Ataques dos neogovernistas não desestabilizam a presidenta Dilma

Ataques dos neogovernistas não desestabilizam a presidenta Dilma

O boicote dos derrotados nas eleições de 2014 a qualquer medida que pudesse favorecer a economia, o conluio para construir a tese das “pedaladas”, o compromisso com um plebiscito para definir a convocação de novas eleições e garantir a reforma política. Não houve tema “proibido” ou constrangedor para a presidenta Dilma Rousseff, que na tarde desta segunda-feira (29) continuou a responder às perguntas dos senadores na etapa decisiva do julgamento do processo de impeachment em curso na Casa.

Com senadores sinceramente interessados em esclarecer dúvidas, Dilma teve a oportunidade de estabelecer uma conversa franca, sem esquivas. Foi o caso do senador Eduardo Amorim (PSC-SE), que já se declarou claramente pró-impeachment, mas ainda assim buscou estabelecer um diálogo baseado na urbanidade. Ele criticou a presidenta justamente pela falta de diálogo com o Congresso ao longo do mandato.

“Lamentavelmente, seu governo não foi caracterizado pelo diálogo. Todos sabemos que uma relação saudável faz-se com diálogo e respeito, e Vossa Excelência distanciou-se do Congresso Nacional”, afirmou Amorim. “Eu fui um daqueles brasileiros que também acreditei. E por algumas vezes eu disse à senhora: dialogue mais, presidente, converse mais, ouça as opiniões”.

Dilma lembrou que não é fácil dialogar com todas as forças políticas em um quadro tão fracionado e tão permeado por uma agenda tantas vezes alheia ao interesse público como é a realidade política brasileira. “Duvido que 35 partidos possam ser programáticos. Não há 35 diferentes programas no nosso País”. Ainda assim, lamentou que os esforços não tenham sido suficientes—nem suficientemente percebidos. “Fico extremamente impactada quando o senador Amorim fala sobre diálogo”, confessou.

Para Dilma, o pacto político estabelecido em 1988, a partir da promulgação da Constituição, está claramente rompido e não será possível uma nova concertação sem que se tenha uma reforma política. Ao senador Acir Gurgacz (PDT-RO), que indagou como ela imaginava restaurar a governabilidade, caso derrote o impeachment, Dilma manifestou essa convicção. “A governabilidade vai passar necessariamente por uma repactuação. Senão, vai estar instaurada a instabilidade política sistemática em nosso País”.

Esse é o motivo do apoio de Dilma à convocação de um plebiscito que trate de novas eleições da reforma política. “A população tem de participar. Não acredito num governo que não teve os votos na urna. O governo que teve os votos nas urnas foi o meu governo. E este governo meu teve um programa também aprovado nas urnas. A questão da legitimidade não só está afeta ao fato de que eu estou sendo condenada por um processo, por um impeachment sem crime de responsabilidade, mas também ao fato de que o plano de governo que foi aprovado nas urnas não vai ser implementado”.

Sem aceitar provocações
A presidenta manteve o tom sereno, mesmo diante de algumas provocações lançadas por adversários mais renhidos, sem, entretanto, deixar de responder com firmeza aos questionamentos. Confrontada com a repetição incessante de acusações que nada têm a ver com a denúncia que sustenta o pedido de impeachment, Dilma manteve a paciência e até mesmo o bom humor, como na resposta a uma tentativa de pirraça do senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) que atribuiu o impeachment à “mobilização das ruas”.

“Nenhum de nós aqui é ingênuo, senador”, respondeu Dilma. “A aceitação do meu pedido de impeachment se tratava de uma chantagem explícita do senhor Eduardo Cunha com o qual infelizmente vocês se aliaram. (…) É disso que se trata, não de movimentos de ruas. Porque, infelizmente, essas mesmas lideranças – algumas delas, não todas, é verdade – eram as mais enfáticas e esfuziantes em tirar retratos com o deputado Eduardo Cunha”, lembrou a presidenta, provocando o riso geral, inclusive de Cunha Lima, e aproveitando para desfechar a estocada final: “A vida é assim, senador: dura. Não há como se falar da espontaneidade desse processo”.

