A Câmara dos Deputados poderá votar nesta quinta-feira (10/12) o PL 4372/2020, de autoria da deputada federal Dorinha Seabra (DEM/TO), que regulamenta o novo Fundeb (Emenda Constitucional nº 108, de 26 de agosto de 2020). O projeto tramita em regime de urgência.
O que está em disputa no processo de regulamentação do novo Fundeb? É possível, no processo de regulamentação, que haja retrocessos em conquistas que foram inscritas no texto permanente da Constituição Federal?
Quando analisamos o substitutivo apresentado pelo relator da matéria, deputado federal Felipe Rigoni (PSB/ES), percebemos que a cobiça do setor privado pelo fundo público continua extremamente presente, tal qual durante o processo de tramitação da PEC 15/2015. As janelas para apropriação de recursos públicos pelo setor privado, incluído o Sistema S, foram multiplicadas, em sintonia com a contrarreforma do ensino médio.
Ademais, o substitutivo atenta contra uma conquista fundamental inscrita no texto permanente da Constituição: a subvinculação de no mínimo 70% dos recursos do Fundeb ao pagamento dos profissionais da educação básica em efetivo exercício. Ao caracterizar os profissionais da educação básica como sendo todos os “profissionais em efetivo exercício nas áreas pedagógica, técnica, administrativa, bem como aqueles integrantes de equipes multiprofissionais, com atuação nas redes escolares de educação básica vinculados a Secretaria de Educação”, em detrimento do art. 61 da LDB, o substitutivo permite que o pagamento de diversos profissionais que não são atualmente tipificados como da educação básica seja custeado com os recursos do Fundeb, o que ameaça a valorização do profissionais da educação e o próprio piso salarial das/os professoras/es.
A gestão democrática, consagrada no texto constitucional e no texto da LDB, também é alvo do substitutivo apresentado pelo deputado Felipe Rigoni. Ao definir as condicionalidades que devem ser cumpridas pelas redes públicas de ensino para que sejam beneficiadas pela complementação VAAR (2,5% da complementação da União), o relator propõe como uma das condicionalidades o provimento do cargo ou função de gestor escolar de acordo com critérios técnicos de mérito e desempenho, em detrimento da eleição do gestor pela comunidade escolar. Não há, nas condicionalidades, fatores fundamentais para elevar a qualidade da educação básica pública, como a valorização dos profissionais da educação, gestão democrática, expansão do atendimento educacional em creches e na educação de jovens e adultos, dentre outros.
Outra questão polêmica é a regulamentação da função redistributiva que União, Estados, DF e Municípios devem exercer em relação a suas escolas. O substitutivo não delimita essa função redistributiva, atribuindo ao MEC a prerrogativa de elaborar uma metodologia de apuração e monitoramento do exercício da função redistributiva e à Comissão Intergovernamental de Financiamento para a Educação Básica de Qualidade a prerrogativa de aprovar essa metodologia de apuração e monitoramento. Se levada às últimas consequências, o exercício da função redistributiva pode vir a significar, em sintonia com a anunciada reforma administrativa, a gestão dos recursos do Fundeb diretamente pelas unidades escolares e a contratação de empresas e serviços educacionais também diretamente pelas unidades escolares: o avanço da privatização.
Faz-se necessário, portanto, resgatar a mobilização social que tornou possível a inscrição do Fundeb no texto permanente da Constituição Federal e a ampliação da complementação da União ao Fundeb, de modo que o processo de regulamentação no plano infraconstitucional não resulte em retrocessos para a educação básica pública e para os profissionais da educação.
A educação básica pública abrange um universo de aproximadamente 40 milhões de estudantes, 4 milhões de trabalhadores em educação e 139 mil escolas públicas. A regulamentação do novo Fundeb precisa assegurar que os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, que são as escolas da classe trabalhadora.
A lógica do mercado é drenar cada vez mais recursos públicos para o ensino privado, sucatear progressivamente o ensino público e justificar a privatização irrestrita da educação básica em decorrência dos resultados negativos das redes públicas nas avaliações educacionais. Esse movimento tem de ser derrotado pela mobilização social em defesa de uma educação básica pública, gratuita, laica, democrática, desmilitarizada, de qualidade social, com profissionais da educação valorizados e para todos e todas.
Por Bruno Costa, da Assessoria da Liderança do PT no Senado, e Lizete Marques, da Assessoria da Liderança do PT na Câmara