O ex-presidente e candidato à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, afirmou que em conversas recentes que teve com dirigentes da Alemanha e da França ficou impressionado com a vontade demonstrada pela União Europeia de contribuir com a preservação da Amazônia e com a criação de fundos que financiem outra forma de economia na região, a bioeconomia, voltada à exploração sustentável da biodiversidade. É uma rima com propostas apresentadas por sua campanha, que vislumbra uma indústria limpa, de bioinsumos a fármacos e cosméticos, utilizando o potencial da flora amazônica.
A chamada economia verde, que mantém a floresta em pé, gera emprego e renda aos povos tradicionais, além de divisas ao país, também tem sido objeto de debates no Congresso. Enfrenta resistências, mas também seus muitos defensores reagem a projetos antagônicos. No Dia da Amazônia, há menos de um mês para as eleições, vale lembrar quais ideias se enfrentam nesse “ringue” da democracia representativa, o parlamento. Uma disputa que, óbvio, se estende aos candidatos ao Planalto.
Mandato da Boiada
A bancada ruralista, que integra a base de apoio ao governo, vem tentando aprovar propostas que de verde não têm nada, e chegaram a ser classificadas como “boiada” pelo ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em 22 de abril de 2020, numa reunião ministerial que depois foi tornada pública por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Ali, Salles, o ministro que mais atuou contra pasta que dirigia, falou que o governo e sua base no Congresso deveriam aproveitar a pandemia para abrir a porteira a projetos que mudam o regramento ambiental no país.
Antes e depois disso, o agora ex-ministro – e também candidato, vejam só – dificultou a aplicação de multas ambientais, atuou para reduzir regras de proteção dos biomas nacionais para beneficiar o mercado imobiliário, e ficou de lado para permitir a passagem de motosserras pela – e contra a – floresta amazônica. Acabou pilhado pela Polícia Federal (PF) tentando atrapalhar a apuração de crime de extração de madeira nativa ilegal na Amazônia. Nada menos que a maior apreensão da história do país, mais de 131 mil m³ de árvores derrubadas. A propósito, essa madeira toda, suficiente para construir mais de 2.600 casas, foi liberada pela justiça aos madeireiros no início de 2022, graças à atuação de ninguém menos que o advogado de Bolsonaro, Frederick Wassef.
A patota, que conta ainda com nomes de confiança do Planalto nomeados em cargos-chave de órgãos como Funai e Ibama, e que deveriam cuidar da floresta e combater a ação do crime organizado na região, atua, na verdade, em sintonia com ruralistas para minar territórios indígenas e áreas da União ocupadas por pequenos posseiros e povos tradicionais. O objetivo é ampliar a área de influência do agronegócio e dos madeireiros, assim como a mineração ilegal na Amazônia.
Boa parte das ações do atual governo no meio ambiente impactaram negativamente a Amazônia. Numa lista mais que resumida é possível citar: desmonte e estrangulamento orçamentário de autarquias como o IBAMA e ICMBio, criadas para fiscalizar fauna e flora e gerir unidades de conservação federais; desvio de finalidade da Funai, cujos recursos têm sido usados para grilar terras indígenas, por exemplo; fim de parcerias internacionais – com Noruega e Alemanha – para preservação das florestas; incentivo ao desmatamento e a queimadas, que resultaram em sucessivos recordes de destruição do bioma; e aposta na revisão do marco temporal para entregar mais terras indígenas ao desmate.
Além de comprometer os biomas nacionais, a saúde da população e a sobrevivência dos povos originários, o conjunto da obra bolsonarista trouxe desgaste internacional inédito ao país, avalia o líder do PT no Senado.
“O governo Bolsonaro levou o Brasil para a lama. Junto com ele, todas as políticas de proteção ambiental que tínhamos. Uma das principais maneiras de reverter esse quadro caótico que a gestão atual nos colocou é rever completamente a política ambiental no país. E certamente isso acontecerá em 2023, com o futuro novo presidente, que adotará uma postura democrática e verdadeiramente preocupada com o país”, projetou Paulo Rocha (PA).
Pacote da Destruição
Voltando ao Congresso, os projetos patrocinados pelo governo Bolsonaro, boa parte em análise no Senado, ganharam a alcunha de “Pacote da Destruição”. O mais conhecido é o PL do Veneno, que facilita a aprovação de agrotóxicos sem estudos conclusivos e reduz o campo de ação de órgãos de controle, como a Anvisa e o Ibama. A tragédia prometida pela proposta é nacional, e atinge também a região amazônica.
Mas outros projetos são feitos sob medida para atingir o maior bioma brasileiro. O pacote inclui permissão de garimpo em terras indígenas, legalização de grilagem de terras, dispensa de consulta prévia e de licenciamento para empreendimentos em áreas sensíveis, entre outros retrocessos, como avaliam organizações sociais que atuam pela preservação e pela sustentabilidade.
