Ângela Portela pede prioridade para o Plano Nacional de Educação

Senhoras e Senhores Senadores.

A sociedade brasileira está na expectativa de que esta Casa de Leis aprecie, o mais brevemente possível, o Plano Nacional de Educação (PNE) para o decênio 2011-2020, que já deveria estar em vigor desde o ano passado.

O projeto de lei (nº 8.035/2010) do Executivo chegou ao Congresso Nacional em fins de 2010. Já estamos em maio de 2012, e até agora, por conta do atraso na sua tramitação na Câmara dos Deputados, não temos ainda um plano nacional com diretrizes, metas e estratégias para a educação brasileira. Enquanto isso, no seio da sociedade, educadores, estudantes e pais de esperam a conclusão do trabalho de elaboração, iniciado há mais de três anos, a partir da fase municipal da Conferência Nacional de Educação (CONAE), e encerrada em 2010, aqui em Brasília.

Deste processo, participaram mais de um milhão de cidadãos e cidadãs, que discutiram a realidade, as metas e as estratégias em relação ao projeto de educação brasileira. Assim, a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio – as três etapas em que se organiza nossa educação básica, que se tornará obrigatória dos quatro aos dezessete anos a partir de 2016 – foram examinadas em sua extensão e profundidade.

Neste exame, estiveram as modalidades da educação especial, profissional, a distância, indígena, quilombola e de jovens e adultos; todas elas, demandadas pelas diferenças que compõem o mosaico da nossa sociedade. Ficaram mais claros os desafios, bem como os caminhos para superá-los. Por semelhante exame passaram as diversas etapas da educação superior, nível que ainda guarda severas restrições de acesso a quase 80% da população, fruto de padrões elitistas e seletivos que vigoraram nos quinhentos anos de Brasil.

O Projeto de Lei do Executivo contém 20 metas e 170 estratégias de ação para o desenvolvimento da educação nacional, incluindo a universalização do atendimento público e gratuito nos diferentes graus do ensino, e, principalmente, o alcance da qualidade na aprendizagem, objetivo específico de qualquer processo e projeto educativo. Como se constata, entre todas as matérias que discutiremos e votaremos neste ano, a que se refere ao PNE, se destaca, sem sombra de dúvidas, pelos efeitos que pode provocar para o presente e o futuro do País.

Na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, destinada a analisar o PNE, foram apreciadas 445 emendas, que versam sobre tão vasto cenário da educação brasileira. Durante o processo de tramitação do PNE na Câmara, com certeza, o deputado Ângelo Vanhoni o aperfeiçoou muito. Conheço sua preocupação em dar concretude legislativa às deliberações da CONAE e a viabilizá-las em tratamento metódico e científico.

Porém, a demora na tramitação, deste PNE tem gerado incertezas. Não se sabe se teremos ainda em 2012, um Plano Nacional.Em meio a essa incerteza, venho a esta tribuna para esboçar o que penso ser parte de nosso papel revisor e de aperfeiçoamento de tão importante lei.

Esta lei resumirá a política de Estado em relação à educação nos próximos dez anos e deverá, necessariamente, se fazer acompanhar de planos estaduais e municipais de educação. Campo dos mais diversos interesses, principalmente, ideológicos e econômicos, a educação movimenta hoje cerca de R$ 200 bilhões de receitas públicas da União, dos Estados e dos Municípios e entre R$ 70 e R$ 90 bilhões de recursos privados das famílias brasileiras.

Estes últimos, concentrados na educação superior, profissional e em cursos compensatórios de fragilidades de nossa educação regular. Três das 20 metas do PNE decerto serão objeto da atenção desta Casa, e, no meu entender, delas depende a qualidade da aprendizagem de nossas crianças, adolescentes, jovens e adultos.

São elas: a que trata do financiamento, a que pretende valorizar a categoria do magistério e a que regula a gestão democrática dos sistemas de ensino. Reconheço que, para o bem da sociedade brasileira, tivemos inegáveis avanços em relação ao financiamento da educação pública no Brasil, nos últimos tempos. De 1988 para cá, cresceram os recursos de impostos vinculados à manutenção e desenvolvimento do ensino. A maioria dos Estados investe mais do que os 25% constitucionais. O mesmo têm feito muitos municípios, especialmente os de maior população e de maior demanda social.

A União, que por muito tempo reduzira seus gastos a 14% da receita de impostos, voltou a investir 18% ou mais nos últimos anos – propiciando um crescimento extraordinário de cursos superiores e profissionais na rede federal – além de obter maior fatia do orçamento das contribuições sociais, como o Salário-Educação e o Cofins, para programas importantes como merenda e transporte escolar, livro didático, manutenção de escolas, e complementação do Fundeb. O grande problema é que todos os recursos até agora disponíveis, que beiram 5% do Produto Interno Bruto (PIB), podem residir em dois fatores.

Ou não são suficientes para pagar nossa dívida social no atendimento da educação infantil, na oferta do ensino fundamental e médio, na cobertura mínima da demanda potencial de 60 milhões de adultos que não concluíram o ensino fundamental, na posição humilhante da extensão das matrículas públicas da educação superior. Ou, pior que isso, não têm resultado em aprendizagens de qualidade dos estudantes.

