A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado vai realizar uma audiência pública para debater, antes de votar, o projeto que altera o Código de Processo Penal (CPP) para permitir a prisão de condenados em segunda instância. A audiência pública foi proposta pelo Líder do PT, senador Humberto Costa (PE) e evita, assim, a votação a toque de caixa da matéria, como pretendia uma parcela da bancada governista.
A matéria em pauta da CCJ é um projeto de lei (PLS 166/2018) que pretende não apenas interferir em uma garantia inscrita na Carta de 1988, mas em uma cláusula pétrea dessa Constituição, que trata da presunção de inocência, um dos direitos e garantias individuais.
“É uma proposta absolutamente inconstitucional. Tenho certeza de que não vai se transformar em lei”, avalia Humberto Costa.
Proposta com endereço
“Nós sabemos que essa proposta tem endereço”, denunciou o senador, lembrando o inconformismo de alguns setores com a recente reafirmação pelo Supremo Tribunal Federal da necessidade do trânsito em julgado das sentenças — esgotamento de todos os recursos em todas as instâncias da Justiça — para o início do cumprimento da pena.
Com base nessa decisão do STF, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode voltar à liberdade, após 580 dias de prisão.
Risco para todos
“No momento em que o Brasil vive uma crise tão medonha para o seu povo, muitos estão achando que a prisão em segunda instância e a prisão de Lula seria a salvação da lavoura”, criticou o senador. “Isso não é forma de se produzir legislação”.
Humberto ressalta que a mudança proposta atinge a população como um todo. “O grande problema não é a prisão depois do julgamento na segunda instância, mas a quantidade de pessoas que sequer foram julgadas na primeira instância e estão presas. Pessoas pobres, sem acesso a uma defesa mais bem estruturada”.
“Vaidade, ambição, oportunismo”
O senador Cid Gomes (PDT-CE) lembrou que a fonte inspiradora do projeto, o atual ministro Sergio Moro, revelou-se “um misto de vaidade, ambição e oportunismo”. Para ele, só a “mesquinharia grosseira” explica a tentativa de driblar a Constituição para voltar a prender Lula.
“Quem é contra a impunidade e a corrupção, como regra, é mais discreto. Os que são apoteóticos nessa questão são santos de pau oco, são sepulcros caiados. Pode ir atrás: a história está mostrando”, ironizou Cid Gomes, que recomendou “juízo ao Senado” para evitar se pautar por “robôs de Whatsapp”.
Gomes defende que seja mudada a definição de trânsito em julgado, permitindo a prisão até mesmo a partir da condenação em primeira instância, a depender da gravidade do crime.
Audiência
Humberto Costa enfatizou a gravidade de se decidir sobre tema com tantos impactos sem sequer um mínimo de debate e celebrou a aprovação da audiência pública, que deve ser realizada na próxima terça-feira (26).
Os convidados para falar à CCJ são o atual ministro da Justiça, Sergio Moro, o jurista Ives Gandra Martins, o defensor público-geral do Estado do Rio de Janeiro, Rodrigo Baptista Pacheco e um representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
PEC x Projeto de Lei
O PLS 166/2018 é de autoria do senador Lasier Martins (Podemos-RS) e tem relatoria da senadora Juíza Selma (Podemos-MT). A matéria busca um atalho para contornar a garantia constitucional da presunção da inocência — o direito de só ser considerado culpado após o esgotamento de todas as etapas de um processo.
Como um projeto de lei não pode mudar a Constituição — o instrumento para isso é a proposta de emenda constitucional—a proposta de Martins altera o Código de Processo Penal (CPP) para facultar a prisão após a condenação em segunda instância mediante “ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente em decorrência de condenação criminal por órgão colegiado”.
Um projeto de lei precisa apenas de maioria simples dos votos das duas Casas legislativas para ser aprovado e tem tramitação mais simples. Para aprovar uma proposta de emenda à Constituição, são necessários pelo menos 49 votos no Senado.