Em carta enviada ao presidente do Senado, a diretora-Executiva da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS), Mônica Sodré, apela a Rodrigo Pacheco para que não permita a aprovação, a toque de caixa, de projetos que atentam contra o meio ambiente e os povos originários. No documento, lido na reunião da Comissão de Meio Ambiente (CMA) de quarta-feira (31), ela também apela por uma postura altiva do parlamento.
“Nós acreditamos que o Congresso Nacional tem a oportunidade de ser o protagonista que afirmará a sustentabilidade e a defesa do meio ambiente como condições fundamentais para a retomada do desenvolvimento socioeconômico”, assinalou.
Alternativa verde
A ação contrária ao projeto que desmonta órgãos de fiscalização e destrói o meio ambiente é feita por bancadas progressistas no Congresso, suportadas por movimentos sociais em todo o país. Não é tarefa fácil. Mas, até aqui, conseguiu segurar o trator do Planalto que tenta atropelar a legislação dos venenos, das licenças ambientais e da proteção às terras indígenas, entre outras regras civilizatórias.
Também consegue levar adiante projetos como o que incentiva o mercado de bioinsumos para a produção agrícola. A proposta, assinada pelo presidente da CMA, senador Jaques Wagner (PT-BA), busca estimular esse potencial do país. O Brasil tem 20% de toda a biodiversidade do planeta. E pesquisadores da Embrapa já mapearam mais de 60 bioativos na Amazônia que podem ser usados como matéria-prima de bioinsumos para diversas soluções no campo.
Mas, para isso, a floresta tem que estar de pé. É que cada grama de solo – não incendiado – tem milhões de micro-organismos que podem ser usados no controle de patógenos de diversas culturas agrícolas. Essas alternativas verdes, que têm baixa pegada de carbono e, assim, mitigam as mudanças climáticas, foram defendidas na mais recente reunião da CMA pelo senador Fabiano Contarato (PT-ES).
“A prevenção e o controle do desmatamento, tanto na Amazônia como nos demais biomas brasileiros, envolvem a necessidade de se desenvolver uma agricultura de baixo carbono, que seja rentável e de interesse dos produtores rurais, de modo a incentivar sua adesão a esse modelo”, pregou o senador.
A CMA também é responsável por um conjunto de propostas que dão outro rumo à relação do país com o meio ambiente. Elas são fruto de um ano de trabalho envolvendo 42 representantes de vários setores da sociedade, reunidos no Fórum da Geração Ecológica. Entre os 26 projetos que já começaram a tramitar no Senado está o que promove o desenvolvimento do hidrogênio verde como vetor energético no país. Outro texto que igualmente se relaciona com a Amazônia é o que incentiva cria uma política para a bioeconomia, com forte aposta na ciência e tecnologia, para desenvolver produtos com base na biota – conjunto de seres vivos, fauna e flora – nativa brasileira.
“Claro que as propostas apresentadas não esgotam a ampla gama de temas passíveis de regulação ambiental. Ao longo da tramitação legislativa, esperamos novos debates e contribuições que atendam às expectativas da sociedade e deem conta do processo de transição ecológica”, ponderou Jaques Wagner, entusiasta da chamada “guinada verde” no Brasil.
5 de setembro
Entusiasmo é o que não falta ao presidente da CMA ao falar do papel da Amazônia para o Brasil e o planeta. Sabe-se que esse bioma ajuda a regular o clima global, a produção de chuvas no país, até a sustentação da vida de milhares de pessoas que dependem de seu equilíbrio para sobreviver.
“Apesar de sua importância social, econômica e ecológica, a Amazônia enfrenta, hoje, um grande desafio para o seu desenvolvimento. Invasão de terras públicas por grupos criminosos, garimpo ilegal, inclusive em áreas protegidas, e aumento significativo de situações de conflito e violência são situações cada vez mais frequentes”, elenca o senador, preocupado com os números revelados recentemente pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
“Mostra o aumento significativo do desmatamento, sobretudo nos últimos três anos. Em 2021, foram mais de 13 mil km² desmatados. Os alertas de desmatamento para o período de janeiro a julho de 2022, também emitidos pelo Inpe, mostram a maior área de alertas emitidos desde 2015, somando mais de 5,4 mil km². No último dia 23 de agosto, a Amazônia brasileira registrou recorde de queimadas em 24 horas, superando o conhecido “Dia do Fogo”, de 2019, que deixou cidades do Sudeste cobertas por uma densa nuvem de fumaça. Foram 3.358 focos de incêndio, o maior número para o mês em pelo menos cinco anos”, lamenta Jaques Wagner.
Era para ser diferente. O Dia da Amazônia foi instituído em 2007, no governo Lula, para celebrar a proteção ao bioma e homenagear o dia em que a Capitania de São José do Rio Negro se transformou em província do Amazonas, em 1850. Até então, o hoje estado do Amazonas pertencia à Província do Grão Pará.
Mas, de novo otimista, Jaques Wagner aposta no esforço dos diversos grupos e milhões de pessoas que, na base da mobilização, da resistência e da divulgação de novas oportunidades para a Amazônia brasileira, lutam para “para construir um outro futuro possível”.