 “Faz-se urgente não somente aumentar o investimento, à razão de 0,5% do PIB a cada ano, no período de 10 anos, mas também abraçar estratégias científicas de qualificação dessas despesas no âmbito da União e dos entes federados.” Nesse ritmo, poderemos nos aproximar dos 10% do PIB para a educação, reclamados pelos educadores e estudantes – objeto de Proposta de Emenda à Constituição de minha autoria – e, no meio do decênio, recalibrar os gastos públicos, de forma a não comprometer outras políticas públicas.

A propositura que fiz, teve base no reconhecimento de que, nos últimos anos, principalmente nos mandatos do ex-presidente Lula e agora da presidenta Dilma Rousseff, a educação recebeu considerável atenção, com investimentos crescentes de recursos públicos na educação gratuita, especialmente depois da criação do Fundeb. Mas, nesta particularidade, na primeira etapa da educação básica, ainda existe uma grande lacuna a ser preenchida, que dá motivo à PEC proposta.

A segunda questão, tão antiga, como nossa educação, se refere à valorização dos profissionais da educação. A Constituição prevê, em seu artigo 206, um piso salarial profissional nacional para todos os profissionais da educação: pedagogos professores e funcionários de escolas, a ser definido em lei federal. Enquanto não avançamos até este patamar, já contamos com o Piso dos Profissionais do Magistério – professores e pedagogos – propiciado pelo Fundeb.

Depois de séculos de desvalorização, não era de estranhar que muitos gestores estaduais e municipais estejam com dificuldade de pagar, por 40 horas semanais de trabalho, o Piso válido para 2012, de R$ 1.451,00 – ao qual corresponde, em média cerca de R$ 2.000,00 de remuneração para os professores formados em nível superior.

Ora, que significam R$ 2.000,00 para os 30 dias do mês numa família do século XXI? Poderíamos, nós, senadores e senadoras, viver dignamente com tal salário, que não atinge o chamado Salário Mínimo do DIEESE, calculado para a sobrevivência de uma família de quatro pessoas nas capitais brasileiras?

Vejam que estou falando do que se devia pagar, no ano em que 20 Estados já tiveram greves de professores que nem esses valores estavam ou estão recebendo.

Amparados por uma legislação, que precisa ser superada, os professores buscam o segundo emprego público e o terceiro privado, sem ganhar um centavo extra, mesmo com 60 ou até mais horas semanais. O resultado é que quase metade dos professores é atingida por doenças profissionais e a qualidade da aprendizagem fica estruturalmente comprometida.

Sobrecarregado de aulas e de alunos – alguns têm mais de mil estudantes sob sua responsabilidade – o professor não tem absolutamente tempo para avaliar. E, educação sem avaliação, é ensino sem rumo, sem resposta às demandas tecnológicas e científicas da nação.

O PNE precisa ter não somente uma meta de valorização salarial, mas, principalmente, de estratégias claras para alcançá-la, do Rio Grande do Sul a Roraima, do Acre à Paraíba. Finalmente, senhor Presidente, senhoras senadoras e senhores senadores, sabemos que educação é projeto que se sonha e se persegue, mas é muito mais um processo que se vive no dia a dia.

Processo de desenvolvimento humano solidário; de socialização para a paz; de comunicação do saber e de circulação de culturas. Quem viveu os anos de ditadura, com suas limitações à liberdade de pensamento, de expressão e de organização, sabe dar valor ao ambiente democrático que hoje temos.

Entretanto, este ambiente ainda não contaminou as escolas e os órgãos dos sistemas de ensino, muitas vezes travados por procedimentos burocráticos, por comportamentos autoritários, por práticas discriminatórias. Por oportuno, lembro um grande teórico da educação, o saudoso Anísio Teixeira, que nos deixou um conjunto de crenças na área educacional, em que a democracia tem centralidade.

Anísio Teixeira acreditava na capacidade do indivíduo de distinguir seus interesses de modo responsável, no papel central do Estado na educação e na constituição da sociedade brasileira. E é inspirada nas crenças deste pensador, que aqui estou.

Penso que a nós, senadores, cabe a responsabilidade de elaborar e fazer aprovar o PNE, mas entendo que são os atores sociais nele envolvidos – dirigentes e profissionais educacionais, pais, alunos e   conselheiros – que vão desdobrá-lo em milhares de planos estaduais e municipais e colocá-los em prática no cotidiano das 200 mil escolas de educação básica e nos 50 mil cursos superiores de nosso País.

Que estratégias vamos confirmar no PNE para instaurar uma gestão democrática que nos forme como cidadãos e cidadãs que nosso Brasil merece e precisa? Dá para compreender o desafio de nossa tarefa? É esta grandeza e responsabilidade que eu, uma simples professora e senadora de Roraima, o estado brasileiro mais longínquo e esquecido, mas, nem por isso, menos brasileiro, gostaria de partilhar com todos os que me ouvem.

É com o compromisso de honrar a população de Roraima que venho sempre a esta tribuna para pedir, como agora faço, mais investimento na educação brasileira, mais valorização aos profissionais do magistério e mais creches nos municípios do país. Quando sabemos que tudo começa com a educação e, logo no início da vida dos indivíduos, é triste constatar que menos de 20% das crianças habilitadas para receber educação infantil, são atendidas em creches da rede pública.

Compreendendo que creche não é apenas um benefício aos pais, mas, principalmente, o atendimento ao direito de cidadania das crianças.  Por fim, senhoras e senhores, ser a voz de pais, educadores e estudantes que pedem a aprovação do PNE, com urgência, é o que faço agora.   

Muito obrigada.

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