Amparado por uma decisão do STF, o empresário bolsonarista Carlos Wizard se manteve em silêncio durante depoimento à CPI da Covid nesta quarta (30), não sem antes fazer uma declaração em que se colocou como vítima, filantropo, citou trechos da Bíblia e usou a própria família como desculpa para não comparecer ao primeiro depoimento, marcado para o último dia 17 de junho.
Mesmo assim, os senadores fizeram os questionamentos e apontaram Wizard como peça-chave do gabinete paralelo de assessoramento de Jair Bolsonaro para temas ligados à saúde e responsável por promover tratamentos ineficazes contra a Covid-19.
A decisão do STF garantiu ao depoente o direito de não produzir prova contra si mesmo. O empresário permaneceu em silêncio mesmo diante da apresentação de vídeos nos quais defendeu enfaticamente o tratamento precoce e o “kit covid”.
O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), informou que o colegiado vai recorrer da decisão do STF.
Carlos Wizard consta na lista apresentada pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI, no último dia 18 de junho com os 14 investigados pela comissão, até o momento.
Para o senador Rogério Carvalho (PT-SE), a imagem de filantropo que Carlos Wizard tenta passar ao citar passagens bíblicas não se sustenta diante dos fatos já investigados pela própria comissão. Wizard, além de participar de reuniões do gabinete paralelo, também fez divulgação de medicamentos ineficazes e até mesmo caçoou de mortos por Covid-19 afirmando, erroneamente, que pessoas que morreram não teriam buscado o tratamento precoce.
“O senhor passa a ideia de um filantropo, de um missionário. Mas o que estamos vendo é a missão de fortalecer uma tese que levou milhões de brasileiros à exposição a um vírus altamente contagioso, letal. Pessoas que adoeceram e perderam suas vidas. Além de ser parte de um grupo de empresários que defendeu que os brasileiros mais pobres fossem para rua trabalhar para continuar enriquecendo pessoas como o senhor, que usam da palavra de Deus para tirar proveito da miséria, da desinformação. Isso é cruel”, criticou Rogério Carvalho.
“Carlos Wizard é uma peça fundamental de tudo que aconteceu no Brasil ao longo da pandemia. Ele exerceu uma função importante do tratamento precoce que foi utilizado, principalmente, para sabotar as ações de isolamento social. É parte do discurso dele, como é do discurso do presidente, normalizar a economia. Ele exercia ilegalmente um papel no Ministério da Saúde, porque nunca foi formalmente nomeado, e negociou a contratação de insumos, participou de reuniões e foi o mentor da ideia de maquiar o número de pessoas que morriam no Brasil por conta da Covid”, destacou o senador Humberto Costa (PT-PE), adicionando que partiu do empresário a ideia de esconder o real número de óbitos diários causados pela Covid-19 no Brasil, obrigando a imprensa a criar um consórcio para garantir a informação.
O empresário declarou, quando foi convidado para atuar no Ministério da Saúde pelo então ministro [Eduardo] Pazuello, de que sua tarefa seria acompanhar grandes fornecedores, grandes contratos e forrar o Brasil com cloroquina. No dia 4 de junho, Wizard teria concluído uma negociação para a importação de dez toneladas de insumos para a produção de cloroquina, no valor de R$ 30 milhões.
“Carlos Wizard permaneceu por mais de um mês como um ator não nomeado no Ministério da Saúde, trabalhando principalmente para a disseminação do tratamento precoce e com a ideia de testar 5% da população. Só as pessoas chamadas vulneráveis. Aquela velha ideia de isolamento vertical e teste vertical”, disse o senador Humberto. “Causa espécie o tipo e ação que foi feita no Brasil por essa aliança que envolve o governo federal, Bolsonaro, maus empresários. Essa aliança causou muito mal ao Brasil”, completou o senador citando os recentes escândalos de corrupção envolvendo a compra de vacinas.
Na avaliação do senador Rogério Carvalho, a CPI deve incluir no relatório final dos trabalhos o empresário Carlos Wizard como um dos “grandes responsáveis” pelas 516.119 mortes causada pela pandemia de Covid-19, até o momento, no Brasil. Muitas dessas mortes, lembra o senador, poderiam ter sido evitadas se o governo Bolsonaro tivesse seguido a ciência.
