Assédio institucional

Assédio tem sido usado como ‘método de governo’

O senador Fabiano Contarato (PT-ES) condenou todas as formas de assédio e disse que a prática prejudica os servidores e a própria democracia
Assédio tem sido usado como ‘método de governo’

Foto: Agência Senado

O assédio contra servidores públicos é usado hoje como método de governo e instrumento de poder, com base na violência institucional entre subordinados e órgãos hierárquicos. A avaliação foi feita nessa terça-feira (2) por participantes de audiência que discutiu os impactos do assédio institucional no serviço público. O debate foi promovido pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS), por iniciativa do senador Fabiano Contarato (PT-ES).

O senador condenou todas as formas de assédio e disse que a prática prejudica os servidores e a própria democracia. Contarato ressaltou ainda que há servidores da área de segurança pública que sofrem por cumprirem legalmente as atribuições estabelecidas na Constituição, em defesa da democracia e dos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade para preservação das instituições.

“As pessoas passam, mas as instituições são permanentes. Queremos que sejam preservadas as instituições, a democracia é o melhor terreno para você plantar e colher direitos”, afirmou Contarato.

A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) avaliou que o assédio institucional acentuou-se nos últimos três anos, com a perseguição a servidores de diversos setores. Para o senador Jean Paul Prates (PT-RN), a destruição do Estado faz parte de uma estratégia deliberada que tem a ver com ideologia.

“A ideologia tem lado e a política tem ideologia, uma coisa não caminha sem a outra. Talvez deixando a ideologia de lado, a opinião pública tenha sido contaminada com essa ideia de Estado mínimo, que o Estado não tem que ser discutido. A criminalização da política faz parte desse capitulo pelos próprios eleitos, e depois o sufocamento financeiro para imposição do Estado mínimo por falta de estrutura, sucateamento. E ainda o constrangimento claro nas garantias de desempenho das carreiras públicas, isso começa no desrespeito das próprias nomeações”, afirmou.

‘Obedecer cegamente’

Presidente da Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (Anesp), Pedro Pontual disse que o recrutamento de pessoas em postos de gestão está absolutamente incorreto: “deixou de ser a boa gestão o critério e voltou de novo a obedecer cegamente”.

De acordo com o presidente do Sindicato Nacional dos Servidores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), José Celso Cardoso Júnior, desde o governo Michel Temer há uma mudança de clima organizacional na maior parte das organizações públicas, sobretudo no âmbito federal.

“O assédio sempre existiu, tanto no setor público como privado, de onde provém. Não é exclusividade do período recente. Porém, o que começamos a verificar no governo Temer, com maior profusão no governo Bolsonaro, foi um aumento estrondoso de casos. Não era mais uma relação pretérita individualizada entre pessoas envolvidas, passou a ser mediada pela organização ou pelo processo institucional”, afirmou.

A diretora-executiva da ONG Indigenistas Associados, Priscilla Colodetti, disse que a política pública indigenista vem sendo destruída desde que o delegado da Polícia Federal Marcelo Xavier assumiu a Presidência da Funai.

“Essa tragédia anunciada causada pela morte do nosso colega indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips é resultado da deliberada destruição da política pública indigenista que acontece, dentre tantas maneiras, pela perseguição e criminalização de servidores e servidoras da Funai. Tem acontecido na Funai a preferência pela nomeação de militares nos cargos de chefias, tanto na Funai sede quanto nas unidades regionais. São militares do Exército, policiais militares e policiais de corporações estaduais”, afirmou.

Presidente do Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques disse que o período atual é o mais prejudicial para as instituições públicas nos últimos 30 anos. De acordo com ele, o fórum tem documentação farta sobre casos de assédio.

“Desde a redemocratização, não me ocorre tempo mais nefasto para as instituições, carreiras e órgãos públicos. Não foram casos isolados. São mais de 1,3 mil casos documentados de assédio moral e institucional no serviço público. Isso está em um contexto que está documentado. São 850 páginas registrando tudo isso, mais uma documentação de caso a caso”, afirmou.

Para a vice-presidente nacional da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil, Thaisse Craveiro, a prática de assédio institucional é “grave e generalizada”.

“As ações orquestradas relacionadas ao assédio institucional se manifestam claramente por meio de avaliações de desempenho sem critério. A instrução de processos disciplinares tem hoje verdadeira subversão para perseguir agentes públicos, o que tem impedido a independência e a imparcialidade do agente público no exercício de suas funções. São exonerações de cargos em comissão, remoção imotivada, sindicâncias imotivadas que se arrastam por anos”, afirmou.

Inpe

Demitido há três anos pelo então ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações Marcos Pontes, o ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)  Ricardo Galvão disse que sua demissão foi um exemplo claro de assédio institucional, por ele ter sido a “pedra no sapato de um governo que considerava o meio ambiente oposto ao desenvolvimento econômico do país”.

“Era uma estratégia de destruição dos órgãos públicos, em particular do Inpe, uma instituição respeitada internacionalmente e cujos resultados não poderiam ter sido contestados pelo governo. O assédio começou já em janeiro [de 2019], quando o governo Bolsonaro tomou posse. E foi um assédio contundente que nem todos viram”, afirmou.

O servidor do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) José Augusto Morelli também foi ouvido em caráter excepcional pelos senadores, visto que seu nome não constava entre os participantes do debate. Ele foi o fiscal que multou o então deputado Jair Bolsonaro em 2012 por pesca irregular em uma reserva protegida em Angra dos Reis (RJ). Funcionário concursado do Ibama, Morelli foi afastado de suas funções e hoje trabalha na burocracia do órgão.

“Que estamos vivendo tempos sombrios não há dúvidas, assim como me parece cristalino que os avanços civilizatórios decorrentes da Constituição de 1988 estão mais ameaçados do que nunca”, afirmou.

O servidor do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) Alexandre André dos Santos também foi ouvido pela comissão.  Ele está sendo processado pelo governo sob a alegação de que teria violado direitos autorais ao publicar um estudo de sua autoria sem autorização do Inep. O trabalho mostra resultados positivos do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, programa lançado no governo do PT. No ano passado, o instituto barrou a publicação.

“Infelizmente, ao tentar produzir uma reflexão estruturada sobre política pública que foi desenvolvida no governo Dilma, para poder enfrentar o desafio de garantir aprendizado às nossas crianças, quando eu tive essa iniciativa de pesquisar com os dados do Inep, fomos surpreendidos por uma decisão de que o estudo não seria tornado público. Eu me vi diante de uma sequência infindável de iniciativas por parte da então presidência do Inep, que acabara de chegar e não tinha preparo técnico para estar nesse lugar. Eu me vi em situação de constrangimento seguida de intimidação. O presidente do Inep pediu para retirar meu nome da lista dos servidores que receberiam vacina. A partir daí veio uma sequência de outros fatos. Por meio de portaria, revogou portaria que havia me designado para compor a Comissão de Ética do Inep”, revelou.

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