A luta não acabou. Ainda falta passar pela Comissão de Infraestrutura (CI) e pelo plenário antes de nova análise na Câmara dos Deputados. Mas o passo dado nesta quarta-feira (6) foi fundamental para a construção de uma política nacional para um setor que há décadas demanda regulamentação. Para se ter uma ideia, até hoje licenças para construção de barragens são aprovadas no Brasil com base em estudos de impacto fornecidos pela própria empresa interessada. Do outro lado das barragens, milhões de famílias penam, seja pela falta de segurança jurídica, seja pelo risco iminente de rompimento das estruturas de concreto. Isso sem contar a falta de amparo depois de tragédias como as que o país assistiu nos últimos anos.
O projeto (PL 2788/2019) aprovado, fruto de esforço histórico do Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB) e de bancadas progressistas no Congresso, cria um conjunto de regras que garante a participação dessas populações em todo o processo relacionado a barragens, desde o planejamento até a fiscalização. E prevê direitos, incluindo indenização em caso de rompimento e alagamento de comunidades, por exemplo. O marco jurídico também orienta o que cabe ao governo e aos investidores em cada etapa desses empreendimentos, tanto dos que geram energia quanto dos que recebem rejeitos de mineração.
O projeto veio da Câmara dos Deputados, onde foi relatado pelo petista Rogério Correia (MG). No Senado, a relatoria na Comissão de Meio Ambiente (CMA) coube à senadora Leila Barros (PDT-DF), que agradeceu ao deputado e ao MAB pela ajuda na elaboração do substitutivo aprovado. Assim como ela, o senador Fabiano Contarato (PT-ES) prometeu empenho para que o texto se transforme logo em lei.
“Só no estado de Minas Gerais nós tivemos Mariana, Miraí, Cataguases, Barão de Cocais, Brumadinho. Só no estado de Minas Gerais nós temos 906 barragens. E um número reduzidíssimo de fiscais para preservação e para proteção dessa população que ali se encontra. Então, quando eu vejo aqui um crime de ecocídio que aconteceu há seis anos em Mariana, que vitimou 19 pessoas, deixou desabrigadas inúmeras famílias, é necessário que o Parlamento dê uma resposta urgente. Eu não canso de repetir Ruy Barbosa, quando ele fala que justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”, ressaltou o senador.
Após a tragédia de 2015, em Mariana, de responsabilidade da empresa Samarco, veio Brumadinho, em 2019, com 270 mortos e outras seis pessoas ainda desaparecidas. Mas o deputado Rogério Correia adverte que o risco não acabou: “a Barragem do Rio Manso está em nível 3. Ela fica perto do principal manancial de água que abastece em 30% a água de Belo Horizonte e região metropolitana. E a empresa está construindo um muro de contenção para evitar esses efeitos caso a barragem se rompa. Assim como essa, temos 42 barragens com algum tipo de risco de rompimento”.
Presidente da Comissão de Meio Ambiente, o senador Jaques Wagner (PT-BA) explicou que além dos episódios de rompimentos, com mortos e milhares de desabrigados, há outros milhões que até hoje aguardam a prometida realocação depois de verem suas terras inundadas. Ao se referir aos que esperam por justiça e aos que ainda correm riscos, Jaques Wagner completou: “é obrigação desta Casa contribuir e entender cada vez mais que onde há seres humanos ou nós cuidamos ou nos surpreendemos com coisas inimagináveis”.
Para o coordenador nacional do MAB, Iury Paulino, é preciso comemorar a aprovação e se fortalecer para as próximas batalhas: “é um dia histórico de uma jornada que precisa ser concluída. Os atingidos não podem mais ceder, porque já deram muitas coisas, inclusive alguns a própria vida, por conta desse modelo. Eles não podem mais esperar, porque é urgente a aprovação do marco legal para a garantia do direito dessa população. E isso torna hoje um dia histórico, mas é um passo de uma luta. O projeto precisa ser aprovado no plenário do Senado definitivamente e voltar à Câmara para que seja ratificado”, completou o dirigente.
Água de reuso
A CMA também aprovou o projeto (PL 13/2015) do senador Humberto Costa (PT-PE) que muda a legislação para regular uso de fontes alternativas no abastecimento de água. Uma das leis alteradas é a Política Nacional de Recursos Hídricos. A ideia é que para atividades menos exigentes, como agricultura, paisagismo e indústria, sejam utilizados reservatórios de chuva e de reuso, em vez de água tratada.
A proposta também muda a Lei do Saneamento Básico para regulamentar instalações hidráulicas prediais ligadas à rede pública de abastecimento. Trata-se de mais uma maneira de economizar o recurso natural já escasso no Planeta, como explicou o relator, senador Jaques Wagner: “na verdade ele visa, basicamente, a óbvia e necessária economia de água, mandando que se tenha para usos de menor exigência de qualidade, vaso sanitário etc, água de reuso”.
Como era terminativo na CMA, o projeto segue agora para análise da Câmara dos Deputados, e não ser que haja recurso para votação em plenário.