O tempo presente nos incita à ação coletiva em defesa da vida e do bem-estar da população. As consequências de não agir podem ser trágicas. Como diz o filósofo e psicanalista Slavoj Zizek: “o amanhã que é futuro do ontem pode já ser hoje”.
Cada vez mais, o país se isola do mundo e levanta muralhas de dentro para fora, atiçando discórdias e intolerâncias. Há uma crise sanitária, social, econômica e política sem precedentes na história brasileira.
Não podemos deixar que a omissão bata à nossa porta. No silêncio, encontram-se não só os segredos da verdade, mas também o amparo dos covardes e infelizes. Há de se agir, urgentemente, com a mais profunda inspiração humanitária, democrática e de respeito aos direitos humanos.
Milhares já morreram devido à pandemia da covid-19. Ainda pagaremos um alto preço pelas fanfarrices e despotismo de quem governa o país ao estilo dos césares de Roma. Infelizmente, outros conterrâneos nossos terão suas vidas ceifadas. A Organização Mundial da Saúde já aponta a América do Sul como o novo epicentro do planeta, destacando o Brasil como país mais preocupante.
Especialistas e institutos de pesquisa admitem que o desemprego, a pobreza, a miséria e a fome irão atingir patamares nunca vistos antes. Onde vamos parar? Urge não só a necessidade de planejamento a médio e longo prazo, mas também para o agora.
A fome não espera o sol nascer. Para o jornalista Martín Caparros, “não há nada mais frequente, mais constante, mais presente em nossas vidas do que fome — e, ao mesmo tempo, para a maioria de nós, nada mais distante do que a fome verdadeira”.
Duas questões são necessárias trazermos para a pauta do Congresso e do Poder Executivo, neste agora, pois milhões de brasileiros estão sofrendo e passando necessidade. Eles estão no limite da dignidade humana. Falo da ampliação do seguro-desemprego e do auxílio emergencial.
Os poderes constituídos não podem errar ou mesmo se omitir frente a todas essas tristezas, desesperanças e descaminhos que o Brasil está enfrentando
O seguro-desemprego foi criado em 1986 e incorporado pela Constituição de 1988, que consagrou o direito à proteção social do trabalhador em situação de desemprego involuntário. O objetivo é garantir uma renda mínima temporária ao desempregado para que ele possa manter-se dignamente enquanto procura um novo emprego.
Em seguida, tivemos que regulamentar esse artigo da nossa Carta Magna. Havia duas propostas com o mesmo teor. Uma deste que assina este artigo e a outra do então deputado federal e hoje senador José Serra. Uma terceira também sobre o mesmo tema: a do ex-deputado federal Jorge Uequed. Chegamos a um consenso com as três propostas. A de José Serra encabeçou, e prevaleceu um texto com mais abrangência, que contemplou um número maior de trabalhadores.
A importância desse benefício é extraordinária. Não só pelo que ele já fez para milhões de brasileiros, mas também por aquilo que ele ainda poderá fazer. A pandemia é uma realidade tão cruel que todo o nosso povo está amargurando os seus efeitos. Falam em quase 20 milhões de desempregados.
O PL 1.449/2020, de nossa autoria, tem por objetivo criar uma nova modalidade extraordinária de seguro-desemprego, que poderá ser paga a quem tenha tido pelo menos três meses de registro em carteira nos últimos 12 meses, por período de três meses além do que a lei hoje assegura ou até que a calamidade pública seja superada.
Além de beneficiar milhões de trabalhadores, também abrange os microempreendedores individuais que estão pedindo socorro e, em muitos casos, tendo que encerrar suas atividades. Essa proposta ajusta o valor a ser pago para até R$ 2.870,00, com base no INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor). Somente nos primeiros 15 dias de maio, os pedidos de seguro-desemprego cresceram 76% em relação ao mesmo período do ano passado. Desde o início da pandemia, cerca de 1,5 milhão de brasileiros precisaram do socorro desse benefício.
A segunda questão é com o auxílio emergencial. Hoje, a lei garante três meses de R$ 600,00. No nosso entendimento, esse tempo é muito pouco e insuficiente para assegurar a segurança alimentar dos trabalhadores e seus familiares. O PL 2.419/2020, também de nossa autoria, amplia o prazo de recebimento desse benefício enquanto durar toda essa crise. Vale registrar que, recentemente, pesquisa nacional do DataSenado mostrou que 91% dos entrevistados concordam com a nossa proposta.
Até o momento 106,3 milhões de pessoas estão cadastradas para receber o auxílio emergencial. Dessas, 59 milhões são elegíveis. O restante ou foi considerado inelegível, inconclusivo ou o cadastro está em análise. Infelizmente, a liberação do auxílio está muito demorada. Mesmo com toda a ênfase e necessidade desse auxílio, ele ainda é pouco e precisa ser estendido a outras categorias.
O governo vetou emendas ao PL 873/2020, que estende a outras categorias o auxílio emergencial e incorpora mais de 10 milhões de trabalhadores ao benefício. Entre eles estão os agricultores familiares, os profissionais da cultura, taxistas, motoristas de aplicativos, ambulantes, diaristas, garçons, manicures, quilombolas, caminhoneiros.
Vejam a questão dos trabalhadores da agricultura familiar. Essa atividade envolve aproximadamente 4,4 milhões de famílias e é responsável por gerar renda para 70% dos brasileiros no campo, segundo o Ministério da Agricultura. Esses homens e mulheres produzem mais de 70% da comida que chega à mesa do brasileiro.
Já os profissionais da cultura também estão em situação de necessidade, muitos até passando fome. A maioria é autônoma e está sem trabalho e renda. Não podemos desprezar a cultura e os seus trabalhadores. O setor gera 1 milhão de empregos diretos e movimenta mais de R$ 10 bilhões na economia. Isso representa 2,64% do PIB.
É necessário que o seguro-desemprego e o auxílio emergencial sejam ampliados até que toda essa crise passe. Da mesma forma que se coloque em prática a Lei 10.835/2004, de autoria do ex-senador Eduardo Suplicy, que institui a Renda Básica de Cidadania. Os poderes constituídos não podem errar ou mesmo se omitir frente a todas essas tristezas, desesperanças e descaminhos que o Brasil está enfrentando.
Inadmissível que ainda nos falte consciência e sensibilidade para entendermos que as ideologias e as disputas políticas devem dar lugar à união de esforços para salvar vidas. O nosso horizonte é o Brasil generoso, conciliador e plural que todos nós outros aprendemos a amar.
Paulo Paim está no terceiro mandato como senador, eleito pelo PT do Rio Grande do Sul. Atua na defesa dos direitos sociais e trabalhistas e é presidente da Comissão de Direitos Humanos. Autor das leis dos Estatutos do Idoso, da Pessoa com Deficiência e da Igualdade Racial, e relator do Estatuto da Juventude. Foi deputado federal constituinte em 1988.
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