A redução do uso de agrotóxicos já é uma realidade em todo o mundo. No Brasil, no entanto, as restrições são mínimas e afetam principalmente as populações mais vulneráveis, que sofrem na pele os efeitos. O tema foi debatido nesta segunda-feira (15) durante audiência pública na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado.
Presidente do colegiado, o senador Paulo Paim (PT-RS) lembrou dados mostrando a dimensão grave do problema. Entre 2019 e março de 2022, quase 15 mil pessoas foram intoxicadas por agrotóxicos no Brasil, o que levou 439 mortes (equivalente a um óbito a cada três dias), segundo levantamento da Agência Pública e do Repórter Brasil.
“As comunidades quilombolas e os povos indígenas muitas vezes vivem próximas às áreas agrícolas e podem ser expostas aos agrotóxicos por meio do ar, da água e do solo. O impacto é enorme atingindo direitos humanos, econômicos, ambientais, sociais e culturais. Denúncias apontam casos de suicídio, câncer, problemas respiratórios, más formações fetais, entre outros”, apontou o senador.
Exemplos de como esses produtos químicos afetam a população mais vulnerável foi dado pela jovem liderança indígena Guarani Kaiowá, Erileide Domingues, que vive na aldeia Guyraroká, no município de Caarapó (MS). “A gente sofre com contaminação de água e de alimentos, o ar que a gente respira e até pela falta de produção na nossa roça”, criticou.
Ela lembrou de um caso ocorrido na sua comunidade, cerca de três anos atrás, quando ocorreu uma pulverização noturna em cima da casa dela.
“Às 4h da manhã, meu avô achou que estava chovendo, pelo barulho das gotas batendo no teto de lona. Ao sair, ele sentiu o cheiro insuportável e percebeu que era agrotóxico. O avião estava jogando isso em cima da nossa casa”, afirmou.
Os efeitos da utilização de veneno nas proximidades são visíveis. Segundo ela, as crianças sofrem há anos com coceiras na pele e problemas de visão. Além disso, a produção agrícola fica prejudicada, fazendo com que a comunidade dependa de auxílio governamental para se alimentar.
“Agrotóxico, como costumo dizer, é pulverização de ódio. Porque muitas vezes passam em cima dos povos indígenas, realmente, para exterminar, no lugar de armas”, afirmou Erileide.
A crítica foi endossada pelo representante da Fian Brasil (Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas), Adelar Cupsinski. Segundo ele, os agrotóxicos têm sido utilizadas como armas contra comunidades tradicionais.
“Já ficou nítido que, quando tem a disputa pela posse da terra, uma área em processo de regularização fundiária, como é o caso das comunidades tradicionais, esse uso do agrotóxico é mais intensificado. Jogam perto de escolas, de acampamentos indígenas. Não se pode dizer que é puramente ocasional. O uso do agrotóxico também é como arma contra essas comunidades”, denunciou.
Estratégia de guerra
Para o subprocurador-geral do Trabalho, Pedro Serafim, o Brasil está utilizando estratégia de guerra em relação ao uso de agrotóxicos – na Guerra do Vietnã, por exemplo, foi usado o chamado “agente laranja” para abater inimigos. “Sabemos que é proibido, mas no Brasil estão usando avião para vencer o inimigo”, criticou.
Por não ser método seguro, a União Europeia proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos desde 2009. E a Colômbia proibiu a de glifosato, um dos mais utilizados no Brasil. De acordo com a advogada do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra (MST), Alice Resadori, a pulverização aérea é um método inseguro, mesmo que todas as instruções sejam seguidas.
“Segundo estudos da Embrapa, só 32% dos agrotóxicos pulverizados chegam até as plantas. 49% vão para o solo e 19% vão pelo ar para áreas vizinhas. As próprias fabricantes dos agrotóxicos reconhecem que a deriva pode alcançar até 2km, e dependendo das condições climáticas, existem estudos que apontam para até 10 km ou mais”, explicou a advogada.
Para o procurador do Ministério Público Federal, Marco Antônio Delfino de Almeida, o uso desses produtos químicos é uma demonstração de racismo ambiental.
“O uso desses produtos tem efeito desproporcional sobre as populações vulneráveis, como negros, indígenas e quilombolas. Então, os agrotóxicos efetivamente são demonstração evidente do racismo ambiental”, disse o procurador. “Flagrante de racismo ambiental e que, infelizmente, ainda demora a ser apreciado pelo poder judiciário”, acrescentou.