termos de consentimento genéricos do “kit covid” sem saber que participariam de tratamento experimental.
“O discurso utilizado pelos médicos era que no momento da retirada do medicamento diziam: tem que assinar aqui. Não tinha ciência de que o “assina aqui” era o termo de consentimento. Ele assinava, mas não sabia que seria feito de cobaia”, explicou aos senadores.
Além disso, Bruna Morato afirmou que os profissionais foram coagidos pela diretoria da empresa a prescrever o “kit covid” sem a realização de exames prévios nos pacientes. E aqueles médicos que não o faziam eram punidos com a redução de plantões e, até mesmo, demissão.
A adoção dos medicamentos ineficazes contra a Covid-19, de acordo com Bruna, tinha como objetivo reduzir os custos da Prevent Senior diante da demanda gerada pela pandemia e a necessidade crescente de internações de clientes.
“A principal estratégia, na verdade, era confirmar o projeto: era passar informações de que existia um tratamento [contra a Covid-19] e que era eficaz, essa era a finalidade. É muito mais barato você disponibilizar um conjunto de medicamentos aos pacientes do que fazer internação dos pacientes”, explicou.
Ligação com o governo Bolsonaro
A advogada Bruna Morato revelou a existência de um pacto entre a Prevent Senior, o “gabinete paralelo” (uma espécie de ministério da saúde alternativo diretamente ligado ao presidente Bolsonaro) e o Ministério da Economia. A ideia, segundo ela, era validar a hidroxicloroquina como remédio eficaz contra a Covid-19 e evitar a ocorrência do lockdown.
“Existia um plano para que as pessoas pudessem sair às ruas sem medo. Eles desenvolveram uma estratégia: através do aconselhamento de médicos, e eu posso citar Anthony Wong, Nise Yamaguchi, Paolo Zanotto. E a Prevent Senior ia entrar para colaborar com essas pessoas”, relatou.
Segundo Bruna, havia um “interesse” do Ministério da Economia em não parar o Brasil em razão do isolamento. Assim, a ideia com a adoção da hidroxicloroquina como medicação contra a Covid-19 era promover uma forma de a população sair as ruas sem medo da doença.
Advogada acusa diretor de mentir à CPI
Na semana passada, o diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, afirmou à CPI que ocorreu uma invasão no sistema da operadora de saúde. Segundo ele, essa invasão propiciou a organização do dossiê dos médicos contra a operadora.
Mas Bruna Morato afirmou que os dados foram obtidos a partir dos prontuários entregues pela própria Prevent ao Conselho Federal de Medicina (CFM) em razão de um processo movido contra um médico que supostamente teria vazado informações.
Ela inclusive confirmou à CPI que teve acesso às informações de prontuário do médico negacionista Anthony Wong e da mãe do empresário bolsonarista Luciano Hang.
No caso de Wong, ela afirmou que o paciente fez uso do “tratamento precoce” com medicamentos ineficazes e tratamentos experimentais durante toda sua internação no hospital da Prevent Senior e, apesar de contaminado pela Covid-19, ficou na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) de uma unidade da rede que não estava recebendo pacientes da doença e que trata de pacientes cardiológicos, o que colocou outros pacientes em risco. O atestado de óbito de Wong não cita a Covid como causa da morte.
Já Regina Hang, mãe do empresário que depõe à CPI nesta quarta (29), também fez uso dos medicamentos do chamado ‘kit covid’ quando foi tratada na unidade da Prevent Senior. Mas ao falecer, a Covid-19 não constava do atestado de óbito. Essas omissões reforçam a tese de manipulação de prontuários de pacientes levantada no depoimento de Pedro Batista.
“Vimos que houve mudanças importantes nos atestados [de óbito]. Isso é criminoso. É criminoso porque é falsidade ideológica. Do ponto de vista da saúde pública é criminoso. O planejamento para se enfrentar uma pandemia depende de informação fidedigna. Se um plano de saúde frauda o atestado de óbito, ele não está cumprindo seu papel como instituição de saúde. Ele está jogando como Bolsonaro, do lado do vírus”, destacou o senador Humberto Costa (PT-PE).
Na avaliação do senador, a fraude proporcionada pela Prevent Senior tinha a intenção de atrair mais clientes para o plano com a falsa sensação de segurança com números mentirosos de mortes de Covid-19 baseados num tratamento fantasioso pactuado com o governo Bolsonaro.
“Isso corrobora o pacto que eles tinham com Bolsonaro. Para dar legitimidade a esse tratamento que não servia para a Covid-19”, concluiu Humberto.
Tratamento paliativo para cortar gastos
A advogada Bruna Morato criticou ainda o desvio de finalidade do tratamento paliativo proporcionado pela Prevent Senior. De acordo com o relato dos médicos que fizeram a denúncia, a intenção da operadora de saúde era diminuir os custos de internação, e não proporcionar uma morte digna e indolor.
Na semana passada, Pedro Benedito Batista Junior, admitiu que a operadora mudava a classificação de pacientes com Covid-19 no prontuário após 14 dias da infecção. No caso de internados em UTI, o prazo era de 21 dias.
De acordo com Bruna, as famílias de pacientes que passavam vários dias internados passavam a ser orientados a encaminhar seus familiares para um leito híbrido, abrindo espaço no leito de UTI, e fazendo com que o paciente deixasse de receber os cuidados necessários para a devida recuperação. Muitos desses casos, segundo ela, evoluíram para óbito.
“Fica claro que o tratamento paliativo não era utilizado em pacientes em estado terminal. Ele era utilizado como método para reduzir custos operacionais da Prevent Senior. Independentemente de ter condições objetivas de se recuperar do processo inflamatório causado pela Covid-19, ele [paciente] era colocado em tratamento paliativo. Isso é decretar a morte, indistintamente”, criticou o senador Rogério Carvalho (PT-SE).
Médicos não tinham autonomia
Segundo Bruna Morato, os médicos da Prevent Senior não tinham garantida a autonomia no atendimento aos pacientes. A diretoria da empresa pressionava os médicos a receitarem o ‘kit covid’. O depoimento contrasta com a afirmação dada pelo diretor da operadora, Pedro Batista, à CPI.
Bruna relatou que os pacientes da operadora recebiam o “kit covid” como uma espécie de brinde aos beneficiários do plano, inclusive para pacientes com comorbidades. Ao todo, oito medicamentos chegaram a compor o kit de “tratamento precoce” da empresa.
24 horas para apresentar consentimentos
A CPI aprovou requerimento do senador Humberto Costa para que a Prevent Senior apresente os termos de livre consentimento do chamado ‘kit covid’ no prazo de 24 horas.
De acordo com Humberto, Pedro Batista apresentou uma “pilha de papéis” que seriam consentimentos de pacientes e familiares para os tratamentos oferecidos pela Prevent Senior. O dirigente, apesar de se comprometer a entregar os termos à CPI, não o fez.
Além disso, o senador lembrou que, no dia da demissão do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou resolução liberando a prescrição do ‘kit covid’ e eximindo médicos de responsabilidade. Quinze dias antes, Mandetta havia denunciado a Prevent Senior por práticas suspeitas e números altos de mortes por Covid-19.
Omissão de conselhos de medicina
Durante a sessão desta terça, a CPI também aprovou requerimento do senador Rogério Carvalho (PT-SE) solicitando à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal que investiguem a atuação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANSS), do Conselho Federal de Medicina (CFM) e dos Conselhos Regionais de Medicina (CRM) de São Paulo e do Distrito Federal nas denúncias de irregularidades envolvendo a Prevent Senior.