“Essa comissão deve incluir o senhor [Carlos Wizard] como um dos grandes responsáveis pelo morticínio, pelo genocídio que ocorre nesta República sob os domínios de uma família e de um presidente que foge do debate que está na ordem do dia, que são seus principais assessores envolvidos em denúncias de corrupção. Não é só a condução criminosa no combate à pandemia, é a quantidade de negócios espúrios, fora do regramento que começam a ser revelados e envolvem agentes importantes do governo Bolsonaro”, destacou.
Pausa no silêncio para fazer propaganda
Ao ser questionado pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) sobre qual seria sua religião e as repetidas citações a textos bíblicos, o empresário se recusou a responder o questionamento. Ao invés disso, tentou fazer uma pausa no conveniente silêncio para fazer a divulgação de um livro.
“Se o depoente não se dispõe a falar, ele não tem o direito de fazer proselitismo, autopropaganda, autopromoção. Isso é um escárnio. Um desrespeito com essa comissão”, retrucou o senador Rogério Carvalho, ao impedir a tentativa do empresário.
“Não vai vender livro aqui não”, seguiu o senador Omar Aziz.
Trabalho da CPI tem salvado vidas
O senador Jean Paul Prates (PT-RN) destacou a importância da criação da CPI da Covid e o trabalho que ela tem desempenhado na compilação das provas de crimes cometidos pelo governo Bolsonaro durante a gestão da pandemia.
“Enquanto a pandemia ainda mata de 1.500 a 2.000 pessoas por dia, a cada hora de trabalho dos senadores, estamos salvando vidas. Impugnando, constrangendo, bloqueando, impedindo práticas criminosas e garantindo que provas e depoimentos não se percam no tempo. Estamos tratando desses assuntos agora e salvando vidas agora”, destacou.
Jean Paul pediu a sociedade brasileira que não naturalize os índices de mortes diários por Covid-19, classificados pelo senador como “desastrosos”, e resultado da “negligência, da teimosia, da burrice, da má-fé e dos objetivos oportunistas que se apossaram dessa atuação governista na pandemia para se locupletar e prevaricar”.
Convocações
Antes do início dos questionamentos ao empresário, a CPI aprovou uma série de requerimentos. Dentre eles estão a convocação do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR) e do ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde Roberto Dias, demitido do cargo na noite desta quarta (29).
Ambos estão envolvidos em recentes denúncias de corrupção envolvendo o governo Bolsonaro na compra de vacinas.
Barros é apontado como suspeito de participar das negociações do contrato da vacina indiana Covaxin. Já Roberto foi acusado por um representante de laboratório farmacêutico de ter cobrado propina de US$ 1 para cada dose da vacina AstraZeneca adquirida pelo governo Bolsonaro, numa negociação de 400 milhões de doses – ou seja, algo em torno de R$ 2 bilhões.
Confira a lista dos demais convocados:
– Marcelo Bento Pires, coordenador de logística do Ministério da Saúde
– Regina Célia Silva Oliveira, servidora do Ministério da Saúde
– Thiago Fernandes da Costa, servidor do Ministério da Saúde
– Luiz Paulo Dominguetti Pereira, representante da Davati Medical Supply no Brasil
– Cristiano Alberto Carvalho, procurador da Davati Medical Supply no Brasil
– Rodrigo de Lima, funcionário do Ministério da Saúde
– Rogério Rosso, ex-deputado e diretor da União Química
– Robson Santos da Silva, secretário de saúde indígena do Ministério da Saúde
– Túlio Silveira, representante da Precisa Medicamentos
– Emanuela Medrades, diretora da Precisa Medicamentos
– Antônio José Barreto de Araújo Junior, ex-secretário-executivo do Ministério da Cidadania
– Danilo Berndt Trento, sócio da empresa Primarcial Holding e Participações LTDA
– Emanuel Catori, sócio da Belcher Farmacêutica
– Gustavo Mendes Lima, gerente de medicamentos da Anvisa
– Luciano Hang, dono da rede de lojas varejistas Havan
– Antonio Jordão de Oliveira Neto, médico
– Adeílson Loureiro Cavalcante, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde
– Silvio de Assis, empresário