Outro que foi buscar lã e saiu tosquiado foi Aécio Neves (PSDB-MG). O senador — visivelmente contrariado pela lembrança de sua condição de “candidato derrotado em 2014” na fala inicial da presidenta, no período da manhã — citou a investigação em curso do Tribunal Superior Eleitoral sobre as contas da campanha de Dilma à reeleição.

Na resposta da presidenta, a contundência do conteúdo fez forte contraste com a suavidade do tom: “Não sei se o senhor se lembra, mas o TSE permitiu a minha diplomação porque não encontrou nenhuma irregularidade no meu processo. Mas essa foi uma questão sistematicamente tornada objeto da disputa política que ocorre no Brasil após a minha posse no segundo mandato. Além disso, senador, quero lembrar ao senhor que também foi aberta contra as suas contas investigação pela Maria Thereza, juíza do TSE. Portanto, senador, não é essa a questão”.

A Ronaldo Caiado (DEM-GO), que prima sempre pela agressividade, Dilma teve que explicar que o Brasil não controla fatores externos que têm forte impacto na economia global. O ruralista voltou à surrada tese do “estelionato eleitoral”, já que a presidenta, baseada na conjuntura econômica vivida no período da campanha, traçava um cenário otimista para seu segundo mandato. Ela lembrou que três dias após sua reeleição o governo dos Estados Unidos deu início ao chamado tapering — saída da política de expansão fiscal, com consequente elevação dos juros americanos e desvalorização generalizada das moedas.

“Senador Caiado, o governo brasileiro não tem controle sobre a política monetária do Federal Reserve, não tem controle sobre a política monetária do governo americano, nem nós, nem vocês, nem tampouco o mercado”, explicou Dilma.

O resumo da ópera
Reiteradas vezes, Dilma lembrou a senadores adversários o ponto central em discussão — as acusações que fundamentam o pedido de impeachment, que são a edição de três decretos de crédito suplementar e o atraso no repasse de valores referentes ao Plano Safra a bancos oficiais. Mas nem por isso deixou de responder e esclarecer qualquer tipo de crítica.

Ela lembrou que a partir do dia seguinte à sua reeleição, foi desfechada pela então oposição uma saraivada de ações políticas para desestabilizar seu governo. Houve o pedido de recontagem de votos, depois o pedido de auditoria nas urnas e ainda a reivindicação de uma auditoria nas contas da campanha. Dois meses após a reeleição, o impeachment já era pauta abraçada com entusiasmo pelos oposicionistas e pela grande imprensa.

Essa ofensiva de desestabilização foi favorecida pelo cenário econômico, onde a brusca queda das commodities derrubou a arrecadação, e a saída dos Estados Unidos da política de expansão fiscal, com a elevação dos juros americanos e desvalorização generalizada das moedas. No cenário interno, a seca no Sudeste impactou a produção de energia

Dilma citou o Nobel de Economia Joseph Stiglitz: “A crise no Brasil estava precificada, a crise econômica iria ocorrer, o que não estava no cômputo era uma crise política das dimensões que o Brasil enfrentou”.

O quadro se agravou com a eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara dos Deputados, que se transformou em plataforma privilegiada para o bombardeio ao governo Dilma. Os projetos apresentados pelo Executivo para buscar uma saída fiscal foram engavetados, ao passo que as chamadas pautas-bombas—propostas que ampliavam irresponsavelmente os gastos públicos—eram aprovadas com entusiasmo, “algo que mostra uma artificial conduta no sentido de inviabilizar o meu governo. Isso é extremamente grave. E não vi ninguém, principalmente na mídia, ficar estarrecido diante desse fato; esse fato que é, na verdade – isso sim – um descompromisso com a coisa pública”, rememorou a presidenta.

Cyntia Campos

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