Morte de capixaba de 17 anos causou |
O alarmante crescimento dos casos de linchamento no Brasil exige uma tomada de posição e uma ação imediata do Congresso Nacional, alertou a senadora Ana Rita (PT-ES), em pronunciamento ao plenário, nesta quarta-feira (16). “Os dados demonstram que todo dia uma pessoa, acusada ou não de crime, é vítima de linchamento no Brasil. São necessárias medidas urgentes para evitar a proliferação dos casos”, afirmou a senadora, lembrando que devido ao fato de o linchamento não constar no Código Penal, as mortes resultantes dessa prática ficam diluídas nas estatísticas entre os homicídios. E isso dificulta a realização de uma radiografia mais precisa do problema.
Chocada com a morte do jovem capixaba Alailton Ferreira, de 17 anos, massacrado por cerca de 50 pessoas no município de Serra (ES) por suspeita de ter praticado um estupro, a senadora deplorou a reação de pessoas que assistiram à cena – em lugar de intervir e impedir a barbárie, as testemunhas preferiram filmar toda a agressão e postar as imagens nas redes sociais. “Impressiona a completa distorção dos valores, do que significa a dignidade humana. As pessoas, de forma sádica, tiveram a frieza de filmar tudo e depois compartilhar nas redes sociais, ao invés de preocuparem-se em denunciar o crime ou mesmo intervir para que o jovem não fosse esmigalhado vivo”, protestou.
Embora o País não conte com estatísticas oficiais sobre os linchamentos, dados do sociólogo José de Souza Martins, citados pela senadora, apontam que o Brasil tem passado por um aumento significativo no número de casos. Em entrevista ao jornal El País, Martins revela que “há três anos, eram três ou quatro por semana e, depois das manifestações de junho do ano passado, passou a uma média de uma tentativa por dia. E ele calcula que, nos últimos 60 anos, um milhão de brasileiros participaram de linchamentos”. Já um estudo do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) registrou 1.179 casos de linchamento entre os anos de 1980 e 2006, uma média de 45 casos por ano.
No caso de Alaiton Ferreira, Ana Rita destacou que o rapaz não tinha ficha policial, era apenas um jovem negro e pobre, da periferia, filho de uma faxineira que declarou sobre o filho: “Ele era muito amado e tinha muitos sonhos”. A senadora condenou também a ação da polícia no caso: além de chegar ao local da ocorrência com duas horas de atraso, os policiais não chamaram o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) para prestar socorro ao rapaz. Alailton, que trabalhava como flanelinha, foi obrigado pelos PMs a caminhar e, levado no camburão para uma unidade de saúde, morreu em decorrência dos múltiplos traumatismos. “Foi tratado como bandido, não como vítima”, destacou a senadora.
“Afinal, o que está acontecendo? Há quem atribua tal violência ao senso de justiça por falta de justiça ou insegurança e descrédito nas instituições, mas nada justifica tamanha violência e ato abominável como esse”, alertou a senadora, destacando que esse discurso e essa prática de ódio violam a Constituição Federal. A senadora defende uma ação mais eficaz do Estado, que ofereça à sociedade a segurança que ela exige e merece, por meio do reforço da infraestrutura das polícias e melhor preparação dos policiais.
Ana Rita alertou que cabe à Justiça julgar e cabe aos poderes constituídos punir com cadeia os criminosos. “Sujar as mãos de sangue é contrário aos nossos princípios morais e é crime, sujeito à pena de prisão. É contra tudo o que pregamos em nome da nossa própria vida”, afirmou, destacando a necessidade de mostrar aos que participam de um linchamento, ou os que aplaudem e aceitam a prática, que injustiça é julgar e executar uma pessoa, tal como no tempo da Inquisição, sem dar ao indivíduo o direito de defesa. “Isso é ignorar a responsabilidade e a possibilidade do Estado de aplicação do devido processo legal, com base na Constituição. Sem esse processo judicial, qualquer julgamento é execrável, pois não tem legitimidade constitucional”.
Ana Rita afirmou que, ainda que a prática tenha amplo respaldo social, ela, como defensora dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito, não aceita a omissão diante de situações como essas. “É fundamental que o parlamento se debruce sobre estes fatos, debata com profundidade esses temas e proponha soluções legislativas que inibam esse tipo de prática em nosso País. Não podemos naturalizar a morte violenta de uma parcela expressiva da nossa sociedade, considerar que negros e pobres não são sujeitos de direitos e que, portanto, não merecem ser tratados com a dignidade devida”.
Cyntia Campos